Keanu Reeves e a fina arte de aceitar o fracasso | JUDAO.com.br

Não dá pra ser bom em tudo. Não dá pra ser o melhor o tempo todo. Não dá pra ser genial sempre. Vale pra gente e também pra um astro de Hollywood que tentou ser rock star.

“Nós somos muito parecidos em nossas personalidades: somos ambos ermitões”. A frase, do ator sueco Peter Stormare, é parte de uma descrição que faz bastante sentido a respeito de ninguém menos do que Keanu Reeves, num perfil absolutamente imperdível do ator feito pela revista QG.

Depois de trabalharem juntos em Constantine, os dois acabaram ficando meio que amigos (ou o mais próximo disso que é possível) e até frequentam a mesma academia. “Ele é um solitário. Eu sou um solitário. Não gosto de tapete vermelho. As pessoas acham que ele está fazendo tipo, um personagem, quando ele está gaguejando, dando entrevistas no tapete vermelho, e ele olha para longe e parece desconfortável. Mas ele REALMENTE está”.

Fato que Keanu é um cara lindo, que fez e ainda faz gerações suspirarem. Mas ele não poderia, e isso dá claramente pra perceber, estar mais longe deste modelo hollywoodiano clássico de GALÃ. Não costuma ser visto em festas, evita badalações e ainda tem aquelas fotos dele sozinho, numa boa, sem frescura nenhuma andando de metrô por aí. Exatamente por isso, apesar de saber que é necessário agora que está prestes a lançar o terceiro John Wick, fica meio sem jeito ao falar de si mesmo.

“De verdade, eu não tinha pensado mesmo sobre o meu futuro na carreira, ou o que aconteceria comigo, até bem recentemente”. Mas o que é “recentemente” pra ele? “Provavelmente depois dos 40”. Detalhe: este ano o cara completa 55 e começou a carreira por volta dos 20. Ao longo da entrevista, é só quando dá um tempo das fotos e sai pra fumar que ele se sente à vontade o suficiente para refletir sobre o fracasso. Porque estamos falando de uma milionária estrela de Hollywood, mas que mesmo assim, com todo o seu status, estrela na Calçada da Fama e tudo, não conseguiu levar à frente o seu projeto musical. John Wick não conseguiu proteger um outro cachorro — no caso, o cachorro das estrelas, a banda de rock alternativo, meio grunge, Dogstar.

O ator diz que se sente mal pelos outros caras da banda, que tiveram que, como a revista bem lembra, encarar o ceticismo naturalmente reservado a projetos de estrelas vindas de outras áreas de atuação. “Eu acho que teria ajudado se a banda fosse melhor”, confessa um Keanu no modo sincerão. Um pouco de exagero, já que a banda não era tão ruim assim. Mas fato: no fim, apesar de um sucesso relativo vindo principalmente da curiosidade do público pela presença de Keanu Reeves na formação, eles simplesmente não explodiram. Para o bem e para o mal, nunca estiveram nem próximos de se tornar um 30 Seconds to Mars.

O Dogstar surgiu ali pela metade dos anos 1990, um pouco antes de Matrix, o divisor de águas, quando este ainda era o Keanu de Bill & Ted, Velocidade Máxima, Drácula, Caçadores de Emoção. O ator encontrou o futuro baterista do grupo, Robert Mailhouse, num supermercado em 1991. Mailhouse tava vestindo uma camiseta do time de hóquei Detroit Red Wings. Keanu, fã devotado do esporte, curtiu a peita e puxou assunto, perguntando se a equipe do cara precisava de goleiro, porque ele tava querendo jogar na liga local e tal. Mailhouse também tava tentando a carreira de ator, fez lá uns papeis na TV, especialmente no novelão Days of Our Lives. Acabaram ficando amigos.

Uma outra paixão que tinham em comum era a música. Começaram a fazer umas jams só de curtição, pela farra. Mailhouse tocava bateria, Keanu arranhava no baixo. “Cê sabe, começamos tocando numa garagem, começamos a escrever umas músicas e aí logo pensamos ‘vamos sair por aqui pra tocar’. E depois emendamos em ‘vamos sair por aí em turnê’. E seguimos nessa”, disse ele, certa vez, no programa do Jimmy Fallon. No fim, eles acabaram fazendo seu primeiro show num lugar em Los Angeles chamado Rodgies, com abertura de um grupo de iniciantes que atendiam pelo nome de Weezer...

A banda que originalmente se chamava Small Fecal Matter e depois migrou para BFS (sigla tanto para Big Fucking Shit quanto para Big Fucking Sound) acabou se tornando Dogstar. E logo ganhou a adição de Gregg Miller, guitarrista principal e vocalista, mais tarde virando inclusive um quarteto quando Bret Domrose, segundo guitarrista e alguém que igualmente ajudava nas vozes, veio fazer parte da festa.

Pois é, isso mesmo: caso não tenha ficado claro, diferente do que costuma acontecer com as bandas de atores como Jared Leto, por exemplo, Keanu era só o baixista mesmo. Fazia uns backing vocals aqui e ali, mas tava LONGE de ser o frontman típico do mundinho do rock. O Ted da vida real era bem mais low profile do que aquele dos cinemas.

Uma amiga dos caras, que costumava frequentar os shows deles, conseguiu convencer seu chefe na Zoo Records de que valia a pena assinar com a banda. E antes mesmo de lançarem seu EP de estreia, Quattro Formaggi, de 1996, eles já tavam curtindo por aí, abrindo pra ninguém menos do que David Bowie no Hollywood Palladium e pro Bon Jovi na turnê que passou por Austrália e Nova Zelândia. O disco completo, Our Little Visionary, rolou logo depois, levando inclusive a um segundo disco, Happy Ending, em 1999. O som dos caras, meio grunge, meio pop, 100% raivoso mas sem compromissos, os fez criarem uma pequena e fiel base de fãs. Mas os compromissos profissionais de todos os envolvidos, em especial Keanu que tinha explodido por causa do papel como Neo, levaram o Dogstar a decidir que era hora de parar. O último latido ao vivo foi em 2002, durante um show no Japão.

“A gente chegou a tocar no Milwaukee Metal Fest”, relembra Keanu, pra GQ. Sim, o Dogstar estava num dos mais tradicionais festivais de heavy metal dos EUA. “Eu acho que nosso show foi próximo do show do Murphy’s Law [banda novaiorquina de hardcore]. Imagina isso. Então nós tocamos um cover do Grateful Dead em pleno Milwaukee Metal Fest”. Naquele ano, aliás, o festival contou com nomes como Agnostic Front, Cannibal Corpse, Obituary e Deicide. Uma cacetada atrás da outra.

“Aí ficamos ‘cara, eles nos odeiam, o que estamos fazendo aqui? O que podemos fazer? Ah, vamos tocar aquela versão do Grateful Dead'”, conta o ator, aos risos. Caso você não esteja ligando o nome à pessoa, o Grateful Dead era uma banda de rock psicodélico dos anos 1960, um dos maiores expoentes do movimento hippie, muita luz, cor, paz e amor. Ou seja: a pior escolha possível para um palco como aqueles. “O público ficava ‘fodam-se vocês, vocês são uma merda’. E eu lá, com o maior sorriso na cara”.