Kubo e As Cordas Mágicas faz história no já histórico Oscar 2017 | JUDAO.com.br

Além de tentar sair com o prêmio de Melhor Filme Animado neste Oscar 2017, a história do pequeno samurai está na luta como um dos indicados também em Melhores Efeitos Visuais

As indicações ao Oscar deste ano já são históricas pela questão da diversidade: parece que alguém ouviu o recado do #OscarsSoWhite do ano passado e, vejam vocês, temos pela primeira vez na história da premiação TRÊS mulheres negras concorrendo numa mesma categoria: Naomie Harris, Octavia Spencer e Viola Davis como Melhor Atriz Coadjuvante; em Melhor Roteiro Adaptado, também de maneira inédita, Barry Jenkins e Tarell McCraney por Moonlight e August Wilson por Fences, outros três negros.

Só que, se você prestar atenção, bem ali na categoria Melhores Efeitos Visuais, temos um outro acontecimento histórico rolando bem diante dos nossos olhos. Ali, ao lado de Doutor Estranho, Rogue One, Mogli: O Menino Lobo e do drama Horizonte Profundo, está Kubo e As Cordas Mágicas.

Isso mesmo, uma ANIMAÇÃO concorrendo na categoria de efeitos especiais.

Estamos falando aqui do primeiro filme animado a concorrer nesta categoria desde 1993, quando O Estranho Mundo de Jack esteve entre os indicados – mas acabou perdendo, com bastante justiça, para nada menos que Jurassic Park. Mas o ponto que faz desta uma conquista histórica para Kubo, mesmo sem ter ganhado nada ainda, é que o filme concorre TAMBÉM como Melhor Filme Animado. Uma dobradinha que o filme do caveirinha jamais teria conseguido porque, naquele ano, ainda não existia um prêmio dedicado especificamente para os longas de animação.

“Eu tô na lua! Uma indicação já seria um presente extraordinário, mas duas é mais do que qualquer pessoa poderia esperar”, afirmou, em comunicado oficial o CEO da Laika, produtora do filme (e de Coraline e ParaNorman), Travis Knight, que em Kubo marcou a sua estreia como diretor. “Eu sou profundamente grato à Academia, que de alguma forma considerou oportuno incluir a gente entre os melhores contadores de histórias do cinema. É uma tremenda honra estar ao lado deles”.

Kubo é uma animação em stop-motion, aquela com bonecos sendo fotografados quadro a quadro a cada milímetro que são movidos manualmente durante semanas de trabalho para resultar em alguns segundos de filme. Isso você já conhece. Mas o ponto aqui é que a técnica complementa personagens e ambientação reais com efeitos e ampliação dos cenários feitos em CGI, para ajudar a reforçar ainda mais o clima de fantasia e magia do filme. Brilhos, contrastes, rajadas de energia...

Um artigo do IndieWire aposta que uma das razões pelas quais Kubo conseguiu a disputada vaga em uma categoria que premia tradicionalmente filmes não-animados foi ter sido sorteado para ser o último na apresentação final que os dez filmes que estavam na reta final por uma indicação têm a chance de fazer para os membros votantes. No evento que aconteceu no começo deste mês, além de mostrar um vídeo especial no qual explicam os desafios e inovações do trabalho de seu time, como todos os outros fizeram, eles ainda colocaram no bolo as cenas de making of que tradicionalmente acompanham os créditos finais de seus filmes.

Isso e o fato de que o resultado de todo esse trabalho ser simplesmente LINDO.

A história é tocante, toda baseada em elementos da mitologia oriental, mas o visual, uau, é de cair o queixo. Todas as vezes que o menino Kubo usa seus poderes e dá vida às dobraduras que faz com papel, criando histórias de guerreiros lendários e criaturas mágicas, os seus olhos de espectador se enchem e o seu coração de cinéfilo se aquece.

Uma das principais inovações da equipe de efeitos visuais de Kubo foi o desenvolvimento de uma técnica de PROTOTIPAGEM mais ágil para que eles pudessem imprimir complicadas expressões faciais em 3D, fazendo com que seus personagens de stop-motion parecessem mais expressivos do que costuma rolar em produções do tipo. Este novo jeito de trabalhar já garantiu que o time da Laika receba a estatueta dos prêmios técnicos e científicos, entregues durante um jantar que rola duas semanas antes da festança do Oscar. Merecidamente, aliás, porque toda vez que o garoto se entristece, é impossível não ficar com o coração partido graças ao olhar dele.

A assustadora (e estonteante) Fera da Lua cheia de luz que o pequeno aspirante a samurai enfrenta no fim do filme, por exemplo, foi um boneco inteiramente impresso em 3D, usando a criação do departamento de prototipagem. Um bicho com mais de um metro de comprimento e 900 partes individuais, pensa só.

“Kubo é tanto uma homenagem à cultura japonesa e à artistas como Kiyoshi Saito [representante do movimento conhecido como Sōsaku-hanga, que fazia uso de técnicas de impressão com blocos de madeira em suas pinturas] quanto um tributo aos pioneiros dos efeitos especiais como Ray Harryhausen, Willis O’Brien, Jim Danforth e tantos outros artistas inovadores que contavam histórias usando efeitos práticos, bonecos e as mãos humanas”, dizem, em conjunto e no mesmo comunicado, Steve Emerson, Oliver Jones, Brian McLean e Brad Schiff, a equipe responsável pelos efeitos especiais do filme.

“Quando eu era criança, antes dos computadores entrarem nessa jogada, eu via um filme e ficava me perguntando ‘como eles fizeram aquilo?’. Mas assim que a tecnologia entrou na equação, um pouco dessa magia saiu de cena”, diz Emerson, em entrevista ao AWN. “E quando me tornei supervisor de efeitos especiais na Laika, uma coisa importante pra mim foi não perder aquela sensação. Claro que vamos adotar mais tecnologia e integrar mais elementos em CGI aos nossos filmes. Mas faremos isso para dar mais opções aos contadores de histórias”.

Ele revela ainda que um dos maiores desafios que tiveram com Kubo foi a água, que é algo sempre complicado de incluir numa animação stop-motion. “Estamos falando de um oceano imenso, com ondas gigantescas e perigosas, ou então de lagos plácidos com os quais os personagens interagem ativamente. E ainda teria chuva no meio do caminho”. O supervisor conta que, se alguma coisa está no filme de alguma forma, então ela foi primeiramente construída de maneira física. Assim, antes que qualquer elemento ganhe a sua versão digital, caso eles achem necessário, a equipe sentadinha nos computadores vai ver e participar de testes com a equipe de efeitos práticos, com os departamentos de animação, de bonecos e de cenários.

Nesse caso foi usada uma mistura de diferentes tipos de material, que refletisse a visão que veio do departamento de arte, devidamente inspirada nas antigas pinturas japonesas: de sacos de lixo a cortinas de banheiro, passando por uma malha de aço que foi ondulada para criar um clima de oceano. Deste começo até o desenvolvimento de uma versão final, FOTOREALISTA, mas que mantivesse as características destes testes – que todos os cabeças de todas as equipes simplesmente amaram – foram exatos oito meses.

“Estou chocado, mas não porque eu pense que não merecemos, e sim porque trabalhamos de um jeito neste filme que o departamento de efeitos visuais teve que olhar pra tudo de um jeito diferente. Na verdade, a coisa toda é um imenso efeito especial”, brinca Knight. “Se você for olhar lá na AURORA do cinema, o stop-motion foi um dos primeiros efeitos especiais”.

O chefão da Laika não podia estar mais certo: muitos anos antes de existir um reconhecimento formal da Academia para as contribuições técnicas dos efeitos especiais, David O. Selznick, todo-poderoso de produção da RKO, pediu ao conselho de votantes que reconhecesse o trabalho do animador Willis O’Brien em King Kong (1933). O que ele fazia ali, pro imenso macacão se mover? Stop-motion, claro.

As animações no Oscar

O máximo que chegamos perto de um vencedor animado na categoria de efeitos especiais foi com Mary Poppins (1964), Se Minha Cama Voasse (1971) e Uma Cilada para Roger Rabbit (1988). E, mesmo assim, né, estamos falando de filmes live-action que se misturam com animação. No entanto, Roger Rabbit talvez seja considerado o que mais se aproximou da vitória dupla porque, além de sair com o prêmio de efeitos visuais, também foi LAUREADO com o Oscar de Special Achievement Award por seu trabalho em animação — a categoria de Melhor Filme Animado só foi aparecer em 2002, com Shrek sendo o primeiro vencedor, e a Academia, quando achava que fazia sentido, tirava da manga este Oscar honorário que não se encaixava em qualquer outro lugar.

Em 1991, A Bela e a Fera foi o primeiro filme animado a ser indicado como Melhor Filme e, nos anos 2000, já na época em que podiam ser indicados até dez filmes como o melhor do ano, Up (2009) e Toy Story 3 (2010) estiveram por lá, ao mesmo tempo em que disputavam como longa-metragem de animação.

Há quem diga que, do lado dos efeitos especiais e concorrendo com blockbusters como Rogue One e Mogli, o simpático Kubo tem poucas chances de levar o #OSCARALHO pra casa nesta categoria. Já na luta pelo prêmio de melhor animação, quem está na parada são dois grandalhões de responsa da casa do Mickey, Zootopia e Moana, com Minha Vida de Abobrinha (filme suíço, também em stop-motion, que concorreu ao Globo de Ouro) e A Tartaruga Vermelha (sem falas, co-produção francesa com o Studio Ghibli) correndo por fora.

Travis Knight no set de Kubo

Apesar de achar que Kubo tem qualidades suficientes para buscar qualquer um dos dois prêmios com tranquilidade, dá para dizer, fazendo uso do clichê máximo, que só estas duas indicações já são mesmo uma puta vitória pros caras. Mas o mais legal aqui, como faixa-bônus desta história, é sacar que as revoluções de Kubo não acabam por aí.

Afinal, os figurinos do filme receberam uma indicação para o Costume Designers Guild Award, prêmio do sindicato dos figurinistas de Hollywood, na categoria “fantasia”. É a primeira vez que uma animação é lembrada pela premiação, em quase 20 anos de história. “Criar roupas para animação é um mundo único e maravilhoso de milagres de têxteis e engenharia em pequena escala”, diz a figurinista do filme, Deborah Cook, em entrevista ao AWN. “Cada traje é projetado a partir do zero e tem um conjunto muito específico de desafios. Como com todas as histórias, o traje é uma oportunidade para dar credibilidade, valor e profundidade aos nossos heróis e vilões, famílias e seres místicos. Ele dá ressonância aos nossos personagens”.

Certeza que um certo besouro e uma certa macaca ficariam bastante orgulhosos de seu jovem aprendiz... ;)