Muito antes do igualmente criticado St. Anger, o quarteto foi lá, quis fazer diferente, e até hoje leva injustas pedradas por causa disso
Quando o AC/DC nos disse que é um longo caminho até o topo se você quer ser Rock ‘n’ Roll, eles já tinham deixado bem claro como a estrada é cheia de buracos, muito difícil de ser ultrapassada e que você pode ser derrubado a qualquer momento. E poucos conhecem esta experiência como o Metallica.
James Hetfield, Lars Ulrich e Kirk Hammett não chegaram ao topo do heavy metal por acaso. Encararam de perto todos os percalços e tempestades, todos os acidentes, polêmicas e incertezas, todo o suor, álcool, drogas e lágrimas por mais de três décadas em um trajeto no qual poucos sobreviveram. Todas as controvérsias não apenas não foram suficientes para enterrá-los, como com certeza colocaram-nos onde estão hoje.
Load, que completou 20 anos no último dia 04, não é apenas mais um dos inúmeros pontos de discordância da carreira da banda, mas sim um álbum que pode ser considerado um momento chave em toda a sua história.
Olhando em retrospecto, talvez seja difícil imaginar o impacto que Until It Sleeps, o primeiro single, tenha causado ao ser divulgado. Não estamos falando de uma época em que o artista posta atualizações constantes sobre a gravação do novo trabalho a cada meia hora no Snapchat, trechos de uma música no Vine ou põe lá o single para download imediato no iTunes. Os fãs esperavam há anos pelo sucessor do Black Album, ainda com desconfiança depois da relativa mudança de sonoridade e do tom sombrio, deixando o thrash metal mais tradicional de lado. Uma música que esbarra perigosamente no sentimento e na simplicidade grunge talvez tenha sido o suficiente para arrancar algumas expressões de BAIXO CALÃO dos mais tradicionalistas.
As mudanças não ficam apenas nas primeiras impressões. O logo mudou, a capa trouxe a abstrata arte de Semen and Blood III de Andres Serrano e (por mais bizarro que possa parecer), um dos principais motivos de revolta dos fãs, os integrantes da banda de cabelo curto, com maquiagem e camisas estampadas, bem longe dos penteados sujos e das jaquetas jeans patcheadas de outrora. Esses fatores talvez contribuam ainda mais para o nariz torcido injustamente com o álbum.
Load é uma mudança muito brusca na sonoridade do Metallica? Sim, de fato. Mas, parando para pensar, o processo faz sentido como um todo. A crueza e urgência do Kill’em All amadureceram e tornaram-se amplas em Ride the Lightning, o primeiro passo antes da ambição harmônica de Master of Puppets e dos elementos progressivos e técnicos em ...And Justice for All, até a reversão para a simplicidade soturna do autointitulado álbum de capa preta e o sucesso comercial que os levou em definitivo para a história da música mainstream. Um novo universo de possibilidades se abre e a banda decidiu explorá-lo sem medo.
As influências do heavy metal tradicional que os guiaram desde o início foram deixadas de lado por algo muito mais... americano: os riffs velozes abrem espaço para o hard rock, enquanto os temas clássicos são substituídos pelo blues e pelo country, uma combinação que permitiu ainda a inserção de elementos de stoner, alternative rock, gothic e grunge de forma perceptível, criando uma atmosfera melancólica que reflete coerentemente o teor lírico do disco (estas influências ficariam ainda mais claras com o lançamento do Garage Inc., dois anos depois).
Estas letras, antes focadas em questões sócio-políticas e histórias de terror, também amadureceram enquanto os próprios músicos iam envelhecendo, passando da fase de juvenis revoltados para tópicos que tratam muito mais de questões internas e pessoais, em especial graças à forma de escrever de Hetfield, que deu um passo gigantesco desde o trabalho anterior.
Essa exploração musical, herança direta da filosofia de Cliff Burton, simplesmente expandiu a níveis megalomaníacos, com a criatividade da banda sendo um reflexo da ambição ao vislumbrarem o topo do mundo ao mesmo tempo em que as primeiras rachaduras internas tornavam-se visíveis.
As conseqüências vieram, claro. Acusações de terem se vendido para a indústria (outra alegação sem o menor sentido), de “não pertencerem mais ao metal” e todos os outros discursos repetitivos dos mais exaltados, mesmo com as vendas em níveis estratosféricos não deixaram o Metallica passar ileso, que acertou em não limitar a sua sonoridade e arriscar trilhar caminhos que muitos de sua geração jamais ousaram. Talvez isso explique como recentemente parece haver um consenso de que definitivamente há algo de muito interessante e intrigante perdido naquelas 14 faixas. E de fato tem.
Seja o blues rock e a cadência de Ain’t My Bitch ou The House Jack Built, o passeio pelas margens da lisergia em Poor Twisted Me e The Outlaw Torn ou a ressaca bucólica de Bleeding Me e Mama Said, os 79 minutos de Load representam na essência uma banda em momento de reflexão, buscando novos territórios incansavelmente, assumindo todos os riscos em uma atitude saudável para manter-se criativamente ativa na realidade de sua época. O Metallica de fato sempre foi um produto da sua própria existência, para o bem ou para o mal.
E como bem definiu o Lars Ulrich na época do lançamento: “Esse álbum e o que estamos fazendo com ele é, pra mim, o que o Metallica representa de verdade: explorar coisas diferentes. A partir do momento em que você deixa de tentar coisas novas, então é melhor você sentar e morrer”. Se esse espírito permanece, é bom lembrar que eles estão em vias de lançar o seu novo trabalho, sucessor de Death Magnetic, e mal podemos esperar pra ver como eles podem tumultuar dessa vez.
Mas enquanto isso... Que tal dar mais uma chance ao Load?
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