Episódio-piloto da nova série da Fox não funciona como adaptação dos gibis da DC/Vertigo, mas é um bom começo para um seriado policial com humor
Da mesma forma que aconteceu em 2014 com os pilotos de Constantine e Flash, o primeiro episódio de Lucifer vazou nas interwebs ainda na metade do ano passado, junto com Minority Report e Blindspot. Quase seis meses depois, um monte de gente já tinha até esquecido que o negócio existia, e finalmente rolou a estreia oficial da série nesta segunda-feira (25).
Surgido originalmente no gibi do Sandman, em 1989, o Lucifer criado por Neil Gaiman foi inspirado na visão do BILTRE de John Milton, o poeta medieval que escreveu Paraíso Perdido. Mas... bom, não é exatamente este o Satã que você vai ver na série de TV, apesar dos logos da Vertigo e DC rolando nos créditos.
É assim: vocês se lembram daquele filme do Constantine, estrelado pelo Keanu Reeves? Pois é. O quanto ele era, de fato, fiel aos quadrinhos? Muito pouco, quase nada, né? No entanto, deixando o aspecto “adaptação dos gibis” de lado e pensando naquele Constantine apenas como “um filme sobre um mago calhorda”, bom, a parada até que era bem divertida. A canastrice do Mr. Reeves só contribuía para deixar tudo ainda mais legal. :D
Então, é EXATAMENTE isso que acontece com Lucifer. Esqueçam os gibis. Sério. Se vocês quiserem realmente tentar dar uma chance para a série, pensem nela como sendo “aquela série sobre o MAFARRICO que veio tirar umas férias na Terra”. Ponto. Deixem o fã de quadrinhos trancado no quarto um pouquinho e curtam a história apenas e tão somente como fãs de seriados. Vai valer a pena.
No que a série se parece com o gibi, em especial com a fase solo escrita por Mike Carey pré-Novos 52? Lucifer Morningstar, o monarca do Inferno, se cansou do trabalho de cuidar da dimensão demoníaca. Largou tudo e foi pra Los Angeles (doce ironia), onde agora curte uma existência hedonista como dono de um bar da moda chamado Lux. Ao seu lado está Maze – Mazikeen, uma Lilim, raça derivada da Lilith em pessoa; e em seus calcanhares, o violento arcanjo Amenadiel, que o odeia mas exige que ele retorne às suas funções como forma de restabelecer o equilíbrio divino. Ah, claro: Lucifer também segue um rigído código de cavalheiros – “my word is bond”.
De resto, bom, a série toma suas próprias liberdades a partir daí. ;)
Um canalha manipulador cheio de estilo e com um sexy sotaque britânico, Lucifer circula com bastante habilidade na indústria do entretenimento. É amigo de cantores, produtores, diretores, atores e a galera toda que frequenta seu POINT, seduzindo quem bem entende. Adora usar suas habilidades telepáticas para fazer as pessoas confessarem seus desejos mais sombrios, arrancando gargalhadas e expondo vergonhas a seu bel prazer. Dono de uma franqueza ÍMPAR, sai por aí dizendo sem muita preocupação que é imortal, que é filho de Deus. Muita gente acha que é só mais uma das peculiaridades de um ricaço excêntrico.
Lúcifer é uma série policial, procedural
Só que aí, certo dia, alguém mata uma cantora pop a quem Lucifer, ora vejam vocês, se AFEIÇOOU. Uma jovem que ele ajudou a encontrar o talento e a própria autoestima. E o JURUPARI resolve encontrar o assassino por conta própria, para fazê-lo sofrer, aquela coisa de justiça com as próprias mãos. “É uma pena que eu não esteja mais no inferno, viu?”. Mas aí seu caminho se cruza com a da policial Chloe Dancer, uma detetive que cometeu um erro no departamento e agora vive lutando para tentar recuperar a credibilidade. E o manipulador supremo descobre que seus poderes não funcionam com ela. O resultado? Além de gostar de brincar de combatente do crime, ele se sente atraído por Chloe justamente porque ela é um mistério que Lucifer não consegue desvendar.
E está montada uma nova dupla para desvendar os casos mais escabrosos do submundo dos ricos e famosos de LA. Pois é: Lucifer é uma série procedural. É, policial, de investigação mesmo. Mas daquele tipo que tem bastante humor envolvido. Eu sei que este é o momento em que os fãs do gibi original se rasgam e têm vontade gritar mas, né. Paciência. ¯\_(ツ)_/¯
Sabe o que Lucifer lembra de imediato? As primeiras temporadas de The Mentalist. A interpretação de Tom Ellis tem muito do Patrick Jane de Simon Baker. Só que, ao invés da sombra do Red John, o que paira sobre Lucifer é nada menos do que a vigilância de seu papai celestial. E, por motivos óbvios, Lucifer é menos fofo e mais escroto do que Patrick mas, definitivamente, não menos carismático e cativante.
Ellis é, com certeza absoluta, a melhor coisa do piloto. Com diálogos rápidos e inteligentes e um olhar desconcertantemente cínico, ele é como uma criança curiosa e um tanto sádica que olha para este estranho mundo dos humanos e conduz nas costas uma trama que segue de maneira surpreendentemente leve e gostosa, despretensiosa o suficiente para você pensar “olha, eu até que veria mais um episódio deste negócio aí, viu?”.
Aparentemente, a Fox também não deu lá muita importância para as manifestações de grupos religiosos americanos que disseram que um seriado com Lucifer como protagonista estaria “glorificando o mal”.
Em entrevista ao site Newsmax, Ed Vitagliano, presidente executivo da American Family Association, diz que o personagem é retratado como fantasia, mas é melhor que se acredite que ele é bem real. “Em uma cultura que está enfrentando problemas crescentes em diferenciar o bem e o mal, eles tratam o poder do mal como ao que tem que ser encarado de maneira tão leve”. Já a associação conhecida como One Million Moms lançou um abaixo-assinado para impedir que a série fosse exibida, dizendo que “a Fox vai desrespeitar o cristianismo e tripudiar da Bíblia se escolher seguir em frente com isso”.
Mas olha, se esta galera visse a cena na qual Lucifer encontra a pequena filhota de Chloe na escola e ensina a garotinha como lidar com valentões, certeza que ia dizer “mas este Satanás não é mesmo um amor, afinal de contas?”. ;)