Mais um filme com cachorro pra te fazer chorar chegou aos cinemas (e eles não vão parar) | JUDAO.com.br

Por qual motivo, razão ou circunstância a gente continua assistindo a esses filmes se sabemos que, em algum momento, vamos sofrer e chorar?

Existe uma grande chance de você já ter se emocionado assistindo a algum filme envolvendo cachorro. Seja vendo um golden retriever ganhando um campeonato de basquete, um São Bernardo sujando a casa toda, a vida de um labrador ao lado da sua família, um akita que até o último dos seus dias aguardou o retorno do seu dono, a impressão é de que esses filmes são feitos com a intenção de te arrancar lágrimas.

Tudo começou em 1957 com Meu Melhor Amigo Companheiro, drama de aventura da Disney que acompanha a amizade entre um garoto e seu cachorro. Esse acabou sendo o padrão para esse tipo de história com o foco no público infantil e as tradicionais produções para toda a família.

Mas foi na década de 1990 que existiu uma enxurrada de produções focadas em cachorros feitas especialmente para esse público mais jovem. Geralmente sobre a relação de uma criança ou um adolescente com seu amado melhor amigo canino, os filmes fizeram muito sucesso e ganharam uma quantidade considerável de sequências. Quem não lembra do Bud, o cão esportista da franquia Air Bud? Lançado em 1997, Bud: O Cão Amigo ganhou dez (DEZ) sequências com histórias do próprio Bud praticando diferentes esportes, além de aventuras com seus filhos depois que aposentaram o pobre animal.

Em algum momento, o foco desses filmes começou a mudar e as histórias se tornaram mais dramáticas. A partir daí, surgiram filmes sobre cachorros criando laços duradouros com seus donos, a maioria homens — o que, segundo Jill Abramson, ex-editora executiva do The New York Times e autora do livro The Puppy Diaries: Raising A Dog Named Scout, pode ser explicado pelo fato de que “se uma mulher for louca por seu animal de estimação, ela é vista como solitária ou tentando substituir um bebê ou um marido”.

Por exemplo, Marley e Eu (2008), Sempre ao Seu Lado (2009), A Caminho de Casa (2009) e Quatro Vidas de um Cachorro (2017) são filmes que contam as histórias de homens e seus incomparáveis companheiros. Esse ano ainda tivemos uma sequência direta de Quatro Vidas de um Cachorro intitulada Juntos para Sempre, que junta o crescimento de uma pequena garota e um cachorro que constantemente reencarna para encontrá-la — em outras palavras, um filme em que vários cachorros morrem.

O efeito Adam Sandler

Se todas as histórias mais recentes envolvendo cachorros seguem o mesmo caminho narrativo da lealdade entre humanos e cães, que dificilmente tem um “final feliz”, por que a gente continua assistindo a esses filmes se sabemos que, em algum momento, vamos sofrer e chorar?

Temos duas respostas, aqui.

Em 2013, a Northeastern University mapeou a reação de 240 estudantes universitários que receberam aleatoriamente uma de quatro reportagens fictícias idênticas sobre o espancamento de uma criança de 1 ano de idade, um adulto na casa dos 30 anos, um filhote de cachorro e um cachorro de seis anos de idade. Depois de ler sobre a história, os pesquisadores pediram para os entrevistados classificarem seus sentimentos de empatia em relação à vítima.

O estudo concluiu que as pessoas tinham mais empatia pelos cachorros do que por adultos, com uma diferença estatística não significativa entre filhotes de cachorro e crianças. Jack Levin, professor de Sociologia e Criminologia da universidade, afirmou que o estudo comprova que as pessoas veem cachorros de qualquer idade como dependentes e vulneráveis, assim como uma criança.

A partir desse estudo, não é difícil enxergar o apelo de um filme sobre um animal de estimação com a inteligência de um humano, mas a inocência e a lealdade de uma criança. Os produtores sabem exatamente o que é preciso para nos emocionar — essas histórias nos lembram das nossas experiências com nossos próprios animais de estimação e nos relacionarmos com o drama em tela é o caminho mais curto para o nosso coração.

O que temos, então, é o efeito Adam Sandler: são filmes relativamente baratos de serem produzidos, que podem nem sequer ser lançados no cinema, mas que invariavelmente serão assistidos e comentados e compartilhados, por pior que sejam. É a base da lógica capitalista: o dinheiro que entra será infinitamente maior que o que será gasto. Pronto. O sucesso é garantido, independente de qualidade. :)

A arte de pilotar na chuva

Meu Amigo Enzo, o último filme dessa categoria, “dos produtores de Marley & Eu” chegou aos cinemas do Brasil há algumas semanas com uma história contada, dessa vez, pelo ponto de vista do próprio cachorro — “conheça o cachorro que vai mostrar ao mundo como ser humano” é o que tá na tagline do pôster internacional, abaixo do título “The Art of Racing in the Rain”. O filme não foge muito das outras histórias sobre cachorros, mas focar no desejo do animal de realizar o sonho de se tornar um piloto de corrida como seu dono, acaba sendo um diferencial.

O ponto é que o filme tenta, ativamente, arrancar lágrimas do espectador, seja pela iminente morte do cachorro – e não, isso não é um spoiler, está no trailer – ou pela quantidade de tragédias na vida de Denny (vivido por Milo Ventimiglia). Então, se a narrativa do próprio cachorro não te fizer chorar, o drama do seu dono provavelmente vai. Isso acaba tirando o foco de Enzo em diversos momentos, fazendo com que ele se torne apenas um contador presente nessa história profundamente melodramática.

Meu Amigo Enzo estreou em 3o lugar no Brasil, atrás apenas de O Rei Leão e Velozes e Furiosos: Hobbs & Shaw. Nos EUA não fez muito sucesso, mas é realmente fácil encontrar pessoas comentando o que sentiram assistindo ao filme por aí... muito mais do que gente comentando o filme em si.

E é assim que filmes com e sobre cachorros continuarão sendo feitos, por mais que nos machuque profundamente. ¯\_(ツ)_/¯