Apesar de irregular, novo disco de Drake é bom e chega arregaçando nos serviços de streaming | JUDAO.com.br

Lançado na última sexta, álbum duplo da máquina canadense de fazer hits quebra tudo tanto no Spotify quanto na Apple Music, provando que, chame você de rap, R&B ou pop, o fato é que existe muito mais por trás do meme

Quando fizemos a primeira edição 2018 com a famigerada Pauta Livre no ASTERISCO, montei uma playlist menos temática que de costume, com os top 20 da parada daquela semana na Billboard. E confesso que rolou uma surpresa porque o líder da lista, o cantor canadense Aubrey Drake Graham, que atende apenas por Drake, não apenas tinha três canções entre as 20 mais ouvidas como outras três eram faixas nas quais ele fazia participações especiais. E detalhe: ele nem tinha lançado seu novo disco ainda!

Na última sexta-feira (29/5), ENFIM, o quinto disco de estúdio do músico, Scorpion, aterrissou nas lojas que ainda existem e também nos serviços de streaming com a difícil missão de superar seu antecessor, Views (2016), aquele que trazia o hit supremo Hotline Bling, que vendeu mais de 1,5 milhão de cópias físicas e foi o primeiro a ultrapassar 1 bilhão de streams na Apple Music. Bom, a gente sabe que Beyoncé e Jay-Z são, de fato, a atual realeza da música pop. Não tem pra ninguém. Mas ali, na linha de frente, não tem operário-padrão mais eficiente do que o Drake. Não tem guerreiro que derrube mais inimigos na frente do castelo e seja mais efetivo na conquista de novos territórios.

Drake é, principalmente, bom de números: se, na própria sexta, a RIAA (Recording Industry Association of America), principal organização da indústria fonográfica dos EUA, deu a ele o título de maior artista certificado em termos de singles digitais, com 142 milhões de vendas até o momento, as notícias só melhorariam depois.

Na Apple Music, que já é sua parceira de longa data, Scorpion virou o disco número 1 das paradas em 92 países quase que instantaneamente — e suas vinte e cinco músicas ocupavam exatamente os primeiros 25 lugares da parada total (a canção de número 26 era SAD!, do rapper XXXTentacion, assassinado recentemente). Além disso, o disco também quebrou o recorde da maior quantidade de streams em um único dia, com mais de 170 milhões — o recorde anterior também era dele, já que sua mixtape More Life, do ano passado, tinha conseguido a marca de 89,9 milhões de streams no primeiro dia de lançamento.

Mas o grande pulo do gato foi mesmo no Spotify, muito pela atuação dos três selos musicais envolvidos no lançamento do álbum, em uma campanha agressiva pra fazer a cara do Drake aparecer em tudo quanto é playlist das mais acessadas ao longo do dia, incluindo RapCaviar e Today’s Top Hits — e até algumas nas quais nem tinha música dele envolvida.

Bom, 16 horas depois do lançamento, Scorpion teve uma média de 10 milhões de streams por hora na plataforma. 24 horas depois, de acordo com o site especializado Spotify Charts, a bolacha chegou aos quase 133 Milhões de audições — sendo que a principal faixa, Nonstop, sozinha, representou 9 Milhões dentro deste número (superando a performance de Look What You Made Me Do, da Taylor Swift). No total do disco, a marca representa um número 50 milhões de streams maior do que o do recordista anterior em termos de performance no dia de lançamento, Post Malone, com Beerbongs & Bentleys, que chegou às lojas e aos serviços de streaming em 27 de abril deste ano fazendo cerca de 78 Milhões de streams.

Se continuar neste ritmo, especialistas arriscam que Scorpion pode ser o primeiro no serviço a ultrapassar a marca de 1 bilhão de streams nos EUA ainda na primeira semana de lançamento. O canal oficial do músico canadense dentro do Spotify, com cerca de 51 milhões de seguidores, agora já tem oficialmente mais ouvintes mensais do que o do líder anterior, o colombiano J Balvin.

A recepção de Scorpion chega num momento ideal para o Drake, ajudando-o a colocar a sua posição de superstar musical global em perspectiva novamente. Afinal, o cara vinha encarando uma turbulência enorme desde que seu rival declarado, Pusha T, lançou este ano o álbum Daytona — que amplifica as cutucadas que um vinha fazendo ao outro pelo menos desde 2011, quando Drake foi fazer parte do selo de Lil Wayne, inimigo declarado de Pusha. Em seu disco, além de dar nome aos bois nas acusações de que as canções de Drake seriam compostas por um “escritor-fantasma” (no caso, Quentin Miller, conhecido por seu trabalho com o grupo WDNG Crshrs), Pusha vai ainda mais longe e, na faixa The Story of Adinon, mete o dedo na ferida e acusa o desafeto de esconder um filho, fruto de um relacionamento com a atriz pornô Sophie Brussaux. E mais: diz que a bombástica revelação de que o garoto existe estaria sendo “segurada” para uma campanha da Adidas...

As coisas não tavam lá muito fáceis pro Drake — e aí, o que foi que ele fez? Tal qual um escorpião, não se escondeu, não fez o bom moço, foi lá e abriu o coração, dando aquela CUTUCADA venenosa. Ou quase isso.

“Look at the way we live / I wasn’t hiding my kid from the world / I was hiding the world from my kid”, canta ele em Emotionless, talvez a mais direta das muitas canções que de alguma forma abordam o tema da paternidade no disco, praticamente sangrando enquanto sampleia Emotions, da Mariah Carey. Já em March 14, que encerra o disco, ele admite a verdade enquanto faz seu flow em uma batida minimalista, que se encerra com um trecho de uma antiga canção do Boyz II Men, Khalil, cuja letra diz: “I’m changing from boy to a man / No one to guide me, I’m all alone / No one to cry on / I need shelter from the rain”. É o mesmo Drake que, na sufocante e acelerada Can’t Take a Joke, simples e direta ao ponto, também diz que está sozinho, na estrada, relembrando que foi chutado quando estava pra baixo — e que em certo momento admite: ele também lê a área de comentários. E fica puto. E fica triste.

Ao se abrir deste jeito, ao mostrar um lado bem mais merda da sua vida, o garotão charmoso de sorriso largo, o good boy do rap, tá tentando retomar o controle da narrativa sobre ele mesmo. Lembra um pouco o que a própria Taylor Swift tentou com seu recente Reputation. Se ele conseguiu? Se usar o filho pra tentar encerrar de vez uma discussão é melhor ou pior do que usar o garoto pra vender tênis ou agasalhos? Bom, só o tempo será capaz de dizer.

Musicalmente, o resultado final de Scorpion é, de fato, bom. Mas irregular. Em termos sonoros, assim como o anterior, não estamos falando de um disco de rap ou, bem, APENAS de rap. Tem também soul, aquele R&B clássico dos anos 90, um quê de eletrônico-dançante... É bem variado, uma verdadeira colcha de retalhos musical que, com uma produção de primeiríssima pra amarrar, funciona bem como boa pérola de música pop e ponto. Isso não chega a ser ruim. E nem chega, na verdade, a ser tão POP, aquela coisa dancehall/afrobeats, quanto foram Views e More Life. Talvez este seja um Drake lidando com as referências de seu próprio passado.

O grande lance é que talvez tenha faltado um pouquinho de edição aqui. Originalmente anunciado como dois discos diferentes, um de rap e um de R&B, Scorpion acabou saindo como uma coisa só, 25 canções, cerca de 1h30 de audição... Um tanto longo demais. Tem grandes pérolas, momentos incríveis, que funcionam bem demais. Mas outros absolutamente desnecessários, óbvios, genéricos, padrão, que facilmente poderiam ter ficado no chão da sala do editor, usando o jargão cinematográfico. Faltou alguém dizendo: “chega, até aqui tá bom”. Quando funciona, funciona MESMO. Mas quando sobra, sobra até encher um pouco o saco.

Existe espaço para as muitas texturas sombrias de Jaded, com participação de Ty Dolla $ign, que consegue ser tão sinistra quanto That’s How You Feel, com a voz de Nicki Minaj. Impossível não ficar arrepiado com Don’t Matter to Me, que numa batida eletrônica quase hipnotizante traz um trecho cantado ainda inédito de Michael Jackson, de uma canção nunca antes lançada, o que causa uma estranheza delirante. Assim como é complicadíssimo evitar o efeito que causa o exercício minimalista de Summer Games, com uma única nota batucada tribal que vai crescendo e ganhando corpo conforme a letra vai evoluindo, ou mesmo dos antigos samples soul e do órgão meio gospel tocando em Sandra’s Rose, produzida pelo DJ Premier.

Mas entre o lado A mais durão, ácido, seco, mais rap tradicional, e o lado B, um R&B mais sombrio, enevoado, talvez meio atmosférico, tinha espaço pra passar a tesoura e cortar, sem exagero, na metade de tanta coisa. Mob Ties, um Drake putaço metralhando aqueles que o traíram ao longo dos anos e meio que exaltando alguns laços criminosos, tem espaço ainda pra reforçar o estereótipo babaca da bitch como acessório. Corta, porra. O mesmo vale pra I’m Upset, talvez das piores composições de sua carreira, lançada em maio como uma espécie de resposta pra Pusha, que manda uns versos assim, se liga: “Can’t go fifty-fifty with no ho / Every month, I’m supposed to pay her bills / And get her what she want / I still got like seven years of doin’ what I want / My dad still got child support from 1991”.

Pra um cara que diz que tá crescendo, amadurecendo e vai assumir seu papel como pai, pra um cara que assinou um vídeo tão emocionante e intenso quanto este de God’s Plan, digamos que tava na hora de deixar este tipo de discurso merda pra trás, né? Dá pra ir buscar as suas raízes e respeitá-las sem necessariamente ter que beber o pior delas.