Em seu álbum de estreia, o ator que virou meme muitos anos atrás assume o piano de uma banda que faz do jeito que ele mais gosta — ao vivo e cheio de pequenos improvisos
Quando a gente falou aqui, recentemente, sobre o Ben Stiller retomar a carreira musical da época da adolescência com sua antiga banda, também relembramos que uma série de outros atores/atrizes hollywoodianos têm lá os seus projetos musicais bem estabelecidos fora das telonas. Um deles, que vem tocando recorrentemente no circuito de bares de Los Angeles e Nova York desde a década de 90, no entanto, esquecemos de mencionar: trata-se do cultuado Jeff Goldblum, uma das figuras mais maravilhosas que o cinemão americano já nos proporcionou, patrimônio da Sétima Arte.
O mais engraçado aqui é que, ao lado de seus parceiros da The Mildred Snitzer Orchestra, Goldblum não entra nesta pegada rockstar — esqueça o visual macho alfa do teórico do caos Ian Malcolm, que daria a entender provavelmente uma banda punk clássica inglesa. Goldblum é, isso sim, pianista. E de jazz.
Mas não aquele jazz quase progressivo, virtuoso, que a gente vê sangrando os dedos dos músicos como o professor Terence Fletcher em Whiplash. O jazz que Jeff faz, o jazz que chamou a atenção do selo de clássicos Decca (Universal) para que ele enfim gravasse seu álbum de estreia, é um jazz como é o próprio Jeff Goldblum. Um jazz classudo, bem-humorado, sorridente, cheio de graça, de estilo, de sofisticação. Cool. E sexy pra caralho.
“Até onde eu sei, todos amam Jeff Goldblum. Ele é um fantástico pianista de jazz, um grande líder de banda e um dos sujeitos mais amáveis do mundo. O amor dele pelo jazz chega a ser infeccioso e onde quer que ele toque, ele faz você se sentir feliz. Se pudermos levar a música de Jeff para as casas das pessoas, então estaremos ajudando, da nossa maneira pequena e sutil, a tornar o mundo um lugar mais feliz”. A descrição feita por Tom Lewis, diretor artístico da Decca, no comunicado oficial, é perfeita.
Porque é justamente isso que acontece quando você termina de ouvir o delicioso The Capitol Studios Sessions: você sorri. É praticamente impossível não entrar no clima, não querer dançar ou, no mínimo, estalar os dedinhos.
“Clima”, por sinal, é justamente a palavra-chave deste álbum — que, pra tentar EMULAR o jeitão das populares apresentações da banda num lugar intimista como o Rockwell Table & Stage, onde eles costumavam se apresentar quase que semanalmente em LA, acabou sendo gravado meio que ao vivo.
Eles juntaram os estúdios A e B do lendário Capitol Studios, que já tem uma seleção bastante conhecida de materiais de gravação vintage / analógicos, chamaram uma galera pra servir de plateia e recriaram um jeitão de clube noturno.
Ao escutar a introdução, Cantaloupe Island (de Herbie Hancock), e a vibrante Don’t Mess With Mister T (título maravilhoso, cortesia de Marvin Gaye) que vem na sequência, ambas apenas instrumentais, te fazem fechar os olhos e se sentir meio que anos 50, de smoking ou com um vestido longo lindo e com luvas até os cotovelos, à meia-luz, fumaça no ar, todo mundo chique pra diabo, talvez um filme clássico de James Bond, talvez um filme de detetive noir em preto e branco.
Tamos falando basicamente de um álbum de reinterpretações de standards do jazz, o nome que se dá à canções do gênero que se tornam tão amplamente difundidas que acabam sendo integradas ao repertório base de uma série de jazzistas.
Além da participação do trompetista alemão Till Brönner, que justamente por seu flerte muito maior com o chamado jazz fusion (que combina a harmonia e a improvisação do jazz com elementos do rock, do funk e do R&B) traz um sabor diferente e mais contemporâneo ao som, Jeff conta com uma trinca maravilhosa de vozes femininas que enchem as canções de novas camadas. E é aí que tá uma parte da graça do negócio.
A começar pela jovem Haley Reinhart, que fez sucesso na décima temporada do American Idol e aqui, ao lado de uma levada doce do piano de Jeff e principalmente do sax num solo que é impossível ignorar, cria uma versão sedutora e provocante, mas sem exageros e na medida certa, para My Baby Just Cares for Me. É, aquela canção que já teve uma versão icônica com Nina Simone nos vocais, mas que também chegou a ser cantada por nomes tão diferentes quanto Frank Sinatra, George Michael e Cyndi Lauper.
E o final da música ainda tem espaço para uma pequena improvisação humorística entre ela e o dono do espetáculo, o que é de longe a cereja do bolo do disco como um todo. Toda vez que ele assume o microfone para fazer algum tipo de provocação, é Jeff Goldblum na sua melhor performance de Jeff Goldblum, um personagem de si mesmo que a gente aprendeu a amar.
O que dizer então da irlandesa Imelda May, que com seu vozeirão preenche todos os espaços do palco e entrega interpretações cheias de alma e com um tempero quase rock n’ roll, numa pegada que chega a lembrar Amy Winehouse, tanto para a alegrinha Straighten Up and Fly Right (Nat King Cole) quanto pra balada rasgada e BEM intimista This Bitter Earth (Clyde Otis)? E ela ainda consegue aplicar a medida certa de sussurros na sensual Come On-a-My House, hit na voz da atriz e cantora Rosemary Clooney, encaixando direitinho nas teclas do piano do Jeff — cujas caretas ao “dialogar” com a letra enquanto dá pra imaginar sem muito esforço.
Outro momento brilhante é quando temos a inesperada participação da comediante americana Sarah Silverman. Depois de uma introdução cheia de provocações entre os dois, eis que eles fazem um dueto na icônica Me and My Shadow, na versão que ficou popular entre Frank Sinatra e Sammy Davis Jr. Ah, pois é, além de Sarah cantar, neste momento Jeff TAMBÉM canta, com aquela voz que era impossível imaginar que não fosse uma delícia de ouvir, afinada e cheia de groove.
No finalzinho, eles mudam completamente a letra e, além de colocarem o time de futebol americano Redskins, Michael Corleone, Jurassic Park (claro!), o aquecimento global e Al Gore na jogada, ainda comparam o som do trompete de Brönner a “cortar manteiga com uma faca quente”. E Jeff ainda dá a dica culinária da vez: “eu deixo a minha manteiga pra fora da geladeira durante a noite para que esteja mais macia no dia seguinte”.
De qualquer forma, bom, este não é um disco de piadas, que só existe pelo humor de Jeff Goldbum. A banda foi chamada pela gravadora por um ótimo motivo — e é em momentos como Nostalgia in Times Square (Charles Mingus), It Never Entered My Mind (Richard Rodgers & Lorenz Hart) e I Wish I Knew (Billy Taylor) que a gente percebe o que o grande figurão da Decca quis dizer, lá em cima, com “fantástico pianista de jazz e um grande líder de banda”.
Nestas três faixas, temos a banda sozinha no palco, sem voz, Jeff brilhando, quebrando tudo e provando que este deve ser um DAQUELES shows que se PRECISA ver ao vivo para entender completamente qualé a pegada.
Por muito mais discos de Jeff Goldblum.
Por muito mais shows de Jeff Goldblum.
Por uma turnê mundial de Jeff Goldblum.
No fim, talvez seja esta mesmo a chave para a paz mundial.
Ou, quem sabe, para tornar MESMO o mundo um lugar UM POUQUINHO mais feliz.
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