O trágico destino do Quarteto Fantástico | JUDAO.com.br

No meio de tantos boatos, frituras e refilmagens, o reboot da franquia teve uma trajetória difícil nos bastidores, o que pode explicar o resultado horrendo que fez até mesmo o diretor, Josh Trank, a partir contra o filme

O reboot do Quarteto Fantástico já está em cartaz em (quase) todo o mundo. Com apenas US$ 26,2 milhões de bilheteria nos EUA, US$ 60,3 milhões em todo o mundo, essa é, pra você ter uma ideia, a mais fraca estreia de um filme baseado em personagens da Marvel desde Motoqueiro Fantasma: O Espírito da Vingança, que faturou US$ 22,1 milhões nos EUA no primeiro fim de semana. Até mesmo Besouro Verde, baseado no personagem originalmente do rádio, faturou US$ 33,5 milhões nos primeiros dias em cartaz na Terra do Tio Sam.

É claro que as críticas negativas ajudaram nesse número, mas é óbvio também que algo aconteceu durante a produção, chegando num resultado final que está longe de ser o filme que tinha potencial pra ser. Muito mais do que um filme ruim, Quarteto Fantástico é um filme errado.

Essa trajetória começou lá atrás, em 2009, quando a Fox anunciou que iria rebootar o supergrupo da Casa das Ideias. Na época, os primeiros nomes ventilados pro elenco do filme demonstravam uma abordagem bem diferente daquela que acabamos vendo, como Adrien Brody para Sr. Fantástico e Kiefer Sutherland para o Coisa.

Foi em 2012 que o diretor Josh Trank acabou contratado para o projeto, um ano antes de Simon Kinberg ser chamado para co-escrever e produzir. Trank tinha apenas um filme longa-metragem dirigido por ele, Poder Sem Limites, que surpreendeu por essa visão de ficção científica sobre jovens que ganhavam superpoderes (e, claro, pelo sucesso que fez em relação ao quanto custou). A partir de então, a visão pra franquia da Marvel passou a ter influências dos filmes de David Cronenberg, como Scanners e A Mosca, e um tom que fosse algo como “Steven Spielberg encontra Tim Burton”.

Só que, apesar de inicialmente o estúdio ter concordado com as ideias de Trank para a franquia, faltando poucos dias para o início das filmagens, a Fox resolveu cortar do projeto três grandes cenas de ação, de acordo com o Collider. Além disso, o orçamento não era grande: US$ 122 milhões, um pouco menor que o de Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, de 2007. Ao que parece, foi aí que o diretor começou a perder o chão, assim como o próprio filme.

Alguém viu essa Batalha de Nova York™? Então...

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Quando as gravações começaram, em maio de 2014, piorou. De acordo com o The Hollywood Reporter, o estúdio teve um desafio muito grande ao trabalhar com o cara, que foi considerado “muito isolado” e “errático” por fontes na produção. Diziam eles que Trank não oferecia uma direção clara para a equipe. “Se você tem alguém que não consegue responder perguntas ou não tem certeza ou está se escondendo, isso não é bom”.

O isolamento do diretor chegou a ser tanto que, em certos momentos, Kinberg e o também produtor Hutch Parker tiveram que passar por cima de Trank, assumindo responsabilidades que seriam dele; chegaram até a dizer que Trank teria causado um prejuízo de US$ 100 mil para a Fox numa casa alugada para ele em New Orleans, onde parte das gravações aconteceram – causadas, dizem, pelos cachorros do diretor.

“Nenhum desses fatos é verdadeiro – e qualquer um dos fatos que eram verdadeiros foram deturpados de uma forma maliciosamente errada”, disse Trank meses depois ao Los Angeles Times, meio que contradizendo a si mesmo. Se nada é verdadeiro, como o que é verdadeiro foi deturpado? De qualquer forma, a declaração foi feita com Kinberg ao lado, que não o desmentiu em nenhum momento.

Ainda durante o trabalho de produção, informações sobre o enredo começaram a vazar ou até mesmo foram reveladas pelos envolvidos no projeto.

Uma que chamou atenção foi aquela que dizia que o vilão Dr. Destino teria um outro nome nesta versão: Victor Domashev. “Não é Victor Von Doom em nossa história. Eu tenho certeza que vou ser enviado para a cadeia por estar contando isso. O nosso Destino é um programador. Um programador bem antissocial. E, nos blogs, ele é o ‘Doom’”, disse o Destino em pessoa, Toby Kebbell, em entrevista ao Collider em novembro do ano passado. “Eu acho que os fãs ouviram isso e disseram ‘tem que ser o Doom!’, e eles sabiam disso”, diz agora o mesmo Kebbell, novamente ao Collider.

Quando foram fazer as temidas refilmagens (o que, nas condições normais de temperatura e pressão, seria corriqueiro), uma das coisas que foram trocadas foi justamente o nome do vilão – que não só passou a ser Victor Von Doom, mas também ganhou uma pequena referência ao fato de ter vindo da Latvéria. O tipo de retoque que, convenhamos, pode estragar completamente a intenção ou atuação do ator, por mudar justamente o background do personagem (como, por exemplo, comprometer um sotaque).

Outra coisa diferente é o cabelo da Sue Storm que, no caso, usou uma peruca mesmo.

Outra coisa diferente é o cabelo da Sue Storm que, no caso, usou uma peruca mesmo.

O lance é que, nesse caso, as refilmagens PRECISAVAM ser temidas. Elas aconteceram apenas três meses antes da estreia, deixando os produtores e o estúdio mega preocupados – Miles Teller, Kate Mara e Michael B. Jordan já estavam comprometidos com outras produções, e Kinberg e Parker tiveram que abandonar as funções que eles tinham no set de X-Men: Apocalypse por causa dessas novas gravações.

Muito tem se falado que o terço final do filme é bem longe da visão original de Trank — e é, justamente, a parte que mais destoa de tudo e que, por sua vez, transforma o filme no que ele acaba sendo quando os créditos começam a passear pela tela e você se dá conta do que acabou de ver. Porém, a Fox teve diferenças com o trabalho do diretor como um todo – é só ver pela própria mudança da origem do Destino, que é ainda na primeira parte de Quarteto Fantástico.

Essa quebra de confiança entre diretor e estúdio teria feito também com que Josh Trank ficasse de fora ilha da edição, afirma o THR — o que tanto o diretor quanto Kinberg negam. Mas... Fica difícil imaginar que aquele final tenha sido imaginado / escrito / feito pela mesma pessoa ou equipe. Simplesmente não encaixa.

Trank no set de Quarteto Fantástico

Trank no set de Quarteto Fantástico

O inferno astral de Josh Trank estava longe de terminar, claro. Nesse mundo dos negócios do entretenimento, todo mundo se conhece. A Disney a LucasFilm, empolgadas da mesma forma com o resultado de Poder Sem Limites, haviam contratado Trank para dirigir um dos spin-offs de Star Wars – também roteirizado por Kinberg.

Em algum momento, algo aconteceu e o diretor não apareceu na Star Wars Celebration, em Abril, como programado — a informação oficial era de que ele estava gripado ou algo assim. Me diga você: deixaria de ir num evento com aquele só por conta de uma febrezinha e um nariz entupido?

No comecinho de maio, Trank foi, enfim, demitido – ou, oficialmente, pediu demissão. “Eu estou tomando uma decisão pessoal para seguir em um caminho diferente”, disse Trank na época, num comunicado oficial. “Eu quero fazer algo original depois disso [Quarteto], porque tenho vivido sob escrutínio público, como você tem visto, nos últimos quatro anos da minha vida. E não é saudável pra mim neste momento da minha vida. Eu quero fazer algo abaixo do radar”, afirmou, um tempo depois, ao LA Times.

Porém, o que se diz é que a saída dele foi motivada pelos problemas durante as filmagens e produção de Quarteto Fantástico.

“Isso, eu diria, é particularmente cruel. Eu realmente não tenho visto este tipo de impetuosidade contra um cineasta. É surreal e injusto”, comentou Kinberg. De qualquer forma, é bom dizer que onde há fumaça, há fogo. Até porque é notório que o próprio estúdio tinha desconfianças sobre o filme antes do lançamento, segurando ao máximo não só as exibições para a imprensa, VIPs e exibidores, como também bloqueando por meses e meses qualquer imagenzinha.

Quarteto Fantástico

Só que o que importa é que a Fox comprou a visão de Trank para o Quarteto e, seja por insegurança ou qualquer outro motivo, simplesmente trocou muitas coisas no filme e isso, normalmente, não é bom. Se antes o longa não agradaria ao estúdio, passou a não agradar nem mais o próprio diretor, como ele deixou claro num tweet rapidamente apagado na última semana. “Há um ano eu tive uma visão fantástica disso tudo. E teria recebido grandes críticas. Vocês provavelmente nunca vão ver. Essa é a realidade”.

Fazer um filme que é uma aposta tão grande de um estúdio não é fácil. Há diversas pressões e visões diferentes, inclusive de gente que entende menos do que você, mas que assina o cheque. Talvez o maior erro não tenha sido de Josh Trank, mas sim da Fox. O estúdio contratou um diretor com apenas um trabalho, no qual teve total liberdade, e com uma visão bem longe dos outros filmes com super-heróis que estamos assistindo, mais fincada na ficção científica e baseada na versão Ultimate, que nunca foi um sucesso grande de crítica e de vendas nos gibis.

Pra piorar, passaram a duvidar dessa visão nos primeiros comentários negativos, nas primeiras dúvidas em relação ao trabalho da equipe que tinham contratado. Insegurança só gera mais insegurança e pressão – e, se você não sabe trabalhar com isso, vai dar merda.

E deu.

Vai ver que, no final das contas, Trank não é o diretor pra um grande projeto assim, uma adaptação que tem as atenções de gente demais e, claro, é um filme do estúdio, e não um filme dele. “Sendo honesto, esse negócio é incrivelmente difícil. Há muita ilusão, há muita política. Há também um monte de frustração”, comentou Max Landis, que escreveu o roteiro de Poder Sem Limites, no Twitter.

Resta saber, agora, o que a Fox vai fazer com isso que acabou se tornando o novo filme do Quarteto Fantástico. A continuação já está programada para 2017 e, após o final desse primeiro filme, ficou mais fácil para o estúdio entregar algo mais tradicional na linha dos super-heróis. Só que... Quem vai querer assistir depois de um resultado (e de uma campanha) tão ruim como esse?

Quem vai querer assumir?

Enquanto isso, Mark Millar, que é consultor do estúdio, diz que Quarteto Fantástico se passa no mesmo universo dos X-Men, informação negada por Kinberg. De qualquer forma, Bryan Singer já andou dizendo por aí que tem ideias pra um crossover entre os times... Talvez a única alternativa da Fox começa a ficar mais e mais clara... Só é bom ficar de olho se ninguém vai ligar a frigideira novamente.