O último episódio da série não toca apenas pela emocionante homenagem a Cory Monteith, mas pela tentativa tardia de ser aquilo que nunca deveria ter deixado de ser…
Num certo ponto, o episódio que encerrou Glee, Dreams Come True, me lembrou rigorosamente o episódio que deu fim aos trabalhos em Two and a Half Men. Ambos foram fins competentes, dignos da história que as séries construíram em seus primeiros anos mas que expuseram, para quem quisesse ver, todos os erros das temporadas mais recentes – no caso de Glee, em especial a partir do terceiro ano.
Deixa eu tirar o elefante branco da sala: eu adoro musicais. Principalmente aqueles contemporâneos, que passam nos dias de hoje, num ambiente urbano. Muito mais do que coisas épicas e históricas como Os Miseráveis ou O Fantasma da Ópera, eu amo pirações do tipo Hairspray e Rock of Ages. Que todo mundo saia cantando junto pelo meio da rua sem motivo aparente, tá tudo bem. Eu acho é pouco. Quero é MAIS gente cantando. Por isso, gostava bastante do comecinho de Glee.
O principal problema da série, nos últimos e sofríveis anos, no entanto, esteve justamente longe de ser a escolha e a adaptação das canções, na real. Tampouco a participação de convidados especiais como Adam Lambert (a atual voz do Queen, ex-American Idol) e Demi Lovato. O ponto fraco foi mesmo o showrunner Ryan Murphy parecer ter se esquecido de que as músicas deveriam ser apenas a cereja do bolo. Porque ele deixou de lado os personagens, os principais, aqueles mais carismáticos, pelos quais os espectadores se apaixonaram, e passou a investir em um bando de novatos que não tinham a mesma graça, o mesmo tempero, que acabavam sendo mal desenvolvidos e não ganhavam a empatia do público. Deu no que deu.
Nesta sexta e última temporada, os roteiristas trouxeram não apenas os personagens principais mas também a trama de volta à ambientação dos dois primeiros anos. Esqueça Nova York – todo mundo de volta ao clube do coral do colégio McKinley, de onde nunca deveriam ter saído. No início da temporada, Rachel volta pra casa depois do fracasso de sua série de TV e recruta antigos amigos como Mercedes, Tina, Artie e o casal Blaine e Kurt para dar um jeito na casa e ajudar a recrutar uma nova leva de estudantes pra cantar e colocar as emoções para fora. Rachel, Mercedes, Tina, Artie e Kurt. Percebe o que aconteceu aqui? Os cinco membros originais do grupo, antes da entrada de Finn. Pois é.
Na primeira parte do evento de duas horas que encerrou a série, no episódio batizado de 2009, somos convidados a uma viagem no tempo para descobrir os eventos que antecederam a entrada da trupe original no clube, lá na primeira temporada. Descobrimos que Rachel tentou ficar amiga de Mercedes quando percebeu que a dona do vozeirão soul entraria para o grupo; que a galera se opunha totalmente à entrada de Finn, o jogador de futebol americano com jeitão de bullie; que Tina era a única que tratava Artie como um ser humano normal, por mais que seus amigos góticos não fossem com a cara do restante do time do coral; e que, pasmem, Will Schuester e Sue Sylvester eram amigos e até tinham uma partidinha de basquete semanal antes de ela descobrir que ele assumiria o comando do coral (o que é, vamos combinar, um recurso narrativo um tanto forçado depois de tanto tempo de disputa entre os dois). O final, como era de se esperar, é ao som de Don’t Stop Believin’, do Journey, a canção que se tornou símbolo da série.
Em Dreams Come True, os perdedores finalmente vencem, enquanto a trama vai indo e voltando entre os dias de hoje e 2020, mostrando os personagens cinco anos no futuro. Depois de ganhar as nacionais e finalmente voltar com o imenso troféu pra casa, Will descobre que o colégio McKinley vai ser transformado em uma escola de artes e ele vai ser o diretor; Sam Evans será o novo responsável pelo New Directions (talvez a grande sacada deste encerramento, diga-se); Mercedes vai gravar o seu CD e abrir os shows da Beyoncé; Artie dirige um filme estrelado por Tina e que vai ser exibido no festival Slamdance; Kurt e Blaine se casam, viram atores de teatro e visitam escolas para disseminar mensagens de aceitação; e Rachel se casa com Jesse St. James (é, aquele mala do coral rival Vocal Adrenaline, lááááááááááá do começo da série), ganha o Tony e serve de barriga de aluguel para o filho de Kurt e Blaine.
Ah, e quanto à treinadora Sue Sylvester? Ah, ela se torna vice-presidente dos Estados Unidos. Simples assim. E faz todo o sentido. :D
Por sinal, um dos momentos mais incríveis e divertidos é justamente quando ela enfim se rende a Will e canta pra ele The Winner Takes It All, do ABBA. Em um episódio marcado pelos momentos emocionantes, Jane Lynch rouba a cena e consegue garantir para si mesma não apenas as melhores passagens de humor, mas também o tocante monólogo final, quando Sue inaugura o novo auditório batizado com o nome de Finn Hudson (na já esperada homenagem à Cory Monteith) e abre espaço para o número musical final, ao som de I Lived, da banda One Republic – que achei bonitinho mas, cá entre nós, meio nhé. Pra ser a última música da série, faltou algo mais significativo. Tão intenso e significativo quanto foi Don’t Stop Believin’ no começo de tudo. Mas, enfim. Agora já foi, não é mesmo? ;)
Resumidamente, estamos diante de Ryan Murphy dizendo “ok, entendi, eu deveria ter continuado me focando em contar esta história por um pouco mais de tempo ao invés de ter acelerado o amadurecimento dos protagonistas”. Porque a série acabou e, sabe aqueles novos personagens? As novas gerações? Pois é. Nem sinal deles. Sequer foram mencionados. Nem mesmo Puck, Quinn, Brittany, Santana e demais integrantes que tiveram papéis maiores ao longo da trajetória da série foram mencionados. NADA. Quando o professor Will canta, em tom de despedida, a bela Teach Your Children (de Crosby, Stills, Nash & Young), ele a dedica com olhares aos cinco sujeitos que deveriam ter sido o foco de Murphy. Desde o começo.
Por mais que você tenha bronca das músicas, Glee deixou um legado extremamente positivo ao falar na medida certa com o público jovem abordando, no tom adequado e sem rodeios, temas como bullying, drogas, depressão, racismo, homossexualidade e transexualidade, gravidez na adolescência. Só é uma pena que, com o passar de suas seis temporadas, tenha tentado evoluir seus personagens com voos exagerados a caminho da Broadway. O segredo estava exatamente na letra que cantou Rachel neste episódio final, em This Time, a última canção original de Glee: “These halls I’ve walked a thousand times / Heartbreaks and valentines, friends of mine all know”.
Porque aqueles corredores da escola McKinley, no fim das contas, eram o microcosmo que os espectadores queriam acompanhar. Porque, para mostrar crescimento e amadurecimento, não é preciso mergulhar nos brilhos intensos da Broadway. Basta apenas registrar os pequenos conflitos cotidianos da cidade de Lima, em Ohio.
Às vezes, Ryan Murphy, menos é mais. Talvez ser forçado a encerrar com apenas 13 episódios uma temporada originalmente marcada para ter 22 tenha te ensinado alguma coisa.
Mas, você sabe, sugiro que você não pare de acreditar. Como diz aquela canção. ;)
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