Mestre do terror, criador de A Hora do Pesadelo e Pânico, morreu neste domingo aos 76 anos, deixando Freddy Krueger e Ghostface órfãos
A notícia pegou os fãs absolutamente de surpresa – e foi um susto talvez maior do que aqueles que ele nos reservava em seus filmes: aos 76 anos, o diretor de cinema Wesley Earl Craven, se foi, vítima de um câncer no cérebro.
De forma alguma é exagerado chamá-lo de “mestre do terror” – afinal, dentro de suas importantíssimas contribuições para o gênero, Wes Craven é o criador das cinesséries A Hora do Pesadelo, com seu icônico assassino dos sonhos que toda uma geração conhece como Freddy Krueger, e Pânico, responsável por ressuscitar o cinema de horror e salvá-lo de sua mais completa e vertiginosa decadência na década de 1990.
Dá para dizer que, em dois momentos diferentes, Craven ajudou a apresentar uma nova forma de se fazer terror nos cinemas para o público adolescente. Quem ficava grudado nas telonas em plena década de 1980, com certeza ficou marcado pelas lâminas do psicótico Krueger – enquanto uma década depois, a máscara do Ghostface entrava de vez para o imaginário de toda uma nova geração de meninos e meninas em busca de momentos para saltar da cadeira.
“Meu diretor, meu amigo. Um homem divertido, gentil, amoroso e brilhante. Um dia triste na Rua Elm e em todo lugar.” (Robert Englund)
No meu caso, Craven foi, dos diretores de terror, o que mais marcou minha infância e adolescência. Uma das memórias de cinéfilo mais vívidas que tenho foi quando A Hora do Pesadelo foi exibido PELA PRIMEIRA VEZ NA TELEVISÃO no SBT. Gravei o filme no velho videocassete Panasonic da família, comprado em um consórcio. Sem brincadeira, eu assistia ao dito cujo TODO SANTO DIA, a ponto de ter decorado as falas de todos os personagens.
Eu sempre fui mais #TeamJason (desculpe aí, mestre), mas Freddy Krueger foi um verdadeiro ícone da minha infância. Não sentia medo de sua feição queimada, sua luva de garras de navalha, seu chapéu de feltro e seu pulôver listrado e surrado, como as outras crianças. Eu ADORAVA o vilão, até em sua fase sem a direção de Craven, sempre em uma trajetória repleta de mortes absurdamente criativas e piadas sacanas de humor negro.
Um par de cenas de A Hora do Pesadelo original foram realmente emblemáticas, daquelas que levei guardadas durante toda minha vida, como a escabrosa morte de Tina sendo levitada ou um jovem Johnny Depp sendo tragado para dentro da cama e depois transformado num gêiser de sangue jorrando até a parede.
Naqueles tempos, eu nem fazia ideia quem raios era Wes Craven. Mal eu sabia que logo em seu seminal primeiro longa metragem, Aniversário Macabro (1972), ele já havia colocado de vez seu nome no gênero como uma verdadeira pedra angular do exploitation dos anos 70, membro com louvor da famigerada lista de filmes proibidos conhecida como Nasty Videos. Escancarando o fim do american way of life e do já saturado movimento paz e amor dos hippies em uma fita que ganhou a infame classificação X nos EUA, Aniversário Macabro só chegou a ver a luz dos projetores depois que um amigo trocou os rolos na décima vez que ela foi enviada para análise da censura (aka “classificação indicativa”).
Até antes de ver aquelas menininhas fantasmagóricas pulando corda e cantando que o titio Freddy vinha te pegar, eu também pouco fazia ideia da importância de seu filme posterior, Quadrilha de Sádicos (1977), brutal road movie travestido de luta de classes, um ataque às idiossincrasias em uma crônica de sobrevivência da burguesa família de classe média americana contra selvagens mutantes canibais, párias da sociedade. Outro dos melhores de uma excitante safra setentista.
Mas foi só em 1984, quando Craven lera uma série de artigos do LA Times sobre o grande número de crianças tailandesas que morriam durante o sono após sofrer de terror noturno e ter inúmeros pesadelos subsequentes, que seu terceiro filme, A Hora do Pesadelo, nasceu e nem preciso falar sobre a importância de Krueger para o cinema de terror, para os slasher movies e para a cultura pop.
Só que em uma dessas ironias do destino, o mesmo subgênero que Craven ajudou a popularizar foi um dos responsáveis diretos pelo seu próprio declínio. Uma espécie de “bolha” das continuações foi criada, com os slasher movies na ponta de lança tornando-se máquinas caça-níquéis de Hollywood e arrastando milhares de jovens para os multiplex.
Não bastasse isso, na mesma época surgiu um aparelho mágico chamado videocassete e voilá, ávidas por conseguir um lugar ao sol e adentrar no mercado, dezenas de produtoras começaram a produzir caralhadas de filmes para serem lançados direto para os febris frequentadores das videolocadoras. E qual o gênero mais fácil de produzir com o menor orçamento possível? Bingo! Os filmes de terror (e os pornôs, claro, mas esses não precisavam de uma história decente, pelo menos).
Foi nos anos 1990 quee com muita porcaria sendo feita direto-para-o-vídeo, sequências infinitas, fiascos de bilheteria e o surgimento de uma geração que, com o fim da era Reagan, não tinha muito o que temer (medo da bomba atômica, dos traumas do Vietnã, dos conflitos raciais, do comunismo, dos hippies, e por aí vai, tudo isso era passado) o cinema de terror beirou sua extinção e parou de receber investimento de grandes produtoras e estúdios, pois era sinônimo de fracasso de público, crítica e mau gosto.
Foi nesse cenário desolador que Craven e o roteirista Kevin Williamson criariam, em 1996, o excelente Pânico, e assim reinventaram o slasher, atualizando o conceito de cinema de horror adolescente, prestando a ele uma belíssima homenagem, brincando inteligentemente com uma metalinguagem cinematográfica e criando um novo assassino feito sob medida para vender bonecos e fantasias de Dia das Bruxas (e com o Ghostface, já são dois movie maniacs para ele chamar de seus).
Se tivermos de apontar qual o mais importante filme para o terror moderno desde A Noite dos Mortos-Vivos de George A. Romero, com certeza é Pânico – sem exageros. A produção faturou mais de 170 milhões de dólares de bilheteria em todo o mundo, mostrou que havia vida inteligente no cinema de horror e que ele poderiam render uma bela de uma grana. O resto é história...
Além disso, com Pânico, Craven mostrou que também sabia fazer boas heroínas para combater os maníacos por sangue. Se em A Hora do Pesadelo vimos Heather Langenkamp como a inteligente Nancy Thompson, em 1996 foi a vez de Neve Campbell encarnar a Sidney – que, entre gritos de pavor, encontrava ótimas saídas para se livrar da lâmina do matador mascarado...
Porém, é preciso dizer que a carreira de Craven foi bastante irregular. Enquanto sua filmografia tem ótimos filmes, como A Maldição dos Mortos-Vivos (1988), e até mesmo O Novo Pesadelo – O Retorno de Freddy Krueger (1994, seu regresso metalinguístico ao universo que criara 10 anos antes), há em seu currículo algumas bombas como A Maldição de Samantha (1986) e Shocker – 100.000 Volts de Terror (1989), dois clássicos da Tela Quente, além dos vergonhosos Um Vampiro no Brooklyn (1995), uma tentativa de Drácula com Eddie Murphy, e Amaldiçoados (2005), aquele dos lobisomens com a Christina Ricci. Nada que desabone, nada que tire o brilhantismo de seus pontos altos. Mas... ¯\_(ツ)_/¯
Pânico 4 foi o último filme que dirigiu, em 2011, e atualmente era produtor executivo da série baseada na franquia cinematográfica para a MTV. Além disso, estava desenvolvendo duas novas séries para o Universal Channel e o SyFy: We’re Completely Fine, baseada no livro de Daryl Gregory, e também a adaptação televisiva de As Criaturas Atrás da Parede, seu grande longa-metragem homônimo de 1991.
Craven realizou filmes icônicos, criou personagens que entraram para o hall da fama do gênero, influenciou dezenas de cineastas, apaixonou fãs e vai deixar saudades. Descanse em paz mestre e, mais uma vez, obrigado pelos pesadelos.
Eles foram os melhores que eu já tive.