Parece que o filme da Red Sonja com o Bryan Singer foi para o limbo. AINDA BEM! | JUDAO.com.br

Até que demorou para alguém na Millennium Films sacar que, de todas as ideias merdas de Hollywood, talvez esta estivesse no Top 3 de qualquer um com o mínimo de bom senso

Olha... até que demorou, viu? O que era só um boato do qual todo mundo em Hollywood meio que já sabia (“depois que rolou o escândalo com Harvey Weinstein virou notícia, todos apostavam que Bryan Singer seria o próximo”, disse um ator, que não quis se identificar, ao THR), cresceu, ganhou mais e mais vítimas que cansaram de ficar caladas e aí descobrimos a realidade sobre um abusador de nome Bryan Singer. Mas a Millennium Films, o estúdio que fez a franquia Os Mercenários e que vai lançar o novo Hellboy, tava lá, firme e forte, acreditado que tudo bem manter o filme da Red Sonja com Singer como diretor.

“Eu continuo a trabalhar no desenvolvimento do filme e Bryan Singer continua ligado a ele”, afirmou o produtor Avi Lerner também ao THR, via comunicado oficial. “Os mais de 800 milhões que Bohemian Rhapsody rendeu, transformando-o no drama de maior faturamento da história do cinema, são testemunho de sua notável visão e perspicácia. Eu sei a diferença entre notícias falsas e a realidade, e estou muito confortável com essa decisão. Nos EUA, as pessoas são inocentes até prova em contrário”.

Com filmagens previstas para começar nos próximos meses, a produção de um filme da icônica heroína dos cabelos vermelhos ainda renderia cerca de 10 milhões de doletas ao cineasta caso algumas metas de bilheteria fossem alcançadas. Tudo isso dito no final de Janeiro, menos de 24 horas depois que a revista The Atlantic publicou um chocante documento, resultado de 12 meses de investigação e mais de 50 fontes ouvidas, garantindo que muitos de seus abusos foram cometidos contra garotos menores de idade, variando entre 13 e 17 anos.

Mesmo assim, pros caras da Millenium, parecia tudo OK, sabe? Até esta semana. Quando o Deadline trouxe a informação, em primeira mão, de que na feira de negociação de direitos cinematográficos do Festival de Berlim, o projeto não constava mais no cardápio da Millennium. “Este título não está no nosso calendário no momento e não está à venda aqui em Berlim”, foi o que afirmou um representante do estúdio.

Singer não foi formalmente demitido de Red Sonja, mas digamos que alguém entendeu que aquela não era a coisa certa, tampouco a hora certa e muito menos o filme certo. As tais filmagens que rolariam na Bulgária, com um elenco que nunca chegou a ser anunciado, parece que foram para as CUCUIAS.

Trabalhar com alguém como Singer, mesmo que estas acusações todas não existissem, já seria um tiro no pé depois do mesmo Bohemian Rhapsody que o Lerner usou como desculpa para mantê-lo no projeto, dada a recorrente trajetória problemática do cara no set de filmagem. Agora, junte a isso a questão ÉTICA. Ter um um abusador na sua equipe já seria uma merda, ainda mais na cadeira principal do seu projeto, aí é uma merda gigantesca, monstruosa, sem tamanho.

Junte a esta questão ética, humanitária, de não expor seu time a um sujeito com este tipo de comportamento, a verdadeira bomba relógio de relações públicas, o desastre de imagem, que uma decisão como esta poderia trazer para uma empresa. É o capitalismo falando: que investidores iam querer colocar grana aí, que marcas patrocinadoras gostariam de ser ver associadas a isso, que atores e atrizes teriam coragem não apenas de trabalhar com ele mas de também de colar as suas imagens na do cara? Se você não tem coração para pensar na questão 1, que é de fato a mais importante, também parece não ter cérebro pra considerar ao menos esta questão 2.

O fato é que o bolso de alguém foi afetado e meteram o pé no freio da coisa toda.

Depois da Mulher-Maravilha com Patty Jenkins na direção, a principal dúvida permanecia sendo, já que estamos falando de um filme estrelado por uma super-heroína das HQs: por que não uma mulher no comando? E, claro, esta questão era logo seguida de outra igualmente pertinente: que mulher aceitaria o papel com alguém neste perfil controlando a ação no set?

Surgida originalmente na Marvel Comics em 1973, nas páginas do gibi Conan the Barbarian #23, Sonja é cria do roteirista Roy Thomas e do desenhista Barry Windsor-Smith, parcialmente inspirada na espadachim Red Sonya of Rogatino, da história curta The Shadow of the Vulture, escrita por Robert E. Howard, assim como em certa parte em outra personagem recorrente de sua obra, Dark Agnes de Chastillon.

Vinda da região da Hyrkania, durante a Era Hiboriana, ela tem uma história sombria, que inclui o assassinato de sua família, o seu estupro e um juramento para a deusa Scáthach (inspirada numa valorosa guerreira da mitologia celta) em busca das habilidades de luta para buscar sua vingança. Ou seja... sacou aqui que colocariam Bryan Singer para dirigir o filme de uma sobrevivente de um estupro? Sacou como isso é mais uma das questões nesta história que não faz QUALQUER SENTIDO?

Além disso, como ele trataria uma das principais críticas das leitoras da personagem há décadas, que é o fato de que ela se veste usando apenas uma porra dum biquíni metálico? Com o apoio de um Lerner, muito provavelmente isso seria tratado como “ah, o politicamente correto, o mundo tá chato” e não mudariam um centímetro, para não desagradar a base de fãs (aka nerds homens brancos hétero cis).

ENFIM: depois de anos sendo publicada pela Casa das Ideias, ganhando título próprio mas sempre interagindo de alguma forma com o Conan, a heroína acabou, assim como o bárbaro cimério, mudando de mãos editorialmente. Acabou indo parar, em 2005, nas mãos da Dynamite Comics, que mataria a personagem no número 34 e a substituiria por uma nova personagem de mesmo nome, como se fosse a sua reencarnação. Na real, tamos falando de uma parente distante da original, que vivia uma vida de sonhos até que o marido é morto por um bando de piratas e ela fica à beira da morte. Treinada pela nova versão do bardo Osin (agora um espadachim bem do mal-humorado), a nova Sonja começa a ter lembranças de seu passado, de seus reflexos, e então segue em busca de vingança.

Em 2013, no entanto, Gail Simone assumiu os roteiros e promoveu uma espécie de reboot, recontando sua origem de uma forma mais próxima daquela que vimos originalmente nos anos 70 (mas sem a parte do estupro, sem o voto de castidade e também sem uma deusa que lhe ajudaria a conquistar sua maestria na arte da luta). Desde 2017, no entanto, quem escreve a personagem é Amy Chu, a mesma responsável pelos novos gibis do KISS.

Vale lembrar ainda que este novo filme, quer ele saia ou não, quer ele tenha as mãos de Singer ou não, não seria o primeiro com a personagem.

Em 1985, tivemos Red Sonja, batizado por aqui de Guerreiros de Fogo, estrelado por Brigitte Nielsen no papel da guerreira e com direção de Richard Fleischer, responsável pelo segundo filme do Conan. No elenco, tivemos ainda a participação do próprio Arnold Schwarzenegger como um certo Kalidor — que, bom, era o Conan mas que não podia ser chamado de Conan porque eles não tinham os direitos sobre ele. Ou seja...

Por volta de 2008, tivemos o momento em que Robert Rodriguez estava absolutamente determinado a fazer um novo filme da Sonja, que seria estrelado por sua então noiva na época, Rose McGowan.

Eles chegaram até a apresentar algumas artes nas quais a atriz já era retratada como a heroica guerreira, mostradas com pompa e circunstância durante uma Comic-Con de San Diego, mas ela acabou afastada do projeto depois de sofrer um acidente ao fazer suas próprias cenas de ação, sendo forçada a uma cirurgia no punho e no cotovelo que acabou tirando uma parte de seu cotovelo, obviamente prejudicando sua mobilidade e a força de seu braço direito. (OUCH!)

Avi Lerner tava lá, como produtor, chegando inclusive a anunciar em algum momento de 2011 Simon West (do clássico Con Air) como diretor e Amber Heard — que nós vimos este ano de cabelão vermelho como a Mera em Aquaman — como potencial nome para o papel de Sonja.

Amber Heard e Rose McGowan. E... Bryan Singer? Repare na ironia. AH, A IRONIA. Como este mundo dá voltas, né?