Talvez uma das poucas bandas a merecer DE FATO o “super” de “supergrupo”, o time comandado por Maynard James Keenan e Billy Howerdel rompe o silêncio e oferece mais uma coleção de complexas canções sobre o mundo de hoje
Metal alternativo, rock alternativo, art rock ou, pra simplificar o rolê, apenas e tão somente hard rock. Eu já vi tanta gente chamando o A Perfect Circle de tantos rótulos diferentes que, na moral, chega a dar um nó no cérebro.
Mas, sendo bem franco, basta ouvir qualquer disco do supergrupo formado em 1999 pra sacar que dar nó no cérebro é com eles mesmos. Ainda bem, aliás. Em um gigantesco hiato desde Emotive, lançado em 2004, meio que virou uma lenda / piada no mercado fonográfico um possível retorno da banda — em especial pelas tretas criativas envolvendo seus dois pilares de composição, o vocalista Maynard James Keenan (sempre envolvido com o Tool e o Puscifer) e o guitarrista Billy Howerdel.
Aparentemente, eles andavam discordando bastante sobre qual seria o direcionamento do quinteto (que hoje conta ainda com o guitarrista James Iha, do Smashing Pumpkins) a partir de agora. Mas as notícias começaram a pipocar bastante no ano passado, com informações sobre reuniões em estúdio, canções sendo EFETIVAMENTE sendo compostas... Teve fã claramente dizendo “não boto fé em nada disso, é tudo boato, só acredito quando um álbum realmente sair do papel”. E outros já tinham até perdido as esperanças, “é real e oficial, A Perfect Circle morreu, esquece”.
Bom, enfim, sei lá se as tretas entre Keenan e Howerdel se resolveram (de verdade, eu acho que não, mas OK), só que o fato é que desde o final da semana passada já podemos ouvir Eat the Elephant, o quarto disco de estúdio deles, em tudo quanto é lugar. Saiu mesmo. Não era alarme falso. Espalhem a notícia! :)
Como costuma ser natural no caso do A Perfect Circle, ouvir este Eat the Elephant é tipo uma EXPERIÊNCIA, sabe? São 12 canções que formam um todo bastante complexo, diverso, envolvente, climático. Não é um disco conceitual mas, se você prestar bastante atenção nas letras, vai entender que Keenan, letrista oficial da banda, quis dar um recado bem claro aqui, falando sobre religião, política e sociedade com um único foco, algo que ele chama de “accountability” — palavra que a Wikipedia define como “responsabilidade com ética”. Mas a gente aqui define basicamente como “assuma as suas merdas”.
Em termos musicais, talvez justamente a última canção, Get the Lead Out, ajude a dar um bom resumo do que esperar do restante do disco. Uma espécie de colagem instrumental, a faixa é bem estranha, bizarra, mas em seu monte de quebras esquisitas e barulhinhos, vira quase como aquela trilha de filme de suspense que toca quando sobem os créditos finais e com praticamente uma única frase sendo repetida ao longo da canção. Entendeu o que dá pra esperar aqui? Nada. E tudo ao mesmo tempo.
As duas primeiras canções, a faixa-título (inspirada no suicídio de dois amigos próximos do vocalista e cujas primeiras versões tinham sido originalmente trabalhadas com Chester Bennington para o último álbum do Linkin Park) e a linda Disillusioned (composta depois da morte de Robin Williams, em 2018, e com um quê de seu filme Amor Além da Vida) ajudam a colocar na roda um clima mais fantasmagórico, ambiental, onírico. Ambas carregam uma sutileza que, vá lá, permeia toda a bolacha, um pouco menos pesada do que se esperaria, com mais pianos e elementos eletrônicos na mistura.
E quando a levada quase robótica que abre The Contrarian começa, tudo fica ainda mais claro — ainda mais depois que a música ganha peso, densidade, quase uma névoa sonora, meio Silent Hill em formato musical. Tá formado o clima DE FATO.
Tá bom, tu tava querendo bater um pouco mais de cabeça? Vem escutar The Doomed, um industrial meio repetitivo que, quando embarca em um peso mais encorpado, com percussão, tipo orquestra, e aí convida a guitarra pra dançar junto, fica uma coisa de louco.
Ou quem sabe TalkTalk, pra treinar a terapia do grito em uma faixa provocativa, que diz que, quando tragédias como aqueles massacres nas escolas dos EUA acontecem, as pessoas tinham que parar de apenas ficar falando e rezando e esperando, mas sim tomar algum tipo de atitude, ir pra rua protestar, pressionar os seus representantes. “While you deliberate, Bodies accumulate”, diz a letra. “Don’t be the problem, be the solution”.
Mas Eat the Elephant tem espaço para outros tipos de sonoridades, tipo este cruzamento fofo e pop entre Pet Shop Boys, Depeche Mode e R.E.M. que virou So Long, and Thanks for All the Fish, usando a frase clássica dos livros de Douglas Adams pra homenagear através do absurdo algumas celebridades que se foram recentemente, como Gene Wilder, David Bowie, Muhammad Ali, Prince e Carrie Fisher.
Tem balada triste e emocional com ótimo uso da sobreposição de vozes e um solão lindo de guitarra que arrepia? Tem, toma By and Down the River. Tem instrumental bem filme de terror? Pronto, DLB tá aí pra apavorar as suas noites. Tem até, vejam vocês, uma faixa que é mais indie rock inglês do que o Coldplay jamais sonharia fazer? Mas ô se tem, olha Feathers no cardápio.
Um dos melhores e mais surpreendentes momentos do disco, no entanto, é a poderosa Hourglass, tão industrial que chega a ser quase eletrônica, com vocoder comendo solto e uma guitarra que respira um metalzão moderno e contemporâneo pra ninguém botar defeito. Os vocais quase falados, meio rap, com scratch e tudo mais, criam um clima de urbanidade futurista, meio cyberpunk, quase como “o que aconteceria se o Blade Runner não fosse, de fato, um filme noir?”.
Mal aí, Vangelis, mas fiquei com vontade de escutar como seria esta brincadeira aí, hein?
Ao final da audição de Eat the Elephant, na real, talvez você não chegue a conclusão nenhuma. Mas que tudo vai fazer sentido quando, meio sem pensar, você resolver colocar o disco pra rodar DE NOVO, ah, sim, isso vai.
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