Punho de Ferro é ruim e esquecível | JUDAO.com.br

Vimos os seis primeiros episódios da nova série Marvel do Netflix e, bom, se não tiver uma BAITA duma melhora daqui pra frente, temos o primeiro grande tombo da iniciativa, com direito a nariz quebrado e tudo

Quando a gente solta no meio da conversa um rótulo como “filme de ação dos 80”, o seu cérebro já autocompleta o que vem depois, certo? Estamos praticamente falando de um subgênero com um jeitão bem claro e evidente, um clima que flerta com a tosqueira, aquela trilha sonora, aqueles diálogos ao mesmo tempo forçados e sensacionais. Mas, veja bem, mesmo dentro deste subgênero aí, a gente tem Stallone, Bruce Willis, Schwarzenegger; aí temos um Chuck Norris, um Dolph Lundgren e um Steven Seagal da vida; e temos, bom, o Lorenzo Lamas, o Mark Dacascos e o Michael Dudikoff.

Era aí que eu queria chegar. Punho de Ferro, a quarta série Netflix focada nos vigilantes urbanos da Marvel, é tipo este terceiro escalão de filme de ação dos anos 80. É a série B, meio um American Ninja ou Cobra Ataca da vida. Você assiste, tá bom, talvez até se divirta um pouco, mas vai acabar inevitavelmente esquecendo o que rolou em algum canto obscuro da sua mente daqui uns anos. Num papo com os amigos, vem a lembrança. “Ah é, teve mesmo uma série do Punho de Ferro, né? Pô, bem lembrava disso. Ah, até que era legal”. Mas, assim como acontece com o American Ninja, com todo respeito ao esforçado do Dudikoff, vou contar um segredo: não, não era.

O JUDÃO assistiu aos seis primeiros episódios da série, que estréia na próxima sexta, dia 17, e dá pra dizer que, se não rolar uma melhora surpreendente da metade da temporada pra frente, estamos diante da primeira queda da Marvel nesta iniciativa com o Netflix. Tá bom, Luke Cage não é exatamente uma unanimidade, mas tá longe de ser “ruim”. Mas se Luke Cage pode ser considerado um tropeção, um cata-cavaco, Punho de Ferro é aquele tombo bobo, que a gente acha que não vai dar em nada mas, quando menos percebe, fraturou a bacia e quebrou o nariz e dois dentes da frente.

Olhe para esta imagem e me diga que ela não parece totalmente POSADA?

O foda é que Punho de Ferro opta pelo lado mais óbvio e genérico possível. Sempre. Desde o primeiro episódio, praticamente esfrega na sua cara quem é o herói, o que ele tá fazendo ali, quem é o interesse romântico, quem é o vilão, quem são os coadjuvantes descartáveis, quem é o bandidinho bucha de canhão. Até os principais “segredos” se desdobram de um jeito que você já sabe o que vai rolar duas cenas antes. É tudo didático, sem espaço para uma construção mais profunda de personagens, para mais camadas, para sutilezas. A principal palavra aqui é OBVIEDADE, aliás.

Até as conexões com as outras três séries, que vão se costurar em Os Defensores, são rigorosamente aquelas que você, espectador atento, já imaginava. O jeito que o Tentáculo é ligado à trama é preguiço... aliás, pera, não. Preguiçoso MESMO é o jeito que eles usam pra colocar a Claire Temple na história. Sabe o “ah, vá, ela tá trabalhando no bar da mãe, que fica justamente no caminho do Luke Cage?”. Então. Pior ainda. Em 10 minutos, consigo pensar em pelo menos cinco opções mais criativas de enfiar o Nick Fury do Netflix na história.

Quando cê acha que Punho de Ferro tá melhorando, o roteiro resolve seguir um caminho ainda mais óbvio e você fica “ah, é, eu já imaginava isso”. A narrativa até tem um tanto de TV tradicional, sabe? Bem menos série que você vai ver em maratona, emendando um episódio no outro via autoplay, e mais “queremos te deixar um cliffhanger aqui no final do episódio pra você voltar na semana que vem”. Punho de Ferro conversa até melhor com as séries do CW do que as outras séries do Netflix. Isso não é, necessariamente, um problema; mas a comparação não é com a deliciosa 1a temporada do Flash, por exemplo, mas sim com o atual clima melodramático de Legends of Tomorrow, que não sabe muito bem pra onde seguir e acaba optando por um grande PAN-PAN-PAAAAAAAAAAN nos minutos finais de cada episódio pra ver se te traz de volta na semana seguinte. Chega a dar sono.

Um dos grandes problemas aqui é mesmo o protagonista. Veja, não vou entrar na discussão de que a Marvel deveria ter escolhido um ator oriental para o papel (acho que deveria SIM, seria uma chance de corrigir um erro histórico e poderia até colocar um tempero diferente no resultado final), mas o ponto é que o Finn Jones funciona bem apenas como Danny Rand. Como o jovem herdeiro de um império bilionário dado como morto e que volta pra complicar a vida corporativa de seus acionistas, como um Steve Jobs meio hippie, barbudo, que vai trabalhar de tênis e espalha suas pílulas de conhecimento de mosteiro. Como Punho de Ferro... Ele não convence como a arma viva, como o herdeiro de uma tradição milenar, como o protetor de uma cidade ancestral que existe em outra dimensão.

E não é pela forma física. Não, ele não precisaria ser forte, bombado, não é isso. Ele não tem é o olhar duro, a postura decidida que precisaria imprimir nas cenas de luta, nos momentos de ação. Você jamais acredita que ele poderia cobrir a bandidagem de porrada, que poderia derrotar um bando de ninjas assassinos. Mesmo quando ele derrota. Mesmo quando a mão dele brilha e ele usa, efetivamente, a caceta do Punho de Ferro. Não dá pra acreditar que aquele punho brilhando seja capaz de arrebentar uma porta de aço ou atirar um sujeito do outro lado do galpão abandonado (sempre eles).

As cenas de luta são as que menos convencem entre todas as séries Marvel / Netflix e isso é um problema grave quando o herói é um mestre de artes marciais

Aliás, vamos lá, sobre as cenas de luta. Talvez elas sejam as que menos convencem dentre as quatro séries e isso é um problema GRAVE quando o grande herói aqui é justamente um mestre das artes marciais, né? Tudo é coreografado demais, os golpes têm precisão mas não têm intensidade, força, não têm aquela coisa mais visceral do Demolidor, quando parece que eles tão se machucando DE FATO. Parece muito mais uma dança do que uma LUTA, cujo objetivo é causar impacto físico no sujeito do outro lado do combate. Mesmo a já clássica cena do corredor, que está em todas estas séries da Marvel, é...é...só aquilo. Nem a referência ao Oldboy ajuda.

Sabe quem funciona de verdade, tanto como personagem quanto como lutando? A Colleen Wing, interpretada pela ótima Jessica Henwick. Eu tenho ressalvas com uma escolha em particular, uma situação que foi criada para mostrar que ela é fodona, badass, quebra tudo. Não precisava. É outra prova da dificuldade de Punho de Ferro em lidar com sutilezas. Mas, pelo menos, esta é uma aspirante a heroína que luta com vontade, com tesão, e ainda tem uma dose de carisma que a ajuda a engolir praticamente qualquer um que divida a cena com ela. Desde já, esperando MUITO pela dobradinha Filhas do Dragão dela ao lado da Misty Knight.

Ah, o vilão. Ou os vilões, enfim. Que estão longe, mas beeeeeeeem longe de alguém minimamente interessante ou complexo como o Rei do Crime ou o Kilgrave. Nem a Madame Gao, cara, a Madame Gao, que tava tão assustadoramente ameaçadora na série do Demolidor, só no olhar, no jeito de falar, é aqui retratada de um jeito tão frustrante, tão bobo, que dá vontade de gritar “gente, é sério que vocês NÃO viram ela naquela outra série lá?”. Não, não vou falar do vilão. Mas vou falar do final do episódio 6, aquele que, seguindo a tradição netflixesca, deveria ter uma grande surpresa, uma grande virada, aquela que vai chacoalhar a porra da temporada.

Hummmmmm. Não. Isso não acontece. Aliás, não só não acontece como temos o pior encerramento de episódio desde então. Não é só ruim, é ruim pra diabo. A situação que eles criam, os personagens idiotas colocados ao redor de Danny Rand saídos diretamente do “livro dos estereótipos cagados dos filmes de ação dos anos 80”...

Enquanto adaptação, Punho de Ferro funciona? Sim. É bastante fiel aos gibis, eu diria. Talvez até, das quatro, a adaptação mais FIDEDIGNA às HQs. Mas fiel aos gibis ruins que são ruins PRA CARALHO, o que não ajuda em nada. Não precisava ter ido lá muito longe. The Immortal Iron Fist, do Ed Brubaker com o Matt Fraction. Era só ler os primeiros números, beber daquela fonte e seguir em frente. Funcionaria que é uma beleza. Talvez ficasse deslocado enquanto Defensores? É, talvez. Mas funcionaria como SÉRIE. Única, fechada, começo, meio e fim. O que deveria ter sido, e sempre deveria ser, a primeira preocupação dos caras, aliás.

Vamos ser honestos aqui: eu juro que não teria problemas com Punho de Ferro se a série de fato abraçasse este lance de filme ruim dos anos 80. Sério. Mergulha de cabeça na galhofa, se for o caso. Escancara a trilha sonora em tecladinho, arromba nos diálogos fáceis e nas frases de efeito, no personagem principal com uma citação de sabedoria oriental pra cada situação, como um imenso livro de autoajuda ambulante e entra pelo menos no espírito do “é tão ruim que fica bom”. Só que isso não combinaria com o clima das séries anteriores. Não, senhor. Aí, Punho de Ferro teve que tentar se levar a sério. Teve que tentar ser “sombrio”. Ficou tentando se equilibrar e acabou ficando no meio do caminho.

Aí, infelizmente, é a gente que não consegue levar o Punho de Ferro a sério.