O Thanos do cinema é mais interessante que o dos gibis | JUDAO.com.br

Todo o amor do mundo pelo Jim Starlin, tá tudo bem. Maaaaas… é preciso ser justo aqui, né?

SPOILER! Que os vilões são um dos grandes problemas dos filmes da Marvel desde sempre, isso não é novidade pra ninguém. Da mesma forma que tá claríssimo que o próprio estúdio, quando deixa de lado a opção óbvia de fazer versões dos protagonistas como os malvadões da vez (tipo o Jaqueta Amarela pro Homem-Formiga, o Monge de Ferro pro Homem de Ferro ou o Kaecilius pro Doutor Estranho), tem a resposta pra esta questão ao dar um mínimo de camadas e um propósito mais claro e profundo aos seus antagonistas. Vejamos o Zemo em Guerra Civil e, principalmente, o Killmonger em Pantera Negra. É isso. Dá pra fazer. E bem.

Depois de assistir a Vingadores: Guerra Infinita, ufa, ainda bem, descobrimos que o Thanos está mais pro segundo time do que pro primeiro — tá bom, ele não seria um doppelgänger de qualquer maneira, mas é bastante prazeroso perceber que ele é mais do que apenas uma máquina de combate roxa que desceria o cacete nos Vingadores.

Aliás, não é MESMO exagero quando a gente diz aqui que ele é, de fato, o grande protagonista de Guerra Infinita. A história gira bem mais em torno dele, que não é somente um maníaco egocêntrico com uma risada maquiavélica em busca de um conjunto de Joias que podem garantir-lhe a dominação do universo, do que de qualquer Capitão América, Thor, Hulk ou Homem de Ferro. E também não é exagero quando a gente diz que ESTE Thanos cinematográfico é bem mais interessante e multifacetado do que a sua versão dos gibis.

Que o Jim Starlin, este sujeito querido e também criador do roxão, nos perdoe por esta afirmação. Só que não tem como negar: a adaptação superou o original.

Chega a ser curioso, inclusive, lembrar que Starlin tretou com a Marvel, versão editora, e ficou de boas com a Marvel, versão estúdio de cinema, todo amores — justamente a galera que optou por um Thanos tão diferente do que ele mesmo criou, lá em 1973, ao lado de Mike Friedrich, dentro do gibi Iron Man #55. “Meu primogênito sai do ninho para espalhar o caos pelo universo”, afirmou o autor, ao mencionar o orgulho que sentia ao ver sua criação tomar vida nas telonas. Mas, pô, será que ao assistir a versão final do filme, ele sacou que o Titã Louco é justamente o contrário disso? o_O

O Thanos do cinema não é o mal encarnado e tampouco uma representação do caos. O Thanos do cinema quer, isso sim, impor a ORDEM ao Universo. De um jeito absolutamente questionável, pervertido, impondo o genocídio. Mas ele tem uma meta. Uma missão. Que ele acredita religiosamente ser a melhor opção para FAZER O BEM. Sim: este Thanos em película, um trabalho absolutamente brilhante de Josh Brolin, crê que erradicar a metade do universo vai ajudar a colocar as coisas em equilíbrio, vai acabar com a fome e a miséria, vai trazer a PAZ. Ele realmente acha que esta é a verdade e se enxerga como único com coragem para fazer isso.

Não te parece um discurso bastante similar ao de alguns líderes e/ou aspirantes a governantes que dominam as manchetes dos dias de hoje?

O Thanos dos cinemas é mais HUMANO, por incrível que pareça. Mais crível, ainda que seja púrpura e gigantesco. E, exatamente por isso, muito mais assustador. Quando se olha em seus olhos, não se enxerga um dominador em potencial. Mas sim um EVANGELIZADOR. Ou, como diz o Doutor Estranho, um PROFETA.

Nas HQs, Thanos nasceu em Titã, uma das luas de Saturno, filho de Mentor (aka A’Lars) e Sui-San, dois integrantes da raça superhumana conhecida como Eternos. No entanto, ele carrega em seu DNA o gene dos Deviantes, outra raça que também foi um experimento dos seres supremos chamados Celestiais — mas que são muito diferentes, inclusive fisicamente, dos humanos, com uma estrutura genética instável e que muda de geração em geração. Assim sendo, quando Thanos nasceu, sua mãe ficou chocada com sua aparência e tentou matá-lo, acreditando que seu filho poderia eliminar cada forma de vida do universo, mas o pai não permitiu. Ainda jovem, o titã púrpura era um pacifista como o irmão Eros (Starfox). Mas foi na adolescência que descobriu os conceitos da morte e do niilismo, a corrente filosófica que POSTULA que a vida é sem sentido, propósito, e toda a existência é apenas e tão somente vazio.

Thanos então ficou fascinado e passou a venerar a figura da morte. No caso, aqui, em sua forma física, a contraparte da Eternidade, uma entidade que assume aquele clássico capuz preto e com o rosto esquelético que, vez por outra, ganha contornos mais humanos. O Titã logo enlouquece e se apaixona por ela, determinado a mostrar seu amor de uma vez por todas. Conforme se torna adulto, ele amplia seus poderes e força física usando seu conhecimento científico avançado, abandonando seu planeta natal e se tornando um pirata. Mas quando a Lady Morte aparece para ele, tudo fica claro: será necessário um sacrifício para tê-la como sua consorte.

A partir de então, o objetivo dele está muito claro: entregar a maior quantidade de almas possíveis para a sua amada. Primeiro, o seu foco é no Cubo Cósmico, a versão HQ do Tesseract dos cinemas. Ali, ele então é detido pelo Capitão Marvel, o predecessor da Capitã Carol Danvers que também se juntará aos Vingadores nas telonas. Mais tarde, Thanos se aproxima de Adam Warlock, que carrega a Joia da Alma na testa, e começa a sua jornada para reunir as seis Joias do Infinito, que lhe darão o poder supremo para erradicar metade da população do universo. Coisa que, aliás, ele TAMBÉM faz nos gibis. Mas acaba sendo detido por Warlock — que encontra a fraqueza, aliás, no próprio Thanos, alguém que sempre teve um “gatilho”, que jamais acreditou, no ÂMAGO DE SEU SER, que pudesse ser digno do poder supremo.

Estaria aí, aliás, um caminho pra sua derrota em Vingadores 4? A se discutir no futuro. ;)

Outra diferença fundamental entre o Thanos dos gibis e o dos cinemas é a relação do vilão com a Gamora. Nas HQs, ela é a última sobrevivente da raça dos Zen-Whoberis, dizimada pela raça reptiliana dos Badoon (originalmente, antes de uma mudança da linha temporal, tinha sido a organização intergaláctica Igreja Universal da Verdade). Thanos encontra a menina e a cria como sua filha, com o objetivo de treiná-la para matar ninguém menos do que Magus, a versão maligna e alternativa de Adam Warlock que, vejam só, criou a tal Igreja. Depois de uma missão fracassada, que a deixou quase morta, o Titã não apenas restaura sua saúde mas instala amplificadores cibernéticos de desempenho que a tornam ainda mais forte, ágil e letal.

Mas quando Gamora conhece Adam, Drax, o Capitão Marvel e mesmo os Vingadores, percebe que existe algo de errado e que Thanos é uma ameaça ainda maior do que Magus. E logo ela se torna inimiga do grandalhão e sua luva repleta de joias, tornando-se inclusive parte da metade do universo que ele apaga da existência.

Nos cinemas, no entanto, Thanos salva Gamora quando ele mesmo se preparava para erradicar metade do planeta natal da garota por aparentemente se sentir tocado ao ver a coragem que ela demonstra. E, claramente, ele a criou pretendendo que a mulher mais perigosa da galáxia se tornasse mais do que sua aliada, mas sua sucessora, que sentasse em seu trono no futuro.

Algo muitíssimo distante da relação que ele tem com a Nebulosa, por exemplo. Este Thanos, no fim, tem sentimentos, ainda que confusos, ainda que de uma maneira estranha e problemática, por alguém além de si mesmo ou de um esqueleto imortal vestindo um capuz preto (não, Caveira Vermelha, não estamos falando de você). Pra ele, a Gamora não é uma arma, mas sim uma herdeira. Alguém que doeria sacrificar pela Joia da Alma.

“Se você pega o Darth Vader e multiplica por dez... nosso objetivo é fazer do Thanos o vilão mais notável do universo Marvel”, explicou o diretor Anthony Russo ao Comicbook.com, numa visita ao set de Guerra Infinita. Pouco tempo antes, seu irmão Joe já tinha dito algo bem semelhante: “Eu queria que o Thanos fosse o Darth Vader para uma nova geração. Ele é um personagem incrivelmente intenso. Um sociopata. Alguém que não faz prisioneiros”.

A comparação numérica de Anthony talvez seja mesmo exagerada, mas o que Joe quis dizer com “Darth Vader para uma nova geração”, até que faz algum tipo de sentido, em especial se entendemos este Thanos de um jeito diferente do Thanos quadrinístico.

“A verdade é que sempre enxerguei em Vader um antagonista multifacetado. Definitivamente, não estamos falando de um malvadão cujo objetivo é conquistar cada vez mais poder (político, principalmente) e tentar dominar o universo”, afirmei neste texto sobre o livro canônico Lordes dos Sith. “O que move Darth Vader é algo muito diferente, e a gente vai descobrindo exatamente o que é via Universo Expandido. (...) Ele não usa a Força focado na sede pela destruição: o combustível para que ele se conecte ao seu poder especial é o ódio. A raiva que sente não de seus inimigos, mas de si mesmo”.

No fim, talvez Thanos de Darth Vader se pareçam essencialmente pela questão das CAMADAS. Vilões, sem dúvida. Mas de um jeito que, sob as condições certas de temperatura e pressão, talvez qualquer um de nós também pudesse se tornar.