Que tal curtir um show SEM o seu celular, pra variar um pouco? | JUDAO.com.br

A sugestão feita para a apresentação dos gigantes do rock progressivo King Crimson para a primeiríssima apresentação deles no Brasil pode parecer surpreendente, mas não é exatamente uma novidade — e deve se tornar uma tendência. AINDA BEM.

Aqui no JUDAO.com.br, a gente já usou esta expressão algumas muitas vezes: EXPERIÊNCIA. Se você não consegue ficar 2h da sua vida sem checar a sua timeline do Facebook ou as mensagens pendentes do WhatsApp enquanto assiste a um filme, iluminando a vida de todo mundo com a sua telinha mágica numa ambientação cuja graça é justamente a escuridão, a completa imersão na história que está sendo contada na telona, bom, então talvez fosse o caso de você não estar ali, não é mesmo? É ir ao cinema apenas por ir, para poder fazer check-in, tirar foto do lado do pôster e dizer pra todo mundo “vi aquele blockbuster disputado na primeira semana, antes de todo mundo”.

A mesma ideia pode tranquilamente ser migrada para eventos artísticos com um maior potencial de interação social, tipo um show. É um lugar mais “aberto”, estar ali cercado de pessoas gritando JUNTO com você numa catarse coletiva que faz parte da tal da experiência. Mas do tipo que TAMBÉM pode ser arruinada pela dependência de registrar tudo o tempo todo, fazer foto pro Insta, Stories, vídeo pra compartilhar no WhatsApp e subir no YouTube assim que chegar em casa... O problema, na real, é bem menos sobre filmar e fotografar, sobre o ato em si, já que não existe a questão dos direitos autorais que é inerente a sair filmando as coisas no cinema. Mas é principalmente sobre POR QUE FILMAR?

Existe, antes de qualquer coisa, uma questão mais FÍSICA, sabe? Celulares são naturalmente pequenas máquinas geradoras de LUZ. Fotos e vídeos com algum tipo de flash, ainda mais no caso daquela galera que fica BEM perto do palco, não apenas podem atrapalhar toda a pirotecnia preparada pelo time do artista, os jogos de luzes, o fogo irrompendo na escuridão, como também podem piscar NA CARA do sujeito com o microfone na mão. No fim, isso pode causar uma reação extremada como a de Rob Halford, vocalista do Judas Priest, que em maio deste ano, durante uma apresentação da banda em Chicago, meteu uma bicuda no celular de um fã que estava gravando quase grudado no palco.

“O fato é que amamos os nossos fãs e vocês podem nos filmar o tanto quanto quiserem e assistir nosso show nos seus telefones ao invés de ao vivo”, afirmou o comunicado oficial da banda depois do incidentes. “No entanto, se você fisicamente interfere com a performance do Deus do Metal, agora você sabe o que vai acontecer”.

Olha só, a gente ama o Rob, tá, ele é o Metal God, esta coisa toda. Mas é preciso admitir que esta justificativa é BEM da babaca. O músico pode ter ficado puto depois de ser submetido ao flash recorrentemente, isso é compreensível, mas uma bronca enquanto medida educativa talvez funcionasse melhor do que literalmente socar a bota em alguém, num movimento que poderia ter causado um ferimento mais grave.

Mas, deste episódio, podemos tirar duas coisas: a primeira é que, de fato, os músicos estão ficando mesmo de saco cheio da presença onipresente dos celulares enquanto espectadores de um show. Dessa justificativa, tem um pedaço que vale a pena destacar: “vocês podem nos filmar o tanto quanto quiserem e assistir nosso show nos seus telefones ao invés de pessoalmente”. Perceba que existe um considerável tom de ironia aqui e que, apesar dos pesares, faz bastante sentido: você REALMENTE quer ir ao show do seu artista/banda favorito e presenciar aquela oportunidade única olhando não diretamente para eles, mas através de uma tela? Você realmente não sente que está perdendo nada?

Esta é um pouco a ideia por trás da apresentação que os ingleses do King Crimson farão no Brasil dia 4 de outubro, no Espaço das Américas, em São Paulo, antecipando o show que farão no Rock in Rio dois dias depois. Tamos falando daquela que vai ser a PRIMEIRA vez que os caras subirão ao palco por aqui em seus 50 anos de carreira. Não é pouca coisa. E, justamente por isso, eles querem fazer algo especial — uma parada chamada PHONE FREE CONCERT.

“Sabe o que é isso? É um show onde as pessoas deixam seus celulares de lado para curtir a performance do artista”, explica a Mercury Concerts, produtora do evento, no anúncio oficial da iniciativa. “Sem fotos, sem vídeo, sem stories. Apenas o que importa: a experiência de ver e ouvir o artista ao vivo!”.

Claaaaaaaaaaaro que você bem pode imaginar a reação que a ideia causou nas redes sociais da empresa, bombardeada de críticas e questionamentos. A principal pergunta: os celulares vão ficar retidos na porta? Exatamente como acontece em eventos exclusivos de grandes lançamentos de cinema, por exemplo? Seria bem difícil, já que a quantidade de gente presente é sensivelmente maior. “Não será proibido entrar com o celular. O que não é permitido é filmar e fotografar o show. É um pedido da própria banda”, explicam eles.

Ainda não se sabe exatamente que medidas serão tomadas caso as pessoas resolvam tirar seus celulares e começar a fazer este tipo de registros (“Coitados, não conhecem o Brasil”, disse um comentário, reforçando que por aqui este tipo de proibição pode ter justamente o efeito contrário). Mas enquanto tem gente que resolve evocar os ~direitos do consumidor (“É um absurdo, paguei uma fortuna, como assim, é minha prerrogativa fazer o que eu quiser e...”, você entendeu o ponto), vale lembrar que alguns artistas sabem muito bem evocar os seus próprios direitos — como é o caso de Peter Frampton.

O veterano guitarrista inglês não só já começou a tocar DE COSTAS pra plateia depois de ter seu pedido de “para de filmar aí, galera” negado por um casal na primeira fila (advertidos pelos seguranças e pelo próprio artista, na frente de todo mundo), como inclusive chegou a sair do palco, para depois retornar e arrancar o aparelho das mãos dos fãs inconvenientes. “Quando eu vou fazer um show, é a minha hora, é sobre mim. Você vem pra ME ver”, explicou Frampton, mais um adepto do PHONE FREE CONCERT. “Você não está mesmo me vendo se está com um PAU DE SELFIE assistindo a um vídeo. É muita distração”.

Don Henley, membro fundador e atual líder dos Eagles, não só concorda com o colega como foi ainda mais radical, simplesmente PROIBINDO celulares nos shows da banda e chegando a fazer fãs serem expulsos depois de repetidos avisos. “A loucura, a falta de educação, a insensatez, tudo isso tem que parar”, afirmou o músico, em comunicado oficial. “Olhar constantemente o mundo por meio de uma tela não é VER. Escutar música ao vivo enquanto grava num smartphone ou manda mensagens a cada cinco segundos não é ouvir. Experimentar a vida em segunda mão não é viver. Esteja ali AGORA”.

Mas como a gente está falando do King Crimson, do Frampton, do Henley, você pode vir com a desculpa de que isso é coisa de roqueiro véio e mala, que não está acostumado com tecnologia... Então, sabe o que rolou ESTA SEMANA num show dos Racounters, banda liderada por Jack White, na cidade de Oakland, nos EUA? “Gravação de fotos, vídeos ou áudios não são permitidas”, informou previamente o local de realização das apresentações a todos os interessados em comprar ingressos. “Achamos que vocês vão gostar de afastar de seus aparelhos um pouquinho e experimentar música e nosso amor por ela PESSOALMENTE”. Quando o público chegou, todos os telefones foram embalados numa bolsinha chamada Yondr, criada especialmente pra isso. São acessórios que fecham com uma trava proprietária e têm um dispositivo para desbloqueá-las. “Você fica com ela ao longo de todo o show e, se precisar, pode destravar a qualquer momento em uma Yondr Phone Zone localizada no lobby. Curta uma experiência livre de telefones e 100% humana”.

Falando com o Channel 4, White conta que ele, pessoalmente, não tem um celular, e que sempre se considerou uma espécie de anomalia no mundo moderno ao ver todas as pessoas na rua com a cara grudada no dito cujo. Quando veio com a ideia, estabelecida desde o ano passado, de banir os celulares de seus shows, ele chegou a pensar nisso como um “projeto artístico”, algo que as pessoas poderiam entender como sendo ~cool ou apenas uma nova experiência. “Algo como uma escape room ou algo assim. ‘Ei, não seria legal termos este show aberto e nós dizendo pra todos que aparecerem que não podem usar seus celulares?’. Pensei que os primeiros ficariam bravos o suficiente até pra pedir o dinheiro de volta. Mas para a nossa surpresa, todos amaram”.

Uma das grandes atrações deste ano no hypado festival Coachella, um evento que é objeto de desejo também por ser altamente INSTAGRAMÁVEL, o cantor e faz tudo da porra toda Childish Gambino, aka Donald Glover, também apelou pro emocional da galera. “Abaixem os telefones, estamos tentando trazer algo especial pra vocês aqui”, convocou, do palco. “Isso não é um show. Pense nisso como uma igreja. Se você veio aqui pra ouvir sua canção favorita, deveria ir pra casa e escutar lá. Se você veio aqui só pra tirar fotos pro Instagram, devia virar as costas e ir embora. Eu quero que vocês todos SINTAM isso”.

A palavra é RIGOROSAMENTE esta: sentir. Um show é uma experiência para todos os sentidos, para ouvir a música, ver o artista e tudo que ele preparou para o palco, ainda que seja uma produção pequena, intimista, acústica, banquinho e violão. Nesta carreira de cobertura de shows, eu já tive a chance e a sorte de poder ver mais de 100 diferentes artistas ao vivo, entre brasileiros e estrangeiros, dos mais diferentes gêneros musicais. E nunca tirei o celular do bolso, quando muito para ver as horas.

Aquele momento é meu. Porque cada show é, ou pelo menos DEVERIA SER único, especial exclusivo. Algo que não está no CD, no streaming da canção num Spotify ou Deezer da vida. E quando a gente se preocupa apenas com registrar uma lembrança, mal sabemos que no fundo estamos é perder a chance de levar uma lembrança conosco. Pra sempre.