E ainda é muito bizarro ter que ficar repetindo isso, como uma espécie de mantra…
OBRAS DO ACASO Quando a gente coloca uma máxima — uma verdade absoluta — na cabeça, não é fácil de tirar. Estamos todos vendo isso na prática, certo? Posts e mais posts de discussões sem fim no Facebook, com todo mundo querendo confirmar seu ponto sem dar o braço a torcer.
Porém, existem algumas máximas que são bem simples de serem desmistificadas. Basta uma saída rápida de casa, algum dinheiro, um drops e uma boa companhia (mesmo que seja a sua). Estou me referindo, é claro, ao cinema nacional.
É chocante que ainda seja necessário fazer um post mostrando que o cinema brasileiro vive hoje uma incrível fase. Já se vão muitos anos desde que filmes cada vez melhores brigam por espaço nas salas de cinema. Só não vê isso quem não quer.
Aí vão três filmes nacionais que farão você repensar seus preconceitos. Dois deles já estavam em cartaz e outro, A Esperança É a Última que Morre, tá estreando hoje (3).
Tudo caminha para esse ser o filme brasileiro do ano. Já se fala até de indicação ao Oscar, apesar de isso ser frequente e se assemelhar mais a clima de Copa do Mundo do que a qualquer outra coisa. Mas realmente seria pra lá de justo ver Regina Casé indicada ao prêmio.
Atriz importantíssima para o cinema brasileiro nos anos 80, Casé colocou a atuação em segundo plano para se dedicar ao trabalho como apresentadora. Desde Eu, Tu, Eles (2000) que ela não se arriscava em um projeto mais relevante como atriz no cinema.
E o que ela faz em Que Horas Ela Volta? é assombroso.
No papel da empregada doméstica Val, Casé lidera um elenco inteiramente perfeito e sem nenhum ponto fraco. Com destaque, é claro, para Camila Márdila, que vive sua filha, Jéssica. As duas dividiram o prêmio de atuação do festival de Sundance, em janeiro deste ano.
Sob comando da diretora Anna Muylaert, Que Horas Ela Volta? funciona em muitos níveis. O principal, e mais óbvio, é como crônica social do momento do País. Val, trabalhando e morando na casa de uma família há muitos anos, precisa aprender a lidar com a chegada da filha, que vem a São Paulo para prestar vestibular.
Jéssica é o objeto estranho dentro de uma engrenagem que funcionou do mesmo jeito desde sempre. Sua chegada desestrutura a dinâmica da casa, mudando a rotina de todos. Um impacto tão intenso que chama atenção especialmente por ser causado por uma pessoa absolutamente comum.
A presença de Jéssica causa estranhamento não por ela ser de fato estranha, mas sim por ela ser igual a seus anfitriões. No caso, os patrões de sua mãe. E a mansão não está acostumada a lidar com quem mora no quartinho dos fundos falando como eles, comendo como eles e prestando vestibular como eles.
Muylaert entregou uma obra contundente e precisa, mas sem apelar para soluções fáceis. Mesmo o suposto excesso de vilania atribuído à personagem de Karine Telles – excelente como a mãe e dona da casa — não incomoda. Não é raro encontrarmos pessoas com os mesmos preconceitos e atitudes da dominadora Bárbara.
A crítica de Que Horas Ela Volta? é incisiva e sutil ao mesmo tempo. Um filme que sabe que não abre mão da diversão para contar sua poderosa história.
Diretor do ótimo documentário Simonal — Ninguém Sabe o Duro Que Dei, Calvito Leal muda de gênero em sua primeira experiência em um longa de ficção. E a mudança aconteceu com um projeto que ele vem desenvolvendo já há alguns anos.
Dani Calabresa estreia como protagonista vivendo a inocente Hortência. Repórter na pequena cidade de Nova Brasília, ela vê a chance de conseguir destaque em sua carreira ao inventar um serial killer com a ajuda de dois amigos que trabalham no IML.
Chamado de Assassino dos Provérbios, o falso matador começa a fazer vítimas e aterrorizar a pequena cidade. O circo da mídia se arma em torno do acontecimento, catapultando Hortência para o estrelato.
Claramente bebendo na fonte de comédias sobre jornalismo, como O Âncora e Abaixo o Amor, este A Esperança… é uma comédia genuinamente simpática e criativa. Um raro exemplar do gênero no Brasil que não se apoia apenas em tipos ou personagens surgidos na televisão.
E consegue fazer rir com um roteiro simples e direto ao ponto.
A apresentadora e comediante é feliz ao retratar as mudanças de sua personagem. E o filme ganha pontos com a atuação do normalmente exagerado Rodrigo Sant’anna, aqui muito mais contido e engraçado que de costume.
A direção segura de Leal se faz sentir no tom singelo do filme, que confia em seu roteiro para fazer rir e não precisa se apoiar em personagens exagerados ou gritarias desnecessárias.
A simplicidade também dá o tom na estreia em longas do diretor brasiliense Iberê Carvalho. O Último Cine Drive-In ambienta em Brasília uma história que é feliz ao retratar uma relação destruída entre pai e filho e ao fazer uma bela homenagem ao cinema.
Marlombrando (Breno Nina) volta para a capital federal para acompanhar a mãe, internada no hospital com uma doença grave. Enquanto isso, precisa se reaproximar do pai (Othon Bastos), dono de um decadente cinema drive-in (não daqueles que você está pensando, apesar deste também ser utilizado por casais mais empolgados).
Afastado do pai há muitos anos, Marlombrando faz um retorno à sua infância ao voltar a frequentar o negócio de sua família. Mas não é uma missão simples. Pai e filho precisarão reconectar os laços que um dia tiveram. Uma tarefa muito dolorosa e recheada de mágoas, silêncios incômodos e ausências nunca explicadas.
Mesmo tratando de temas áridos, O Último Cine Drive-In cadencia o ritmo de sua narrativa de forma bastante eficaz, fazendo com que sua história se torne progressivamente mais sensível e emocionante.
Um filme que trata das mudanças inevitáveis na vida de todo mundo, representadas na própria família em frangalhos, no cinema como forma de arte e na cidade de Brasília, lindamente fotografada em tons decadentes.
Mesmo sendo um filme muito menos otimista e fácil que os dois anteriores, ele encontra espaço para a esperança e para o bom humor. E, sem apelar para sentimentalismos fáceis, entrega para a audiência uma jornada emocionante e recompensadora.