Midsommar e a nossa eterna necessidade de pertencer | JUDAO.com.br

Midsommar – O Mal não Espera a Noite não é um filme fácil de absorver e, como afirmado pelo próprio diretor e roteirista, Ari Aster, a vida é sofrimento e é libertador encontrar catarse em uma história tão dolorosa.

Bastou um único filme para que o diretor e roteirista Ari Aster chamasse a minha atenção abordar temáticas tão comuns de forma tão inquietante e tão inesquecível. Se seu primeiro longa-metragem, Hereditário, falou sobre nossas heranças familiares enquanto redefinia o que é sentir medo, Midsommar — que, enfim, estreia no Brasil — aborda a nossa necessidade instintiva de pertencer a algo.

Escrito e dirigido por Aster, Midsommar acompanha Dani (Florence Pugh), uma estudante universitária que vive longe da sua família e se vê à beira de um ataque de ansiedade com uma mensagem que recebeu da irmã com transtorno bipolar. Lidando com sua própria saúde mental, Dani está constantemente preocupada em aguentar o peso de todos em suas costas e não consegue sentir que tem alguém em quem pode realmente se apoiar — principalmente seu próprio namorado, Christian (Jack Reynor), que cansado dos inúmeros problemas e das crises da namorada, planeja terminar com ela.

Quando um evento trágico deteriora ainda mais a frágil saúde mental de Dani, Christian engole a vontade de terminar o relacionamento e a acaba convidando, meses depois, para uma viagem de férias para a Suécia inicialmente marcada exclusivamente com seus amigos, todos estudantes de antropologia, onde eles planejam pesquisar sobre uma pequena comunidade isolada que organiza todo ano uma festa pra comemorar o solstício de verão. Além, claro, de socializar com as mulheres locais. :P

Durante a divulgação do filme (que estreou realmente no meio do verão americano, como o nome pede), Ari Aster comentou em entrevistas que Midsommar foi escrito durante o término de um relacionamento e um desejo de falar sobre separações. Segundo o cineasta, era difícil conectar os pontos sobre a história que ele queria e a situação que passava, principalmente porque Aster não estava bem psicologicamente, já que o rompimento foi bastante doloroso. Depois de sentar e pensar com calma no tipo de história que queria contar, ele encontrou uma maneira de misturar um terror folclórico com uma trama muito pessoal.

Com a história focada no ponto de vista de Dani, o tempo todo lidando com crises de ansiedade e uma profunda depressão basicamente sozinha, Christian é como um conjunto de muitas mágoas. Cansado de sempre ser o apoio da namorada, ele acaba se afastando cada vez mais de Dani e chega a ignorar seu horror quando assiste ao início das festividades. Enquanto ele e seus amigos estão bastante empenhados em ver as ações da comunidade como parte de uma herança cultural e religiosa que merece ser respeitada – mesmo que algo definitivamente pareça fora do lugar -, é Dani que se torna cada vez mais atraída pela comunidade e pela promessa de estar com pessoas que realmente se importam com seu bem estar.

O principal problema de Christian e seus amigos não é pensarem que o namoro deveria acabar, porque é bastante óbvio que ele não está funcionando há muito tempo. Mas o que causa aversão automática ao grupo é a explícita falta de empatia por alguém que está gritando por ajuda, mesmo que Christian não seja exatamente um monstro, já que todos temos necessidades emocionais.

Com pesadelos sobre ser abandonada pelas poucas pessoas que ainda estão por perto, Dani está desesperadamente desejando pertencer a algo, já que todos ao seu redor vêem suas mudanças de humor, luto e depressão como um fardo incômodo demais para compartilhar com ela. A personagem é sugada aos poucos à um mundo onde as pessoas desejam que ela compartilhe suas dores, mesmo que essa comunidade não seja nada parecida com um doce conto de fadas ou qualquer coisa minimamente normal. E quem não quer conviver com pessoas que entendem, aceitam e compartilham suas dores? Todos já fomos atraídos por promessas como essa, mesmo que ela esteja se condenando à viver em uma sociedade que cria suas próprias vítimas à partir dos seus costumes – Ruben, que é tratado mais como um símbolo desses costumes que como uma pessoa, é um ótimo exemplo disso.

Midsommar é uma história que você consegue facilmente entender o que vai acontecer se prestar atenção com calma em todos os detalhes — muitos deles desenhados explícitamente nas paredes, em tecidos e logo na primeira imagem do filme. Diferente de histórias de terror usuais, não existem surpresas narrativas ou grandes viradas na trama, porque o diretor telegrafa todas as suas futuras ações a partir dos costumes culturais e religiosos dessa pequena comunidade. O ponto é chegar exatamente ao lugar onde você sabe que a história está indo. Nesse sentido, Midsommar causa a mesma sensação de inevitabilidade de Hereditário e a certeza de estar sendo cozido à fogo baixo, bem lentamente.

Mesmo sendo extremamente angustiante, Midsommar tem momentos estranhamente engraçados e feitos exatamente para você ter essa reação. A catarse pelo medo e o riso estão separados por uma linha muito fina e algumas cenas causam essa reação automática de gargalhar, seja pelo absurdo da situação ou pelo nosso óbvio desconforto com o que estamos vendo.

Tal qual Hereditário, Midsommar não é um filme fácil de absorver e, como afirmado pelo próprio cineasta, a vida é sofrimento e é libertador encontrar catarse em uma história muito dolorosa. Aster está mais preocupado em fazer você sair da passividade assistindo ao filme que em momento algum parece ter suas 2h27 de duração, do que entregar explicações e sensações em uma bandeja. Por isso mesmo, deixo uma dica preciosa pra você: não tente procurar mitologias suecas ou folclores nórdicos para explicar a profundidade desse filme. A trama é muito mais simples do que parece e, por isso mesmo, se destaca tanto.