ROMA é uma porrada. Mas uma porrada maravilhosa. | JUDAO.com.br

Diretor mexicano Alfonso Cuarón entrega seu filme mais pessoal e com a mensagem mais poderosa.

Com quase 30 anos de carreira, Alfonso Cuarón é um diretor que reconhecidamente gosta de explorar histórias e gêneros diferentes, como os dramas A Princesinha (1995) e E Sua Mãe Também (2001), a fantasia Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban (2004) e os thrillers de ficção científica Filhos da Esperança e Gravidade, que lhe rendeu um merecido Oscar de Melhor Diretor – o primeiro de um diretor mexicano.

Sendo vagamente autobiográfico, ROMA é seu trabalho mais pessoal e explora um ano de sua vida no México em 1970. A história acompanha Cleo (Yalitza Aparicio), uma jovem trabalhadora doméstica de uma família de classe média alta que mora no distrito ROMA, na Cidade do México. Lá, o foco está nas pequenas – e grandes – coisas cotidianas, nas alegrias e nas tristezas da vida de Cleo. Assim como a vida, Cuarón mostrou em seu novo filme os pequenos momentos de conforto e desilusão que encontramos pelo caminho.

Constantemente, Cuarón nos mostra como a linha entre a posição de empregada e membro dessa família podem se misturar, mas nunca deixa de mostrar que existe uma inerente hierarquia social. Mesmo com todo o amor que essa família oferece à Cleo, ela ainda é uma funcionária e essa dinâmica não muda.

Pelos olhos dela, o diretor também mostra que, apesar de classes sociais diferentes, Cleo e Sofia (Marina de Tavira), sua chefe, compartilham o mesmo sentimento quando são abandonadas pelos homens em suas vidas. “Não importa o que eles dizem, nós mulheres estamos sozinhas”.

Além do majestoso retrato íntimo de uma família, ROMA também apresenta um retrato mais amplo de uma nação em constante turbulência. O filme imerge o público em uma recriação do tumultuoso passado não tão distante do México. Com novos cenários e olhares, cada sequência revela a pluralidade social de um pedaço do país. É inevitável não lembrar da nossa própria realidade.

A história de ROMA é toda pautada por lembranças, e Cuarón explorou suas próprias memórias de uma maneira genial. Quando temos uma lembrança de um tempo específico das nossas vidas, nos recordamos do que sentimos, de alguns detalhes desses lugares, de quem estava conosco nesses momentos, mas dificilmente nos lembramos das cores vivas. Geralmente, nossas lembranças são em branco e preto, assim como em ROMA. Assistindo a esse filme, você sente que está dentro das memórias de Cuarón, e isso torna tudo extremamente íntimo.

Mas o esforço do diretor em contar uma história tão impactante se perderia sem um elenco capaz. A estreante Yalitza Aparicio entrega uma atuação extremamente hipnotizante, além de convincente. Sua Cleo tem simplicidade e suas expressões falam muito sobre suas emoções, mas nem sempre revelam tudo sobre o que ela pensa ou sente. O mesmo LOUVOR vale para Marina de Tavira, que interpreta uma mulher perdida que não sabe lidar com sua própria angústia.

ROMA tem também um impressionante design de produção criado por Eugenio Caballero, um mexicano que levou o Oscar de Melhor Direção de Arte por O Labirinto do Fauno. Essa é a primeira vez que ele e Cuarón trabalham juntos, e Caballero conseguiu nos introduzir tanto na vida dos personagens, quanto na fervilhante Cidade do México. Existe uma enorme quantidade de detalhes em cada cenário e rua por onde os personagens passam, tornando completa essa imersão nas memórias do diretor. Mas o detalhe mais importante é que que ele filmou na mesma casa onde viveu com sua família durante a juventude e, inclusive, diversos dos móveis presentes na casa foram emprestados por sua própria família para reproduzir a sua casa da forma mais fiel possível.

Alfonso Cuarón dirige Yalitza Aparicio em ROMA (que é todo em maiúscula, mesmo)

Outro ponto técnico que deve ser salientado é a fotografia, que normalmente seria feita pelo amigo Emmanuel Lubezki, mas problemas de agenda o impossibilitaram de participar do projeto. Sem opções de confiança, Cuarón acabou assumindo o cargo — além de escrever, dirigir, produzir e editar... Nada como ser multitarefas — e fica claro que ele definitivamente aprendeu algo com Lubezki. Com um visual monocromático, o diretor acentuou alguns detalhes dos ambientes e nas atuações do seu elenco, tornando personagens e locais ainda mais vivos. ROMA oferece longas e hipnotizantes sequências logo nos minutos iniciais e, em um momento específico do filme, a câmera conseguiu enquadrar um avião passando perfeitamente atrás do arco dos braços de alguém. Tudo parece tão perfeitamente coreografado que, conhecendo o diretor, talvez tenha sido mesmo.

Mas Cuarón também se preocupou com um ponto que normalmente passaria despercebido por outros realizadores: o design de som complexo e surpreendente torna o filme ainda mais imersivo. Assim como Cleo, Sofia, as crianças e a própria cidade, o som acaba se tornando um personagem importante dentro do enredo.

É impressionante quando um realizador como Cuarón abre o coração e cria uma obra-prima como ROMA. O filme é uma belíssima carta de amor às mulheres mais presentes na vida do diretor, mas também é uma linda homenagem à todas as mulheres que sentiram o peso de criarem os filhos sozinhas.

Portanto, guarde o nome desse filme. ROMA. Você vai ouvir muito sobre ele nos próximos meses e, esperançosamente, nos próximos anos também.

ROMA na Mostra

31 de Outubro, às 19h30, no Auditório Ibirapuera

O filme estreia em Dezembro no Netflix.