Sabe aquele papo que Hereditário é tipo um novo Exorcista? Não é exagero. | JUDAO.com.br

Todos aqueles superlativos dados ao perturbadoramente assustador filme de Ari Aster são reais e oficiais. Só que ele também é MUITO mais do que isso!

Eu não sei qual foi a experiência de ter assistido a O Exorcista nos cinemas, quando lançado em 1973, por motivos de não ser nascido ainda. Mas conheço relatos de gente que jura de pé junto que o pai, mãe ou qualquer outro parente viu a obra-prima de William Friedkin nas telonas e passou mal, ficou sem dormir, colocou o terço na cabeceira da cama, deixava a Bíblia no criado mudo, ficou traumatizado por toda uma vida, por aí vai.

Preciso confessar que o gênero terror, enquanto experiência na sala de cinema, infelizmente não me atrai. Em quase 100% das vezes, eu assisto aos filmes de terror que chegam ao Brasil nas tais cabines de imprensa realizadas pelas distribuidoras, umas sessões prévias exclusivas pra jornalistas para que eles possam escrever as críticas como as que vocês costumam ler aqui no JUDAO.com.br.

Não tenho saco de ir às sessões do circuito “normal”, porque, bem, digamos que o público médio das salas anda sendo um chute nos FUNDILHOS, ainda mais quando se trata de um filme que precisa de atmosfera, silêncio, escuridão e imersão, como são muitos os casos no horror.

Hereditário, no entanto, eu tive a oportunidade de assistir na pré-estreia aqui em São Paulo, em uma sala lotada de não-jornalistas e digo que esta foi a MELHOR coisa que me aconteceu. Afinal eu pude, com esses olhos que a terra há de comer, acompanhar a reação de gente tapando o rosto, se encolhendo na cadeira, gritando, dando risada de nervoso e passando mal de medo e aflição DE VERDADE – principalmente no DESCARRILAR que é o terceiro ato.

Então, sabe aquele papo todo, desde que o filme foi exibido em Sundance, de que Hereditário é “o novo O Exorcista”? Neste sentido, dá pra dizer que é a mais pura e assustadora verdade!

Todos os superlativos e hipérboles que têm sido usados para descrever o filme (inclusive os meus próprios, que vocês vão ler ao longo deste texto) são reais e oficiais. Pode pegar o bonde do hype sem a menor preocupação. Só que é preciso um aviso: a experiência de assistir a esse filme requer estômago, pois ele vai te abraçando na escuridão e te preparando para uma dose cavalar de tensão, perturbação e desgraçamento mental, que vem chegando de fininho e te acerta de jeito.

A minha reação, gato escaldado que sou, ao acender as luzes da sala, foi tentar recobrar o ar que me faltava, colocar os nervos no lugar e esperar as pernas pararem de tremer para conseguir sair do lugar, em um misto de choque e empolgação, tentando conceber o que A FODA foi aquilo que tinha acabado de acontecer na minha frente nas últimas duas horas.

Hereditário é terror psicológico com T maiúsculo, que te deixa desconfortável do começo ao fim. Toda a fatídica sequência do acidente, por exemplo, é das coisas mais angustiantes já vistas, te deixando tão sem rumo e arruinado quanto os personagens em questão, para fechar com tamanha crueldade desmedida numa das cenas mais DANTESCAS do cinema.

Ari Aster, em seu primeiro longa metragem (já seguindo a tradição de gente como Robert Eggers e David Robert Mitchell) não está nem um pouco preocupado em aliviar a barra e descarrega uma jamanta emocional de drama familiar pungente, diálogos acachapantes e situações sufocantes e tétricas bem na sua cabeça. O objetivo? Causar desconforto a todo momento e preparar o terreno para o terror primal, oculto, numa direção primorosa que apela para uma imagética poderosa, herege, repleta de simbolismo, sem cair no clichê, maniqueísmo e fórmulas prosaicas em momento algum.

Vira e mexe ele brinca com seu subconsciente em um jogo de luz e sombra, colocando elementos amedrontadores nos cantos escuros da tela e figuras sinistras inexplicáveis a torto e a direito, sem ABSOLUTAMENTE nunca apelar ao jumpscare ou qualquer outro recurso pobreta.

Como se isso não bastasse, a trilha sonora cabulosa de Colin Stetson vai te envolvendo numa crescente de desespero igualmente assustador e atmosférico, que te deixa sem fôlego, tudo isso embrulhado num pacote vintage que remete não só ao supracitado O Exorcista, mas outros grandes clássicos da conspiração com o Coisa-Ruim, como os cinquentões O Bebê de Rosemary As Bodas de Satã e o quarentão A Sentinela dos Malditos.

Claro, impossível não se render à atuação beirando a histeria de Toni Collette, maravilhosa, visceral, encarnando com unhas, dentes, caras, bocas e cabelo desgranhado o tour de force da personagem amaldiçoada por incontáveis perdas familiares e que aos poucos vai se encaminhando às raias do descompasso. Mal sabe ela que o buraco deixado por sua mãe, que falece logo no começo do filme e é o gatilho para a insanidade que toma conta de cada metragem da película, é MUITO mais embaixo. LITERALMENTE!

E, justiça seja feita, Collette está muito bem acompanhada pelo restante dos atores que interpretam sua família, uma combinação da estranheza de Millie Shapiro, da resignação de Gabriel Byrne e da entrega total de Alex Wolff.

Hereditário é um rolo compressor de pavor, uma aula do sinistro, a sublimação do cinema de horror desse novo século. É a êxtase cinematográfica e sinestésica de todo um gênero, capaz de deixar qualquer espectador com os nervos à flor da pele, com vontade de dar um grito primal e com a cabeça pesando uma tonelada e o coração galopando fora de ritmo no peito. Faz sentir medo até aquele que prefere o mais mainstream dos filmes e reclama nas redes sociais das películas mais paradas, psicológicas e atmosféricas.

Por fim, a minha, a sua e a nossa geração, aquela que nasceu depois de 1973, pode bradar que, tanto em nível de experiência quanto filme de terror, finalmente tem “o seu Exorcista”. Mas pode, acima de tudo, se vangloriar de ter sido testemunha nos cinemas do quanto Hereditário é indubitavelmente um novo marco para o gênero — além de uma de suas mais novas obras primas.