São coisas de Brasil: impeachment e samba no pé | JUDAO.com.br

Não é mole não. Cê é loco, Cachuêra.

“Você viu a quantidade de haitianos que tão vindo pro Brasil? Acha que tem emprego para todos eles?”

“Mais uma sacanagem do nosso prefeito, reduzir a velocidade nas marginais.”

“Olha que gostosa aquela garota ali. Com essa bunda, tem que comer ela logo porque daqui uns anos vai despencar tudo.”

Não tenho carta de motorista e, por consequência, também não possuo um bólido. Ando bastante de táxi e, em um tempo como o que vivemos, tem sido complicado ouvir tanta groselha saindo da boca dos taxistas. Ainda por cima, eu pago por isso. Aliás, a menina das últimas aspas tinha no máximo 15 anos, o “comedor” que falou a frase era um úmido careca com claro sobrepeso, já chegando na casa dos 50.

Essa semana eu li uma reportagem do New York Times sobre a estratégia do Estado Islâmico de transformar meninas e mulheres da minoria Yazidi em escravas sexuais, em ofertá-las a soldados e as usar, inclusive, como chamariz para novos voluntários. O texto choca não apenas por deixar claro que se trata de uma estratégia “estatal”, premeditada e detalhadamente desenhada, mas por não haver escrúpulos em classificar crianças de 12 anos como propriedade de adultos, que podem fazer o que bem entender com elas, de estuprar sistematicamente a vender quando acharem que a pequena não serve mais.

File photo of displaced people from the minority Yazidi sect, fleeing violence from forces loyal to the Islamic State in Sinjar town, walking towards the Syrian border

O caso é que, quando os soldados vão sequestrar essas meninas, eles matam os homens da aldeia. Meninos ainda na puberdade são obrigados a mostrar o peito e, se possuírem pêlos nascendo ali, vão imediatamente para a fila do fuzilamento. Crianças e mulheres de todas as idades são “aproveitadas” por eles.

Abuso aqui da paciência de vocês cinco que lêem essa coluna e peço que vejam o vídeo abaixo, que mais parece uma esquete do Hermes & Renato, só que sem graça.

Vivendo este momento meio surreal, onde fanáticos cristãos são tão influentes, inclusive deputados, senadores ou mesmo vereadores, que espumam ao abordar a questão do ensino da diversidade de gênero nas escolas ou ao tratar a questão da violência contra homossexuais segundo sua própria agenda religiosa, a distância da abordagem brasileña em relação ao trato do Estado Islâmico com minorias, seja no discurso ou nas atitudes, é menor do que a gente gosta de acreditar.

Será que estou viajando?

Essa semana, enquanto imigrantes haitianos pegavam um ar na escadaria da igreja que os acolhe, no centro da capital paulista, um carro parou, uma arma de grosso calibre foi exposta pela janela e seu portador gritou: “VOCÊS VIERAM PRA ROUBAR NOSSOS EMPREGOS!”. Na sequência, o cabra descarregou a arma. Os seis atingidos tiveram o socorro recusado em dois hospitais. Sim, é isso que você leu. Em um terceiro, foram atendidos e passaram os últimos dias se recuperando, alguns em estado grave ou mesmo em choque.

As balas que os atingiram eram de borracha. Sabe aquelas que recheiam as armas que a polícia usa para conter manifestações (não as que são pró ditadura ou impeachment)? Sabe quem tem acesso a essas armas? Eu não sei, mas não deve ser muita gente.

Dá arrepios só de pensar que boa parte da população fica sabendo desse tipo de episódio ao ver no Datena ou no Resende, entre outros canastrões sanguinolentos da gloriosa TV aberta. Vemos todo dia o estrago que aquele bumerangue de ressentimento baseado em números de audiência abastece.

Agora sim, uma esquete do Hermes & Renato.

A questão do impeachment presidencial é outro exemplo dessa visão meio bêbada dos acontecimentos. Há um fuzilamento moral que tentam tratar como algo com viés ideológico, mas que tem dois objetivos claros: o primeiro, que esqueçam a razão da existência de todas as outras funções executivas e legislativas da política nacional, e o segundo, que encerrem ou desviem a mira de todas as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.

Aqui neste espaço não me cabe defender ou atacar quem quer que seja, os tubarões que se mordam, mas beira a loucura a imprensa comemorar abordar a reunião entre Aécio e Cunha para falar sobre derrubar a presidente, sem lembrar que os dois são citados nas investigações do Lava Jato e a Dilma, não.

Sem dúvida avançamos nos últimos 20 anos em muitos temas sociais, políticos e econômicos. O país oferece iniciativas de promoção e debate social que são modelos consagrados pela ONU e outros orgãos internacionais, como bolsa família (chamado de bolsa esmola por quem não precisa dessa grana), cotas para negros (chamadas de sacanagem por estudantes de colégios particulares), a discussão da pauta LGBTrans (chamada de “ideologia gay” por quem odeia gays ou odeia ser gay), o combate à corrupção (tratado como forma de constranger rivais políticos por quem esquece quantos caciques e parceiros do PT estão ou estiveram presos) e por aí vai.

Angeli

A real é que a democracia nunca sobreviveu por muito mais do que 30 anos no Brasil, mas na atual encarnação dela a gente avançou bastante, embora haja essa ressaca conservadora brutal.

No entanto, eu tenho uma proposta para vocês cinco:

“Não vamos colocar meta para a democracia aqui no Brasa. Vamos deixar a meta aberta, mas, quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta.”

;)

Encerro aqui com esse som do Rincon Sapiência, que devia tocar nos pátios de todas as escolas antes da aula começar. A história ia ser outra, patrão. Saravá.