Sobre Metallica, Lolla e um bando de cabeludos no meio dos indies | JUDAO.com.br

A escolha do quarteto para ser headliner de um dos dias da edição 2017 do festival aqui na América Latina (Brasil incluído) levantou um monte de discussões, mas algumas delas não fazem O MENOR sentido

A notícia já vinha rondando os bastidores do mundo musical há alguns dias: a edição 2017 do Lollapalooza Brasil, que rola nos dias 25 e 26 de Março, lá no Autódromo de Interlagos, em São Paulo, teria ninguém menos do que o Metallica como headliner.

O Van do Halen deu a letra no primeiro dia de agosto e, pouco depois, o Destak (que tem boa porcentagem de acerto em anúncios como este) não só confirmou a parada como ainda colocou outra banda no pacote: os punks do Rancid, que até o momento nunca tinham tocado no Brasil.

“Show de metal no Lolla???? Ah não, para, fala sério!”, reclamou uma fã, no tweet em que o Destak anunciou as duas presenças. “Que frustrante”, soltou outro. “What the fuck?”, completou um terceiro. E a choradeira seguiu ao longo de todo o dia. Quando soltamos a notícia no @JUDAONews, teve leitor que me procurou no particular pra reclamar. “Meio nada a ver isso aí, né? O festival vai perder a sua identidade assim”. Calma, gente. Menos.

Olha só, eu juro que entenderia se a discussão fosse, por exemplo, que o Metallica é muito mainstream pro Lollapalooza. De verdade, isso faria sentido na minha cabeça: afinal, estamos falando de uma banda gigantesca, um verdadeiro blockbuster musical, que enche estádios pelo mundo afora. Eles são uma banda de metal, na essência? Sim, são. Mas vamos combinar que, tanto quanto o Iron Maiden (e, no caso dos americanos, talvez até mais, em termos comerciais), o Metallica se tornou uma banda pop. Não pop na sonoridade, mas pop no sentido de popular mesmo. Capaz de ocupar um palco do mesmo jeito que uma Madonna, Katy Perry ou Beyoncé conseguiria.

O Metallica se tornou uma banda pop

Mas aí a gente teria que levar outras paradas em consideração. Novamente, em termos conceituais o Lolla é originalmente um festival criado pelo Perry Farrell para ser uma reunião de outsiders, de bandas, artistas, intérpretes e performances do underground. Tá bom, isso tudo na teoria. Mas, na prática, já se apresentaram por lá, na edição americana, uma porrada de bandas/músicos tão mainstream quanto o Metallica — Red Hot Chili Peppers, Green Day, Kanye West, Daft Punk, Lady Gaga, Amy Winehouse... A lista é imensa.

Relembremos até o que rolou aqui no Brasil, gente. Em 2012, um dos headliners foi o Foo Fighters; em 2013, rolou Pearl Jam como atração principal; em 2015, Pharrell Williams tava lá sendo happy de novo; e este ano, toma o Eminem na cabeça. Todos estes sujeitos são, cada um a seu modo, verdadeiras máquinas de vender discos e lotar shows. Todos são ícones pop, por mais roqueiros que possam ser também. Ou seja...

Então, a gente poderia levar a discussão para ooooooooutro lado: “Pô, mas o Metallica no Brasil DE NOVO?”. De fato. Se a gente for pensar só no Rock in Rio, eles tocaram em 2011, 2013 e 2015, tudo na sequência. E se a gente juntar tudo, participações em festivais + turnês solo, estamos falando de CINCO passagens por aqui desde 2010. Basicamente, só não tivemos Metallica no Brasil em 2012 e em 2016, que ainda não acabou (vai saber).

Tem um monte de outras bandas de metal que poderiam ser consideradas no lugar deles? UMA PORRADA. Se a gente fosse se focar só nos EUA, um Mastodon ou Machine Head da vida, por exemplo, entregariam bem mais sabor de novidade, de contemporâneo, com o mesmo peso. Isso se a gente nem pensar em nomes como Ghost, Baroness, Trivium, Gojira, Volbeat... Exemplo não falta, para atender a todos os gostos e fregueses.

E considerando ainda que o último disco de inéditas dos caras é Death Magnetic, de 2008, oito anos atrás, dá pra dizer que o show da trupe de James e Lars não costuma variar muito nos últimos tempos. Sim, sim, eles continuam com força total, a entrega no palco é incrível, a performance é intensa e poderosa. Nada disso dá pra negar. Esta não é uma banda tocando no piloto automático. Mas também não é uma banda tocando fora de sua zona de conforto. Surpresa no repertório tem rolado muito pouco. Eles podiam até ter tirado umas velharias do fundo do baú pra ver se davam uma chacoalhada nas apresentações, mas nem isso tem rolado tanto. Resumindo? Ainda é um PUTA show. Mas aquele mesmo puta show DE SEMPRE.

Metallica é banda grande, vende bem, traz bastante público. E tanto lá quanto cá, sabemos que uma fatia considerável do público que consome rock é bastante conservadora. O pensamento do classic rock, que lota aqueles mesmos de sempre e deixa de lado aquelas novas bandas que todo mundo deveria conhecer, mas que a preguiça de ouvir sons inéditos e desafiadores acaba bloqueando. Mas, todas as informações de bastidores levam a crer que o Metallica lança um novo disco de inéditas ainda este ano, em outubro (a data não foi oficialmente confirmada, no entanto).

Isso sim é uma notícia interessante. Porque, se levarmos a turnê de Death Magnetic em consideração, eis aí uma banda que não tem medo de tocar um monte de faixas do disco novo. E a promessa que todos os quatro músicos fizeram até o momento é que a ideia é seguir justamente por aquele lado, uma parada mais pesada, mais metal mesmo, agora com produção de Greg Fidelman — o engenheiro do disco anterior, responsável também pelo ótimo Repentless, do Slayer. “Ainda não dá pra dizer exatamente como ele vai soar, mas posso dizer que ele será menos frenético que o seu antecessor”, afirmou Lars Ulrich em entrevista para a revista Humanity. “Acho que o álbum será um pouco mais diversificado”.

Além da inusitada e controversa parceria com Lou Reed em Lulu (2011), a última canção inédita do Metallica que ouvimos foi Lords of Summer, apresentada ao vivo em alguns shows em 2014 e depois liberada oficialmente numa versão de estúdio. A faixa, enorme e cheia de ótimos riffs, não foi confirmada como fazendo parte do tal novo álbum ainda sem nome. Mas a chance, claro, é bem grande.

De qualquer maneira, ter o Metallica apresentando pela primeira vez no Brasil a sua nova turnê, com canções inéditas, seria deveras interessante. Um bom motivo para tê-los no Lolla. Sabor de novidade, hein? ;)

Sobra, portanto, o argumento que mais ouvi nos últimos dias: “não, por favor, não tragam estes sons mais pesados pra cá, o Lollapalooza não é lugar para o metal”. E este é aquele que menos faz sentido de todos.

O Wacken Open Air, maior festival de heavy metal do planeta, realizado anualmente em uma pequena cidade alemã, é um evento de nicho. Ponto. Sempre foi. Foi concebido como um festival de METAAAAAAAAAAAL, só com bandas de metal, ainda que ABARCANDO seus muitos e diversos subgêneros. Este não é e nem nunca foi o objetivo de um Rock in Rio ou de um Lolla da vida. Não se engane achando que qualquer um dos dois já teve alguma vez na vida esta intenção.

Sabe aquela discussão que a gente vê toda vez que vai rolar um Rock in Rio por aqui, a coisa do “como este festival tem rock no nome e tem este monte de artistas pop”? Já dissemos mais de uma vez, mas não custa repetir: supere. Sério. Quando o seu Medina concebeu a parada, apesar do batismo, pensou em uma celebração da música. Assim mesmo, como uma coisa mais ampla. Não é invenção nova. No de 1985 teve Elba Ramalho, Gilberto Gil, Baby Consuelo, Al Jarreau, Alceu Valença, Moraes Moreira. No segundo, de 1991, Jimmy Cliff, Roupa Nova, New Kids on The Block, Run DMC, a-ha. Diversidade é a palavra e sempre foi. Por isso tem Metallica, Iron Maiden, Beyoncé, Rihanna. Tudo devidamente misturado. De um jeito que não deveria ser problema pra ninguém.

Em 1990, quando Perry Farrell concebeu o Lolla originalmente como uma turnê de despedida para a sua banda, o Jane’s Addiction, a ideia também era abrir as portas para uma série de gêneros musicais diferentes. Mixar, remixar e mostrar para o mundo sonoridades que nem todo mundo conhecia, dos mais obscuros RECÔNDITOS do underground. Na primeiríssima edição, de 1991, adivinha quem estava lá, como convidado especialíssimo? O Ice T. Mas não tava cantando rap, sim lançando a sua banda de heavy metal, o Body Count. Isso se a gente não for considerar igualmente metálico o som do Nine Inch Nails, que em seu rock industrial adiciona uma considerável dose de peso.

Já passaram por lá, desde então, batedores de cabeça profissionais como Rage Against The Machine, Tool, Primus, Incubus, A Perfect Circle e até o Cypress Hill, em sua mistura azeitada de rap e heavy metal. Isso sem falar nos pais da porra toda, o Black Sabbath, que em 2012 levou a sua formação original pra Chicago e botou pra foder.

Aqui no Brasil, por algum motivo, o Lollapalooza se tornou sinônimo de rock “alternativo”. Aquele rock que a crítica convencionou chamar de indie. Foster the People, Alabama Shakes, Of Monsters and Men, Kaiser Chiefs, Hot Chip, Arcade Fire, Vampire Weekend, Kasabian, Mumford & Sons, Tame Impala, Florence + the Machine. Todos eles já tocaram no Lolla Brasil. Deu pra sacar? Mas se a gente relembrar algumas outras bandas que já passaram pelo line-up nacional desde a primeira edição, vai ver que não é beeeeeeeeem assim.

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Já rolou o Tomahawk do Mike Patton, os explosivos mexicanos do Molotov e ainda brasileiros como Pavilhão 9, República, Raimundos e Matanza. Todos eles, de alguma forma, ou têm metal no seu DNA sonoro ou flertam com a porradaria de algum jeito. Todos eles são shows que, em algum momento, devem ter deixado o estereótipo (babaca, aliás) do indie/hipster gratidão namastê, que ouve aquelas bandas do parágrafo acima, de cabelos em pé.

Lolla não é espaço para metal? Olha... acho que é sim. Ou, pelo menos, TAMBÉM é. ;)

O próprio Metallica, aliás, já está mais do que acostumado a se apresentar para plateias que não são necessariamente aquelas formadas apenas por uma horda de cabeludos de camisetas pretas. Já tocou no Lolla dos EUA em 1996 e depois retornou para uma performance triunfante e elogiada em 2015. Foi headliner na edição 2014 de Glastonbury; tocou no Reading Festival no ano seguinte. Passou pelo Bonnaroo em 2008, até. Sempre encarando desconfiança na época do anúncio, sempre entregando uma apresentação memorável na hora do vamos ver.

Só que teve mais: em 2012 e 2013, o Metallica criou o seu próprio festival, o Orion Music + More, que acabou sendo abandonado depois de duas edições por ter se provado um fracasso financeiro. Você deve estar pensando que os caras optaram por meter ao seu lado um bocado de bandas de metal, né? Ledo engano. Os convidados eram caras como Gogol Bordello, Foals, Cage the Elephant, Arctic Monkeys, Gary Clark Jr... Todos eles, vejam só, bandas/artistas que já tocaram na versão nacional do Lolla. Apostas arriscadas para o próprio Metallica, cujo público talvez esperasse uma formação de ícones bangers. “Pra mim, o Arctic Monkeys é uma banda de heavy metal disfarçada de banda indie”, disse Lars, sobre seus convidados, para a NME à época. “Escute uma música como Perhaps Vampires Is a Bit Strong But... e você vai perceber que tem um pouco de Rush ali”.

Pode parecer exagero? Um pouco. Mas pergunte pro Kirk Hammett, guitarrista do Metallica, qual é o seu disco favorito dos anos 2000. Nada de Opeth, Meshuggah, In Flames, Soilwork ou qualquer um destes representantes modernos do metal. Aliás, nada de metal. “Kid A, do Radiohead”. Pois é. Parece que tem mais de indie no Metallica do que sonha a nossa vã filosofia, afinal... :D