Spike Lee vai dirigir versão hip-hop anos 80 de Romeu e Julieta baseada em HQ | JUDAO.com.br

Versão do clássico de Shakespeare, a adaptação dos quadrinhos de Ron Wimberly finalmente traz o diretor de volta ao Brooklyn, palco de grande parte de sua filmografia

Muita gente não faz nem ideia, mas a relação de Spike Lee com os gibis vem de longa data — muito antes dele ter sido confundido com Stan Lee no obituário feito pelo jornal neozelandês Gisborne Herald. Na real, ela começa lá em 1993, quando ele assinou uma linha de gibis da Dark Horse, Comics From Spike, que contou com Floaters, uma série coescrita por seu irmão, Cinqué Lee, a respeito de um mundo alternativo no qual narcóticos são legais e a guerra urbana é um modo de vida, e a antologia Colors in Black, com diversos artistas contando histórias sobre a situação racial da época.

Seu primeiro filme inspirado diretamente em um gibi, no entanto, só rolaria em 2013 — mas digamos que o próprio Lee não deve gostar muito de lembrar que esteve por trás das câmeras na reinterpretação de Oldboy, o mangá japonês que depois se tornou um verdadeiro clássico cinematográfico nas mãos do sul-coreano Park Chan-wook. Até 2017, o cineasta estava envolvido em negociações para assumir um projeto do pacotão de personagens Marvel que estão nas mãos da Sony, o Nightwatch, um vigilante urbano obscuro que parecia uma mistura de Batman com Spawn, trajando um uniforme nanotecnológico — e com direito a roteiro de Cheo Hodari Coker, o showrunner da série do Luke Cage. Mas como você pode perceber, acabou não rolando.

Pois parece que agora Lee vai ganhar uma nova chance: depois de Da 5 Bloods, drama com Chadwick Boseman (Pantera Negra) que está em pós-produção sobre um grupo de veteranos da Guerra do Vietnã que se veem forçados a voltar à floresta, uma adaptação de gibi está no caminho do diretor. Trata-se de Prince of Cats, uma graphic novel escrita e desenhada pelo conceituado Ron Wimberly, publicada originalmente pelo selo Vertigo, da DC, em 2012, mas que anos depois ganhou nova chance numa reimpressão via Image Comics.

Ano passado, a Legendary ganhou a briga pra adaptar a obra de Wimberly — e o roteiro já começou a ser adaptado por Selwyn Sefyu Hinds, ex-editor da revista The Source, uma das mais importantes publicações do mundo com foco no hip-hop. Embora um diretor ainda estivesse sendo procurado, o protagonista já tava bem definido: o rapper e ator Lakeith Stanfield, o Darius de Atlanta e que também fez uma participação memorável em Corra!. No entanto, sabe-se que ele não está mais envolvido com o projeto. Agora, a informação oficial é de que Lee vai também cuidar de reescrever o roteiro, trabalhando lado a lado com Hinds e com o próprio Wimberly. Dá pra dizer, de imediato, que este é o retorno do cineasta ao bairro novaiorquino do Brooklyn, sua ambientação favorita de produções como Faça a Coisa Certa (1989), Febre da Selva (1991), Uma Família de Pernas pro Ar (1994), Irmãos de Sangue (1995), Jogada Decisiva (1998) e Verão em Red Hook (2012) — além da série Ela Quer Tudo, do Netflix.

A ideia do gibi é BEM foda: tamos falando da história clássica de Romeu e Julieta, mas transferindo a ambientação da Itália na antiguidade para o mundo do hip-hop no violentíssimo Brooklyn lá dos anos 1980. Prince of Cats não faz apenas menção à obra de William Shakespeare, mas também à mitos gregos, folclore japonês, videogames e filmes de ação oitentistas como o clássico de guerras de gangues Os Selvagens da Noite. Além disso, a HQ também conversa com a narrativa da tragicomédia Rosencrantz and Guildenstern Are Dead, peça do dramaturgo Tom Stoppard que amplia a história de dois personagens secundários de Hamlet.

No caso desta última referência, aliás, Prince of Cats tem em comum justamente o fato de recontar uma história shakespereana sob o ponto de vista de um outro personagem — no caso, Teobaldo (Tybalt), da família Capuleto, o esquentadinho primo de Julieta, filho bastardo do pai de Romeu e principal rival do pretendente de sua prima. É Teobaldo que mata Mercúcio, melhor amigo de Romeu, levando então ao duelo no qual acaba sendo morto por Romeu, que então é exilado por seu crime. Na versão modernizada de 1996, dirigida por Baz Luhrmann, Teobaldo é interpretado por John Leguizamo, que vive uma versão mais intensa e violenta do personagem.

O título do gibi explica-se também na obra original: “Príncipe dos Gatos” é um título que Mercúcio usa como piada pra zoar Teobaldo. Tudo porque este é o mesmo nome de um personagem felino que é recorrentemente passado para trás pelo trapaceiro protagonista Reynald, a Raposa, no ciclo literário de fábulas literárias com personagens antropomórficos da época medieval, encontrados principalmente na França, Alemanha, Holanda e Inglaterra.

A produção de Prince of Cats ficará a cargo de Janet e Kate Zucker, respectivamente esposa e filha do lendário produtor Jerry Zucker, sob a assinatura da Zucker Productions.

E já que estamos aqui, vamos aproveitar...