Supergirl assume de vez o papel de refugiada e volta a dar força ao S no seu peito | JUDAO.com.br

Supergirl retoma a Supergirl que, ao final da temporada 1, falou sobre esperança e acendeu aquele facho de luz que carrega no peito, um símbolo de amor, de força de vontade, de RESISTÊNCIA, se tornando a herdeira da casa El que vale REALMENTE a pena seguir neste mundo fora dos gibis

SPOILER! Um mês depois, já dá pra dizer sem medo de errar que a nova temporada das séries do Arrowverse começou com bastante potencial para apagar o gosto amargo de um ano anterior bastante questionável. Legends of Tomorrow continua lindo, extrapolando a chacota ao infinito e além. Ainda que seja veja lutando contra o dramalhão mexicano da temporada anterior, The Flash tá começando a construir um caminho interessante com a presença de uma personagem como a Nora. E Arrow tá lindamente mais pé no chão, enxuta e direta ao ponto, sem megalomania, explorando de maneira inteligente a história toda da prisão.

Mas se tem uma série que acertou em cheio MESMO é a da Supergirl, que nesta quarta temporada enfim parece ter entendido o real PESO daquele maravilhoso discurso que a Kara faz pra população de National City no final da primeira temporada. Depois de um segundo ano no qual a Garota de Aço mergulhou num romance sem graça e se tornou coadjuvante da própria série, o terceiro de fato começou a colocar as coisas nos trilhos.

Tá, beleza, a história toda com a Reign durou bem mais do que devia, teve coisas se esticando por tempo demais e se tornando mais cansativas do que deveriam — mas um episódio como o S03E03, Welcome to Earth, tinha poder demais na discussão sobre preconceito, sobre os alienígenas como metáforas dos imigrantes, muito mais do que um quebra-pau vazio entre kryptonianos no centro da cidade. Junte a isso à maravilhosa e sutil mudança no texto de abertura da série, que reforça que Kara é uma REFUGIADA no Planeta Terra, e era de se esperar uma pegada diferente, que só está acontecendo agora, com um ano de atraso.

O primeiro acerto é termos como grande antagonista um HUMANO. Esqueça os vilões superpoderosos que voam, soltam raios pelos olhos, carregam toneladas acima dos ombros. O Agente Liberdade, que nos gibis é uma espécie de Capitão América, consegue ser ainda mais assustador do que qualquer um de seus predecessores usando apenas o poder da palavra. Tamos falando de um cara que constrói em torno de si uma espécie de mitologia. No terceiro episódio da temporada, Man of Steel, vemos a história dele, como um pai de família comum que foi aos poucos se tornando consumido por pensamentos fascistas, sem nem sequer perceber que estava, do dia pra noite, embebido em ÓDIO.

Não sei, talvez te soe familiar, né? Assim como o fato de que parte da população começa a entrar de cabeça neste discurso odioso, dizendo que os alienígenas que foram outrora aceitos em nosso planeta não podem ser considerados americanos de verdade porque não nasceram em solo terrestre? Que eles estão “roubando nossos empregos e nossas oportunidades”? E que a visão otimista que a Supergirl tinha do mundo, talvez presa em sua própria bolha de conforto e segurança, finalmente estoura e ela percebe que as pessoas daquele país, que a acolheu tão bem, são capazes de destilar um veneno tão amargo contra quem é apenas diferente deles?

Que tal, então, trocar “alienígenas” por “imigrantes”? Bem familiar, né? Afinal, um certo presidente de uma certa superpotência mundial já disse e depois “des-disse” que suas tropas vão atirar chumbo grosso pra valer caso a marcha de imigrantes vinda da América Central atire pedras como aconteceu no México. O mesmo mandatário, aliás, que quer acabar com a cidadania por nascimento concedida a imigrantes em seu país. Olha, acho que AGORA dá pra sacar o quanto este tema da Supergil tá BEM atual, né?

E é neste contexto que a Supergirl retoma a Supergirl que, ao final da temporada 1, falou sobre esperança e, automaticamente, acendeu aquele facho de luz que carrega no peito, um símbolo de amor, de força de vontade, de RESISTÊNCIA, se tornando a herdeira da casa El que vale REALMENTE a pena seguir neste mundo fora dos gibis. É esta a super-heroína da quarta temporada que queremos ver DE FATO. Cultura pop não apenas assumindo que, sim, tem política correndo em suas veias mas também fazendo entretenimento crítico, provocativo, que não fica em cima do muro.

Por falar em não ficar em cima do muro, sensacionais as primeiras aparições de Nia Nal, que deve se tornar a heroína transgênero Sonhadora. Ela já peitou o editor da CatCo Worldwide Media, James Olsen, e esfregou na cara dele que o papel da imprensa não é só informar, não é apenas ouvir um lado, ouvir o outro e lavar as mãos pro que estão acontecendo ao seu redor. É se expor. É dar a cara a tapa. Como a gente bem falou neste texto aqui. Corajosa, ela consegue fazer Olsen, um homem negro, entender que não dá pra ficar querendo pagar de isentão.

Para quem acompanha a série via meios, digamos, alternativos, tem ainda uma verdadeira cereja no bolso. As legendas em português feitas pelo grupo ManiacS já tavam causando certa polêmica nos fóruns de sites especializados pelo uso da expressão “presidenta”, usada para referir à personagem Olivia Marsdin (Lynda Carter), que se senta na principal cadeira da Casa Branca. “Ai, olha os esquerdistas fazendo referência ao impeachment”, enxergavam uns. Mas aí, nesta quarta temporada, eles foram além: afinal, a frase de efeito do Agente Liberdade é “America First”, clara referência ao lema de Woodrow Wilson que foi retomado por Trump em seu governo.

Mas sabe como os legendadores adaptaram esta frase? AMÉRICA ACIMA DE TUDO.

E enquanto eu fico aqui querendo dar um abraço no time formado por Darrow, crolzinha, LuisaM, Allanmnzs, Bonafé, KryptonGrl e LauraA, tudo que dá pra repetir, como de costume, é: se a política está até no prato de comida que você come, como diabos ela não estaria nas legendas da sua série favorita?

Viver, senhoras e senhores, é uma porra dum ato político.