Depois de uma passagem bastante sombria com Reputation, cantora encontra um bom equilíbrio entre doces canções e um tom mais atmosférico e intimista, se permitindo até um flerte com o country de seus primórdios, para falar tanto de amor quanto de política
“Eu estou encontrando a minha própria voz em termos políticos”. A frase não é de nenhuma banda punk em começo de carreira, mas sim de uma das mais importantes estrelas pop da atualidade, que FINALMENTE começa a entender o seu papel enquanto ícone de influência para milhões de jovens em todo o mundo. Num artigo escrito para a revista Elle, no qual reflete sobre 30 lições que aprendeu nos últimos anos, considerando que está perto de completar suas três décadas de vida em 2019, a Taylor Swift afirma que levou algum tempo até que ela aprendesse sobre como as questões que os políticos engravatados estão assinando dia-a-dia no Congresso impactam na nossa vida.
“Eu vi muitas questões que colocam nossos cidadãos mais vulneráveis em risco e senti que tinha que falar para tentar ajudar a fazer uma mudança”, afirma ela, que já tinha um posicionamento bastante firme com relação aos direitos dos artistas na indústria musical, liderando uma espécie de resistência diante de gigantes digitais como Spotify e Apple Music. Quando ela lançou o clipe do primeiro single de seu novo álbum, You Need To Calm Down, uma espécie de manifesto em favor da comunidade LGBTQ+ e contra a homofobia, ficou claro que alguma coisa tinha mudado ali. Aquela era a mesma Taylor Swift que, no começo desta semana, exigiu à produção do VMA da MTV que todas as drag queens que participaram do vídeo também recebessem troféus ou então ela não toparia nem fazer o número de abertura.
Esta, portanto, é a mesma Taylor Swift que chega com Lover, seu sétimo disco de estúdio, que acrescenta muitas camadas à faceta musical da cantora, gerando uma combinação interessante, criativa, moderna e bastante madura. Se no disco anterior, Reputation, de 2017, a cantora se aventurou por uma jornada que dá pra chamar de mais sombria, experimental até, o atual traz de volta as cores, as luzes. Só que o mais legal é que Taylor prova que se tornou algo muito maior do que isso. Porque a experiência prévia também ensinou que ela pode se abrir além da persona saltitante de palco, que pode ser intimista e rasgar a alma sem medo de ser feliz quando achar que faz sentido.
Senhoras e senhores, até que demorou, bastante eu diria, mas finalmente temos uma Taylor Swift que atravessa a cortina da superprodução e salta por trás dos beats, revelando-se, ora vejam, uma pessoa de verdade. Se tem uma coisa que Lover entrega, é que existe uma Taylor real e não apenas um conglomerado de marketeiros que ajudam a construir uma “imagem” em torno de uma mesa de reunião. Até no jeito de cantar, mais contido, com a voz menos forçada e mais dentro de uma zona de conforto, ajuda a dar esta impressão clara de que talvez este seja um novo capítulo de uma nova Taylor.
Lover é um disco sobre amor. Amores que vêm, amores que vão, amores realizados e amores partidos. Amores um pouco mais sofisticados, que talvez vão além da cantora apenas exorcizando os demônios de seus relacionamentos passados e presentes. Se o disco tem espaço para uma Paper Rings, por exemplo, que é o tipo de canção vibrante e contagiante que a capa do álbum propagandeia, sobre beijos, vinhos e uma stalkeada de leve na internet, também se permite Soon You’ll Get Better, uma faixa acústica que mostra Taylor sem disfarces, frágil até, cantando sobre a batalha de sua mãe contra o câncer e chegando inclusive a flertar com a sonoridade country que a caracterizou láááááááá no começo de carreira. Este é um dos muitos amores de Lover.
Se em London Boy a cantora faz o que parece ser uma divertida declaração de amor para o namorado, o ator Joe Alwyn, ela não tem medo de se perder na atmosfera mais triste e etérea de canções como Cornelia Street e Cruel Summer, ecoando a Taylor do disco anterior que, afinal de contas, TAMBÉM é Taylor. Enquanto parte das canções são claramente ensolaradas, outras são enevoadas e até um pouco sofridas.
Esta é a mesma Taylor que, no descontraído synth-pop The Man, um eletrônico moderninho na medida para mexer os quadris, não deixa de dar um cruzado de direita no queixo do patriarcado, falando abertamente sobre como está cansada de correr mas que, por mais rápido que corra, fica se perguntando se não seria mais “rápida” se fosse um homem. “I’d be a fearless leader / I’d be an alpha type / When everyone believes you / What’s that like?”, diz outro trecho da letra. Mensagem claríssima.
No entanto, vale destacar uma canção que, musicalmente, já é mesmo uma das melhores do álbum, mas que tem uma mensagem bastante poderosa nas entrelinhas. Miss Americana and the Heartbreak Prince pode parecer apenas uma faixa que traz como protagonista a típica adolescente de filme americano, ambientada nos corredores de uma escola comum com seus sonhos teen a respeito do beijo do quarterback do time colegial e da coroa de rainha do baile. Só que é algo BEM além disso. Se liga aqui neste trecho: “American stories burning before me / I’m feeling helpless, the damsels are depressed / Boys will be boys then, where are the wise men?”.
“Garotos serão sempre garotos, onde estão os homens sábios?”, ela se pergunta. Pois é, senhoras e senhores, esta é uma canção totalmente metafórica, sobre uma adolescente falando sobre o atual cenário político dos EUA (se bem que esta pergunta cabe também para o nosso país, sejamos francos). Num disco sobre AMOR, esta é Taylor Swift cantando sobre seu amor pelos EUA. E, vejam, nem sou eu que estou dizendo isso: quem explica a ideia é a própria Taylor, na playlist especial Love, Taylor: Lover Enhanced Album, que ela produziu para o Spotify e na qual AMPLIA a experiência de Lover ao comentar sobre cada uma das canções do disco.
“Essa música é sobre desilusão com nosso mundo louco de política e desigualdade, ambientada em uma escola metafórica”, afirma a cantora. “Eu queria que fosse sobre encontrar uma pessoa que realmente te visse e se preocupasse com você através de toda esta confusão”. Mas além disso, nas entrelinhas, dá tranquilamente pra enxergar esta música como sendo a grande declaração de intenção de Taylor Swift, que preferiu se manter em silêncio, “isenta”, durante muito tempo, mas que agora é mais “louca” pelos EUA do que era quando tinha 16 anos, conforme diz já no começo da música.
Pode ter demorado? Isso sim. Mas não tinha momento MELHOR do que este em que vivemos hoje pra, de alguma forma, se posicionar. Pode servir, inclusive, como uma lição para músicos de lá e de cá, que preferem observar daquele lugar bem em cima do muro, enquanto a porra do mundo pega fogo aqui embaixo.