É um filme com caras tirando a roupa, sim. Mas tá longe de ser SÓ isso.
OBRAS DO ACASO Cada vez que eu tento indicar Magic Mike para um amigo, ouço a mesma coisa. “Porra, filme de stripper masculino? Que coisa de viado!” Variações como “tô de boas de ver homem tirando a roupa” também são comuns.
O que eles não sabem, porém, é que Magic Mike não é um filme exclusivamente feito para mulheres. Protagonizado por Channing Tatum e um elenco dos caras mais gatos e piores atores de Hollywood (who cares, eles estão tirando a roupa!), é claro que os dois filmes de Magic Mike são um atrativo à parte para elas. Mas dentro de cada um deles há lições importantíssimas sobre o que deveria ser a vida de um homem comum.
No primeiro filme, dirigido pelo grande Steven Soderbergh, um jovem chamado Mike entra para um grupo de strippers enquanto tenta levantar dinheiro para dar o pontapé inicial para sua empresa de fabricação de móveis. Embriagado pelo sucesso, pelas drogas, baladas e romances fáceis que vêm com sua profissão, Mike vê seu sonho cada vez mais distante enquanto o vazio da beleza preenche sua alma.
Carismático, Mike acaba levando para o fundo do poço seu melhor amigo, envolvendo-o no crime. Em meio a tudo isso, uma apaixonada garota tenta fazer com que o dançarino deixe sua vida vazia de lado.
No segundo filme, Magic Mike XXL, lançado há poucos meses, três anos se passaram e Mike realizou seu sonho. Seu antigo grupo parte para uma última viagem com destino a uma convenção de dançarinos. Chutado pela garota do primeiro filme, Magic decide acompanhá-los. Todos estão mais maduros, conscientes dos erros cometidos no passado, e fazem deste reencontro não só um momento estritamente profissional, mas também de renovação de suas vidas foras do palco.
Analisar as duas películas de Magic Mike em conjunto é como ver uma pessoa amadurecer. Uma vez jovens e bonitos, muitos de nós decidem viver no momento sem pensar nas consequências que o amanhã trará. Os sonhos são facilmente deixados de lado quando aquilo que você não esperava acontecer acaba ofuscando sua visão.
Mais adultos, temos dois caminhos pela vida: a redenção ou a derrocada (que pode não ser imediata, ou pode vir de supetão). É neste momento da vida que, bonitos ou feios, ricos ou pobres, bem ou mal sucedidos, nós temos que optar pela humildade para continuar a crescer.
Se Mike passa todo o primeiro filme à beira do inferno e volta para se redimir, no segundo filme todos os strippers se colocam como cavalheiros com as mulheres. São terapeutas, “curandeiros espirituais”.
Quando terminou de gravar o primeiro Magic Mike, o ator Joe Manganiello (o lobisomem Alcide, de True Blood) filmou o documentário La Bare, que retrata a vida de verdadeiros strippers profissionais. Diferente da concepção comum que temos de dançarinos e dançarinas que tiram suas roupas, estes são trabalhadores com uma função maior do que ostentar sua beleza em troca de dinheiro.
Em La Bare — o nome de um dos mais famosos clubes de strippers dos EUA -, o foco não são os dançarinos, mas sim as mulheres que frequentam o clube. Elas são jovens, velhas, gordas, magras, brancas, negras, asiáticas. Não há glamour. Não há frenesi sexual. Muitas delas estão ali por um motivo: descontentamento com suas vidas reais.
E, quanto a isso, tanto La Bare quanto Magic Mike têm a mesma lição comum: conquistadas, as mulheres costumeiramente são deixadas de lado por seus homens. Elas não são ouvidas. Suas opiniões pouco importam na relação.
Em determinado momento de Magic Mike XXL, uma mãe de duas garotas vivida por Andie MacDowell reclama porque seu ex-marido é um ricaço bem sucedido com pouco amor pela esposa. Sua amiga, uma bela loira na casa dos 40 anos, diz que seu parceiro nunca transou com ela de luz acesa em toda a sua vida. Um dos strippers amigo de Mike responde (não com estas palavras): “ele não valoriza sua beleza. Conte a ele sua fantasia, e que ela seja às claras, e se ele não realizá-la, nunca é tarde para começar de novo.”
Se muitos homens não querem chegar perto de uma tela para assistir a Magic Mike porque pensam que se trata de um filme sobre homens tirando a roupa, o que eles vão encontrar lá pode ser ainda mais incômodo. Ou pior que incômodo: um belo tapa na cara.
Magic Mike é, acima de tudo, um filme que deveria incentivar as mulheres a encontrar suas próprias identidades, deixando de lado quaisquer padrões sociais ou estéticos. O que vale é a felicidade, e o que aqueles dançarinos mostram no final das contas é que a felicidade não está em um corpo bonito e bem torneado. Estes podem ser, sim, belos passatempos. No entanto, a felicidade de verdade está naquele que sabe escutá-las e ajudá-las a buscar seus sonhos.
Afinal, um relacionamento de verdade é aquele consolidado sob o desejo de duas pessoas, e não sob o desejo imposto de uma sobre a outra. Tudo que é fácil e belo no começo pode levar a toda uma vida de amarguras e infelicidades ao longo prazo.
A elas, a lição é de que sua vida é uma só, e que não há nada mais belo no mundo do que aquilo que você tem dentro de si. A eles a lição é ainda pior. Se você forçar que os outros engulam aquilo que conquistou por ser homem, bonito e bem sucedido, lembre-se que talvez esteja também semeando não só a sua infelicidade, mas a infelicidade de outros ao seu redor.
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