Tudo nesta vida é uma questão de timing, não é mesmo? | JUDAO.com.br

Ou, no caso das piadinhas que a revista Entertainment Weekly fez com o Pantera Negra na capa de sua edição mais recente, tudo pode ser uma questão de FALTA de timing

“Timing cômico é o uso do ritmo, do tempo e das pausas para amplificar a comédia e o humor”, nos explica, de maneira didática, a Wikipedia. Para os especialistas como Jerry Seinfeld, o timing é a principal arma secreta para arrancar o riso. É a arte de saber quando fazer a piada – e quando NÃO fazer.

Fazer graça é uma arte. E ficar em silêncio também. Tudo é uma questão de timing. De entender o tempo.

O exemplo coube como uma luva quando falamos dos comentários de Rubens Ewald Filho durante o Oscar deste ano, mais preocupado com o dente da Patricia Arquette do que com a poderosa discussão sobre representatividade que se desenhou ao longo de toda a cerimônia. Timing, meu caro. E a inabilidade de olhar ao redor e perceber que aquela não era a hora da piada.

Mas o exemplo cabe igualmente para a capa da edição atual da revista Entertainment Weekly, dedicada à Capitão América: Guerra Civil, trazendo o Pantera Negra em destaque... E fazendo uma gracinha fora de hora com o governante de Wakanda.

EW_pantherJuro que não vou entrar no mérito da qualidade da piada aqui – tipo, “meow” para servir de fala para uma Pantera? Sério que isso é o melhor que vocês podem fazer? Ah, tá bom, então vamos comparar as garras do Pantera com as unhas de uma “dona de casa desesperada”, uma “perua” ou algo assim? Uau. É isso aí mesmo, campeão.

Ok, piadinhas na capa são até uma característica da publicação, mas o problema não é TER feito a brincadeira, mas o tom escolhido e o resultado dela. Principalmente em uma das mais importantes publicações de entretenimento do planeta — com mais de 1,5 milhão de exemplares (chegando até em algumas bancas no Brasil) e um site que bomba de visitas –, que é uma das maiores formadoras de opinião quando o assunto é “cultura pop”. Não ter a sensibilidade de perceber isso é um PÉSSIMO sinal.

Estamos falando da estreia do primeiro super-herói negro dos quadrinhos mainstream dos EUA, o primeiro futuro protagonista negro da Marvel enquanto estúdio de cinema. Não é pouco. Pela quantidade de público que a Marvel tem levado às salas de cinema e por toda a discussão sobre representatividade (olha ela aí de novo!) que tem tomado conta deste mundo, do NOSSO mundo.

E o mais legal de tudo é que ainda é um personagem negro que está longe de um estereótipo babaca, daqueles que a gente bem sabe que rodeiam negros e negras quando retratados no mundo da cultura pop. Porque o Pantera Negra é um rei de uma nação riquíssima e poderosa. Um gênio científico. Um guerreiro imponente de uma linhagem ancestral. Tão rico quanto o Homem de Ferro, tão honrado quanto o Capitão América. Mais até do que ambos, aliás.

Isso tudo sem falar da importância histórica do personagem. Ele surgiu num momento no qual a luta contra o racismo nos Estados Unidos se tornava mais importante e gritante. Por coincidência (ou destino, já que o personagem dos gibis é três meses mais velho), o Pantera Negra veio da mesma época que a criação do Partido dos Panteras Negras, que teve papel importantíssimo nessa luta contra a segregação.

Se depois tivemos o Falcão, Blade e o Luke Cage — entre tantos outro super-heróis negros que vieram nos anos seguintes — devemos isso ao T’Challa.

Tem outro detalhe, também. Talvez um pouco mais preciosista, mas que não está sendo esquecido por alguns críticos. Se você reparar, tanto o Homem de Ferro quanto o Capitão América estão na imagem de capa sem máscaras, de capa limpa. O Pantera Negra, não. Obviamente não houve uma intenção dos editores de esconder o herói de Wakanda e é provável até que não tenham recebido muitas opções da Marvel Studios, mas a escolha de imagens pra capa em casos assim são controversas entre os norte-americanos desde que a Time escureceu uma foto do OJ Simpson pra deixá-lo mais “ameaçador”, lá em 1994.

Piadas não são proibidas. Longe disso. Mas esta era a hora de ressaltar algo muito mais forte, mais emblemático. O que é mais importante na menos importante das coisas, lembram disso?

Não é uma piada racista ou algo assim. Mas é, sem dúvida alguma, uma piada bem fora de hora. Aliás, duas, né? ;)

Timing, EW. Tudo uma questão de timing.