Um final inteiro para uma série pela metade | JUDAO.com.br

No episódio final de Two and a Half Men, Chuck Lorre brinca com metalinguagem, se arrisca e ri de si mesmo em um movimento tardio para uma série eternamente presa à figura de Charlie Sheen

SPOILER! O episódio final de Two and a Half Men, que sepulta de vez a série depois de 12 temporadas, foi exibido esta semana lá nos EUA. Não que, honestamente, muita gente ainda se importasse com os rumos que a trama vinha tomando recentemente. Mas a última coisa que se pode dizer é que o produtor executivo Chuck Lorre, pivô da briga que tirou Charlie (Sheen AND Harper) do programa há quatro anos, não foi corajoso na hora de amarrar e entregar seu trabalho para a posteridade. Ah, isso ele foi.

Tomando para si as rédeas deste capítulo final, Lorre deixou a melancolia de lado. Investiu na caricatura e na metalinguagem. Quebrou a quarta parede. E expôs, ao mesmo tempo, aquela que teria sido a sua maior força e aquela que foi a maior fraqueza destas últimas temporadas com Ashton Kutcher tentando suprir um buraco que, bom, não dava para ser preenchido. Não deste jeito.

A sacada genial deste series finale não foi revelar, como num passe de mágica, que Charlie estava vivo – sendo mantido refém, dentro de um poço, pela obsessiva Rose, que forjou sua morte diante do trem em Paris. Também não foi fazer ele se desculpar com todas as mulheres da sua vida, mandando cheques gordos advindos de uma bolada acumulada dos jingles infantis que escrevia. Tampouco foi investir em seu desejo de vingança contra Walden (Kutcher) e seu próprio irmão Alan (Jon Cryer), prometendo que voltaria para matá-los. Até porque esta história, vamos combinar, é bobinha demais. Previsível, até, desde que começou a boataria sobre o retorno de Charlie (Sheen AND Harper).

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Ashton, Chuck e Jon. Dois homens...e meio?

Aliás, também não foi brilhante falar de Charlie Harper mesmo sem Charlie Sheen (é, ele não participou mesmo, desculpe arruinar as suas esperanças), fazendo uso de uma animação com participação dos Looney Tunes, de um dublê de costas e até de uma divertida aparição especial de Christian Slater. Nada disso. Lorre foi brilhante, isso sim, ao ter a capacidade de rir de si mesmo. De toda a situação. De se entregar ao escracho. De brincar com as críticas à série, de fazer piadas sobre Charlie Sheen, seus vícios e suas frases de efeito (Winning! Tiger blood!). Esta sim teria sido a sua grande força, Mr.Lorre. Se permitir rasgar o verbo. Tivesse feito uso dela muito antes, putz, tudo poderia ser diferente.

Ao longo do episódio, os atores o tempo todo olhavam para a câmera e diziam coisas como “mal posso esperar para isso acabar”, “descobri uma reclamação de Charlie sobre um antigo patrão” e “depois de 12 anos, todos transaram com todos”. Em momento que beira o absurdo mas que quase me fez cair da cadeira de tanto rir, assim que a empregada/governanta Berta descobre que Charlie está vivo, me solta “Alan, se você se mudar e Charlie entrar aqui no seu lugar, acho que conseguimos durar mais uns cinco anos”. E Walden/Kutcher diz: “não”. BOOM! :D

Até o garoto Jake, filho de Alan, reaparece brevemente (depois do sumiço da série causado pelos estranhos comentários religiosos que andou fazendo...). Barbudo e cabeludo, ele continua um imbecil e não demora a disparar suas bobagens – respondidas com um “incrível como você ganhou tanto dinheiro com piadas tão idiotas”, seguido de um olhar maroto de todos para a platéia. Nem a gente sabe muito bem, pessoal.

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Schwarza: melhor momento do episódio. Disparado.

O ponto alto do episódio, no entanto, é quando Walden e Alan resolvem ir à delegacia contar que estão sendo ameaçados, em busca de proteção. Além do hilariante sotaque do delegado, interpretado por ninguém menos do que Arnold Schwarzenegger, o diálogo que se segue é genial. Porque, depois que a dupla explica toda a situação ao meganha, o cara vai repassando detalhe por detalhe, praticamente recontando cada vírgula de maneira que vai mostrando o quanto tudo aquilo soa ridículo: Walden comprando a casa sem qualquer motivo aparente, deixando um total estranho continuar morando ali, os dois se casarem pra adotar uma criança... Nada faz muito sentido. “É, temos ouvido muito isso”, solta Alan. “Haters gonna hate”, carimba Walden.

Para encerrar, uma alfinetada. “Este cara, sabe, tem problemas com a sua raiva”, diz Walden sobre Charlie, antes que eles saiam da delegacia. “Ele já tentou tratamento de choque (em inglês, Anger Management)?”, retruca o policial. “Sim, mas não deu certo”, finaliza Alan. Está feita a sacanagem com a série que Sheen protagonizou assim que saiu de Two and a Half Men.

O final, que mostra Charlie Harper sendo esmagado por um piano (não pergunte) e depois o próprio Chuck Lorre sofrendo o mesmo final (não pergunte MESMO!) pode significar, vá, que a disputa entre os dois nunca teve de fato um vencedor. Mas também é, Lorre admitindo ou não, a prova de sua maior fraqueza – sabe aquela, sobre a qual falei lá em cima? E ela é exatamente a maldita dificuldade em cortar os laços com o personagem que decidiram matar e que, caralho, deveria ter continuado morto.

Sim, este último episódio é divertido, mais engraçado do que a maior parte dos irregulares momentos destas últimas quatro temporadas – que, se não foram um lixo completo como alardeiam alguns, estão longe das ótimas sacadas de outrora, com Sheen no elenco. Só que, mesmo sendo cômico, este último episódio praticamente gira em torno de Charlie Sheen/Harper. De novo. Mais uma vez. Como quando Alan tem um surto e passa a achar que é Charlie. Quando ele passa a ver Charlie em espírito, vivido por Kathy Bates. Quando surge sua filha lésbica para morar com Alan e Walden e a menina, inferno, se comporta exatamente como Charlie Harper.

MON ONCLE CHARLIE - SAISON 5

Acabou. Já posso desligar esta caralha?

Então... né?

Charlie morreu. Mas seu espírito continuava inconvenientemente rondando aquela casa de praia em Malibu, amarrando os roteiristas, impedindo um lampejo de ousadia para mudar, para recomeçar, para realmente partir do zero e se reinventar. Lorre foi corajoso ao abrir as portas e sacanear com tudo e todos nesta despedida. Mas foi covarde ao longo de quatro temporadas inteiras por insistir em tentar reviver uma química que já não existia. Acabou.

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Lorre deveria ter se conformado com isso e esquecido Charlie Harper. Ashton Kutcher entrou no elenco e, seja ele engraçado ou tão hilariante quanto um poste, tanto faz. Sua missão já estava perdida. Porque seu personagem não estava ali nem pra substituir Charlie. Mas sim para servir de escada para a sua ausência.

O episódio final é uma delícia. Mas escancara a covardia de Chuck Lorre enquanto criador. Que penalizou uma equipe que, anos antes, tinha feito um trabalho inesquecível.

Ah, sim. Conforme o quadro final que Lorre sempre usou para falar sobre a série e, bom, sobre si mesmo, mostra claramente, Charlie Sheen foi convidado para participar deste derradeiro episódio. Mas não topou por não concordar com o enredo. Tudo bem. Melhor assim.

Já tivemos Charlie Sheen demais durante quatro anos em Two and a Half Men. E ele nem precisou aparecer.

Charlie Sheen não. Charlie Harper. Sei lá. No fim, neste fim, dá tudo no mesmo.