MPB, rock, forró e psicodelia muito mais coisa numa Entrevista em Quadrinhos com Alceu Valença | JUDAO.com.br

Entrevista deliciosa que virou gibi foi realizada pela revista Continente sobre um período efervescente da carreira do cantor — e também da contracultura recifense

Este lance de fazer “jornalismo em quadrinhos” tem sido uma parada que me encanta cada vez mais. Falar sobre Joe Sacco e seu Palestina: Uma Nação Ocupada, por exemplo, é barbada. Mas tenho acompanhado um bocado o trampo de brasileiros como Alexandre De Maio, Carol Ito (do Salsichas em Conserva e que publica direto da Revista Trip) e da Helô D’Ângelo (que fez uma ótima série pra Superinteressante) e achado um trampo forte e ao mesmo tempo delicioso.

Agora dá pra colocar mais dois integrantes neste balaio: a dupla André Valença (roteiro) e Celso Hartkopf (arte), que experimentaram um formato de entrevista em quadrinhos numa produção exclusiva pra edição de Julho da Continente, uma revista de cultura mensal produzida lá em Pernambuco desde o ano 2000. E o papo dos dois, batizado de Colcha de Retalhos e que foi liberado para leitura no site da publicação, é com ninguém menos do que o tio de André, esta instituição nacional que atende pelo nome de Alceu Valença.

Originalmente, a conversa deveria girar em torno do álbum Vivo!, primeiro álbum ao vivo (AH VÁ) do músico, gravado em 1976 lá no Rio de Janeiro, durante as apresentações de seu show Vou Danado Pra Catende — uma mistureba de MPB, rock, forró e psicodelia. Mas a conversa foi sobre isso e mais um pouco. AINDA BEM.

“Como sou sobrinho, já ouvi vários casos dessa fase, que foram pouco biografados”, explicou André, pra Revista O Grito. “A ideia era fazer um registro oral daquele momento e as ilustrações de Celso seriam um tradução visual do universo musical que ele criou. Mas o estilo errático de comunicação dele acabou guinando a história para o Vivo!. E do Vivo! pulava para o presente. E depois voltava cinquenta anos”.

O resultado acabou sendo uma conversa maravilhosa, sem qualquer preocupação cronológica, na qual ele esquece de um assunto, emenda em outro e em mais muitos outros, recorta aqui e volta lá pro início, fazendo com que as coisas pareçam não ter muito sentido mas, caralho, têm um sentido DA PORRA. No fim, vira tudo uma grande piada com gosto de mitologia/lenda urbana (será que o lance do elefante aconteceu mesmo? Ou teria sido um camelo?) e com as imagens de cada página tratadas e coladas de maneira tão experimental quanto a própria narrativa.

O título da HQ, claro, se refere a esta história toda entrecortada — mas também é o nome de uma música do disco Saudade de Pernambuco (1979), que Alceu começou a GESTAR quando estava vivendo em Paris, no final dos anos 70, pistolaço com a gravadora Som Livre que deixou de lançar um de seus discos, Espelho Cristalino, pra colocar no mercado a trilha sonora de uma novela cujo nome ele nem lembra.

Mas aí a história se desvirtua lindamente por um prêmio de pesquisa musical meio fajuto, por uma turnê anunciada em um megafone de papelão, por suas opiniões sobre certas bandas inglesas e na opinião do mestre Luiz Gonzaga sobre seu som lá nos anos 80. “É uma banda de pife elétrico”, afirmou o saudoso músico, em referência à flauta popular feita de taboca e também conhecida regionalmente como pífano.

Curiosidade, aliás: o próprio Celso já tinha desenhado pra Continente uma HQ a respeito da infância e juventude do rei do Baião, Luiz Gonzaga do Nascimento, com roteiro da jornalista Débora Nascimento.

Se você só conhece Alceu por Morena Tropicana ou então pela insistência que as pessoas têm em confundi-lo com o Moraes Moreira (e que ambos já deixaram claro que os diverte pacas), não sabe o que tá perdendo. O cantor foi integrante de um movimento bastante efervescente na cultura do Recife. Ou melhor, da CONTRACULTURA. E décadas antes do manguebeat sequer sonhar em existir, caras como Alceu, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e a icônico e alucinada banda Ave Sangria, que lançou um único disco na vida, tavam lá fazendo seu próprio underground local, que alguns críticos curtem chamar de beat-psicodelia recifense mas que o apelido Udigrudi define bem melhor.

A ideia desta mistura não apenas de música, mas também de filmes, artes plásticas e peças de teatro era servir como um grito de liberdade, uma reação direta à publicação do Ato Institucional Nº 5. “Toda vez que a gente fazia uma música, tinha que passar pela censura”, conta Alceu, na HQ. “O chato é que você podia vir a gravar num momento e perder a música depois. Aí ou eu cortava ou saía na tangente com metáforas”.

Pra quem quiser adquirir a versão impressa da revista Continente, basta procurar em lojas/livrarias especializadas de Recife, Caruaru, São Paulo, Rio de Janeiro e Niterói (a lista completa tá aqui). Mas também dá pra comprar pela loja online dos caras, bem aqui, ó.