Você não conhece a Anaadi? Pois deveria! | JUDAO.com.br

Primeiro disco independente da cantora gaúcha, conhecida inicialmente por sua participação na edição 2013 do The Voice Brasil, recebe quatro indicações à principal premiação da música latina — incluindo a de Gravação do Ano, categoria mais importante da noite

O ano era 2013. A gaúcha Ana Lonardi, uma mulher de 1m79, fez as cadeiras vermelhas do programa The Voice Brasil se virarem pra ela ao cantar uma versão grave e com uma sensualidade sutil e cheia de soul pra Explode Coração, do Gonzaguinha. Filha de um negro carioca e de uma mãe branca, descendente de imigrantes italianos, ela carregava a miscigenação na pele e na voz — e mesmo tendo sido eliminada na terceira fase, seu técnico no reality, o cantor Daniel, não tinha uma vírgula a criticar sobre o desempenho da cantora.

Mesmo com o revés, Ana não desistiu. Aliás, pelo contrário: a partir dali, amadureceu e carregou lições importantes. “Aprendi, por exemplo, que não dá para agradar a todo mundo”, contou ela, em entrevista pra Revista Donna. “Ninguém é perfeito, e não é para e nem sobre pessoas perfeitas que eu componho, pelo contrário”.

Começou então a plantar as sementes de uma trajetória incrível que daria origem ao seu primeiro disco, o independente Noturno, com o qual passaria a atuar sob a alcunha de Anaadi — que, não por acaso, na língua indo-ariana hindi, falada por 70% dos indianos, significa “eterno”.

Ela mesma diz, em todos os materiais oficiais do álbum lançado em 2017, que tanto o disco quanto a transfiguração nesta Anaadi são o início de uma fase com mais leveza, serenidade e conexão espiritual, fundada no desejo de liberar os pesos, se preocupar menos e se divertir mais. Entende-se: inspirado no universo da noite, da sensualidade e dos prazeres da vida urbana, Noturno é a primeira parte de uma trilogia baseada em três estados de consciência (Purgatório, Céu e Inferno), mas em momento algum deixa de ser esta mistura deliciosa de jazz, pop e samba.

Uma mistura que, aliás, deu tão certo que a fez surpreender um bando de medalhões e ser indicada a nada menos do que QUATRO categorias no Grammy Latino com este álbum de estreia, empatada em número de indicações com Chico Buarque (de quem ela regravou Samba e Amor neste disco, aliás). Além de “melhor novo artista”, a categoria de revelação na qual já se esperava vê-la, Anaadi também disputa a estatueta de “melhor álbum de pop contemporâneo em língua portuguesa” (ao lado da Iza, do Erasmo Carlos, da Ana Vilela e da Xenia), “melhor engenharia de gravação de álbum” e... uau, nada menos do que “melhor gravação do ano”.

Pra quem não manja muito da premiação, seja em sua versão americana ou na latina, a gente explica que esta é simplesmente a categoria mais importante da noite. E sua canção, o principal single do disco, a contagiante É Fake (Homem Barato), concorre com gente do calibre de J Balvin, Bomba Estéreo e ninguém menos do que o vencedor do Oscar Jorge Drexler. E sim, ela é a ÚNICA brasileira com chance de levar este prêmio pra casa.

Sobre a canção, ela explica que se trata, claro, de uma destas misturas de influências musicais. “A estrutura dela é de samba, e traz parte do humor das músicas de Bezerra da Silva, mas ela é inspirada também na música americana, o que pode ter chamado a atenção dos avaliadores do Grammy”, explica a artista, em papo com o Gshow

“Estamos investindo tudo que a gente tem, e receber um reconhecimento internacional é muito gratificante. Indício de que estamos malucos, mas no caminho certo”, brinca ela. “Eu estava desembarcando de um avião no Rio de Janeiro quando fiquei sabendo. Liguei meu celular e tinha muitas mensagens. É muito emocionante”.

Quer saber o mais engraçado? A página da Anaadi no Facebook tem uns 14 mil fãs, praticamente a mesma quantidade ouvintes mensais que ela tem no Spotify. Inscritos no YouTube são apenas 700, sendo que seu vídeo com maior quantidade de visualizações é uma versão ao vivo de Jazzy, que ultrapassa os 14 mil views. O restante flutua por volta de mil ou dois mil. Se a gente for olhar os números da Anitta, também indicada na premiação tanto por Sua Cara, dobradinha com Major Lazer & Pabllo Vittar, e Downtown, com J Balvin, é um feito e tanto.

O amor de Ana pela música floresceu lá com 5 aninhos de idade, quando começou a estudar canto e piano. Já aos 16, já estava arranhando suas próprias composições e, um ano mais tarde, ao descobrir o jazz, passou a se apresentar ao lado de outros músicos de Porto Alegre. Quando subiu no palco, já era: concluiu a faculdade de Psicologia mas, com o diploma em mãos, sabia que aquilo não era pra ela. O que a moça queria mesmo era entrar de cabeça na carreira musical. “Minha sorte é ter descoberto que a arte e a psicanálise estão muito próximas. Porque a arte também é um espelho do ser humano. Um espelho que se movimenta”, explica. “Decidi seguir porque, com a música, atinjo mais pessoas do que sentada em um consultório”.

A cantora já se apresentou com Roberto Menescal (que, inclusive, faz uma participação especial na faixa Por Querer), Max de Castro e Guinga, além de participar da performance de ninguém menos do que Rick Wakeman, o lendário tecladista do Yes, na capital gaúcha, durante a execução integral do disco Journey to the Centre of the Earth (1974).

No documentário Arte das Musas?, produção do Canal Brasil sobre a relação das mulheres com a música, uma iniciativa escrita e dirigida pela própria Anaadi, ela conta uma história curiosa sobre o jeito que ela consumia, ainda criança, o filme Alladin. Pra ela, o grande barato era adiantar a fita VHS (é, isso aí) do filme até a cena pós-créditos, que trazia o clipe de A Whole New World no dueto do cantor Peabo Bryson com Regina Belle. Era NELA que Anaadi tava interessada.

“A criança é muito sábia. A gente se conhece melhor nessa fase da vida. E eu, como negra, me identifiquei com aquela figura cantando no final”, confessa ela ao jornalista da Donna. “Ela cantava como eu gostava de cantar e se parecia comigo. Não era comum, para mim, ver pessoas negras. Na minha escola, de classe média, havia apenas eu e outra menina”. Ela ainda relembra que sentiu na pele o quanto ser diferente é difícil. “Eu não era apenas uma criança negra em meio ao padrão gaúcho de loiras. Era também alta e grandalhona. A gente demora anos para assimilar que isso também é uma forma de beleza, além de outras tantas que não estão na aparência”.

Justamente pensando nisso é que ela define Noturno como sendo um disco sobre “pessoas tortas”, sobre pessoas fora dos padrões procurando lugar no mundo. “Até porque mesmo pessoas que se encaixam nesses padrões, se você for olhar de perto, também podem estar infelizes. Vai se conectar comigo quem tiver a convicção de que o ser humano leva consigo o desejo natural de evoluir, de tentar ser mais feliz e mais leve”.

E ainda completa, com sabedoria: “A minha convicção sobre esse álbum é de que eu me orgulho dele e vou me orgulhar daqui a 20 anos. Fazendo sucesso ou não, é o que tenho a dizer ao mundo”.

A cerimônia de entrega do Grammy Latino será no dia 15 de Novembro, lá no MGM Grand Garden Arena, em Las Vegas.