A série parece ser divertida, um ótimo exemplo de “história em quadrinhos” em uma outra mídia, mas escorrega naquele lugar em que a Marvel normalmente escorrega…
A Marvel tem alguns problemas com diversidade dentro do seu Universo dos cinemas. Não é muito complicado perceber, basta bater o olho em fotos de divulgação dos seus dez filmes e uma séries lançados até o ano passado. São todos, sem exceção, homens, brancos e heterossexuais.
Com o início iminente da Fase 3, a Casa das Ideias parece ter resolvido se espelhar um pouco mais no mundo em que vivemos, com um filme protagonizado por um negro e outro por uma mulher, além das séries do Luke Cage e da Jessica Jones. Muito pouco, quase nada, mas é alguma coisa.
No meio disso tudo — da Fase 2 e da Fase 3, da temporada de séries — Peggy Carter se torna a primeira personagem desse universo a protagonizar uma história (ou duas, se você levar em consideração aquele Marvel One-Shot). Agent Carter estreou na última terça (06), nos EUA, aproveitando o hiato de Agents of SHIELD, e o gosto que ficou depois do episódio duplo foi o de cobaia, balão de testes, que vai poder definir o futuro das mulheres no Universo Marvel dos cinemas.
Não considero isso um erro. Se hoje temos todos esses filmes, é porque um dia eles testaram o Homem de Ferro nas telonas e, bom, acho que todos concordam que deu certo, MUITO certo. NÃO DEVERIA, mas faz sentido, mesmo, conversar com uma audiência majoritariamente sexista, racista e homofóbica pra ver se dá certo. Não que não existam exemplos por aí, nos cinemas e principalmente na TV, mas Kevin Feige, o todo-poderoso da Marvel Studios e produtor-executivo da série, digamos assim, não é muito fã de se arriscar com mulheres (lembre-se que Viúva Negra já apareceu em tudo quanto é filme, dominou Capitão América 2, e não há nem sinal de um filme só seu, enquanto Scarlett Johansson chuta bundas em Lucy, chutará em Ghost in the Shell...).
E esse talvez seja o grande problema de Agent Carter.
Ainda que tenha uma história divertida, represente algo novo e MUITO mais leve nesse tal de “universo coeso” e seja um ótimo exemplo de “história em quadrinhos em outra mídia”, Agent Carter parecia eco do “GIRL POWER!” proferido pelas Spice Girls, lá nos anos 90. Um tipo de feminismo fraco, sem força, piegas, até, simplesmente mostrando o quanto Peggy Carter consegue fazer mais, melhor e mais rápido que os homens, tudo como se fosse piada.
É uma coisa mais defensiva, que lembra bastante aquele clássico popular “Eu não sou ________, tenho até um amigo que é ________”, como se a Marvel quisesse mostrar pra todo mundo que não só tem personagens femininas fortes, como as coloca pra protagonizar suas histórias e, principalmente, faz com que elas humilhem os machos por aí.
E, como sabemos, não só feminismo não é isso, como a ideia de se ter uma personagem feminina protagonizando uma história não é mostrar que ela é melhor que homens. Talvez até atinja os objetivos da Marvel, mas é preciso um pouco de cuidado na hora de usar Agent Carter como exemplo de feminismo na cultura pop, porque o que vimos nesses primeiros episódios, bom, tá MUITO longe de ser isso.
Hayley Atwell, que interpreta a personagem, garante que isso vai mudar lá pra frente. “Minha parte favorita (...) é o desenvolvimento da personagem durante a série, que vai ser alguém mais tridimensional, alguém com quem as mulheres possam se identificar, não só a mulher competente, forte e inteligente, mas o custo psicológico, emocional”, disse em entrevista ao TVLine. “O que é preciso pra uma mulher sacrificar seus relacionamentos pessoais pra encontrar seu lugar no mundo e meio que cumprir com seu destino”.
“Sacrificar relacionamentos pessoais”. Nesses primeiros episódios, ela acredita que “mata” todo mundo com quem que se relaciona, começando por Steve Rogers; ao fim deles, ela resolve ouvir um conselho e desencanar dessa ideia. Raso demais, não?
A Marvel só vai conseguir esse tipo de coisa quando o gênero do personagem não ditar os rumos da história, ainda que todas as diferenças possam e devam ser exploradas — o que acontece em Agents of SHIELD e acontece com a Viúva Negra em Os Vingadores, Capitão América 2, com a DC em Gotham e, principalmente, com a própria Agente Carter no primeiro filme do Bandeiroso.
Não, a chegada de Joss Whedon a esse universo não é mera coincidência.
E talvez fosse o caso de deixá-lo ler os roteiros, conversar com os diretores e produtores da série, porque apesar do que disse Hayley Atwell, não consigo enxergar essa evolução, aprofundamento e a transformação de uma “personagem feminina forte” em apenas uma personagem. Não, pelo menos, em seis episódios.
Vamos esperar. No mínimo, que os fins justifiquem os meios...
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