Era uma vez Blade, um caçador de vampiros... | JUDAO.com.br

Se você gosta tanto de ver seus heróis de quadrinhos detonando nos cinemas, deve agradecer (e MUITO!) ao cara…

O ano era 1991. O nome do sujeito era Wesley Trent Snipes, natural de Orlando, na Flórida. Depois de um papel surpreendente no estudo de Spike Lee sobre o racismo, Febre da Selva, ele acabou sendo descoberto por Hollywood. Não demoraria até que fosse parar em um avião, chutando o traseiro de um bando de terroristas – a produção era Passageiro 57, um dos mais subestimados filmes de ação dos anos 1990, mas que ajudaria a consolidar a imagem de Snipes como astro da pancadaria. Se seguiriam pelo menos mais OITÔ filmes do gênero até que Snipes, então, assumisse o papel que elevou seu nome às alturas. Um caçador de vampiros que, por acaso, era um obscuro personagem de histórias em quadrinhos. Seu nome era Blade.

O mesmo Blade, aliás, para o qual o jornal New York Daily News afirma que Snipes está voltando, com um salário de US$ 3 milhões mais participação nos lucros. Snipes estaria bastante empolgado em voltar a envergar os óculos escuros e a espada do anti-herói da Marvel Comics em um quarto filme. Mas, gente, vamos falar sério: tratem esta informação como um boato. E dos grandes. Daqueles que parecem não ter fundamento algum, inclusive.

Outrora nas mãos da New Line Cinema, atualmente um estúdio abaixo do guarda-chuva da Warner Bros., os direitos de adaptação cinematográfica de Blade retornaram para a Marvel, assim como aconteceu com Demolidor, Justiceiro e Motoqueiro Fantasma, a trinca do vigilantismo urbano nas ruas da editora de quadrinhos. O advogado cego já ganhou seu espaço. Mas ainda não existem quaisquer planos para Frank Castle e nem para seu colega que adora cortar umas cabeças de mortos-vivos.

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Snipes, doido pra morder uma fatia deste frenesi por filmes de heróis

Tá legal, o Snipes é bacana – depois de passar dois anos na cadeia por sonegação de impostos, ele está mais do que disposto a trabalhar, a suar a camisa. Veja só o bico que seu parça Sylvester Stallone, com quem trocou sopapos na divertida ficção científica O Demolidor (que enxerga muito bem e não se veste de vermelho), lhe arrumou no recente Os Mercenários 3. Legal pacas, viva. Mas, definitivamente, não nos lembra o que a Marvel estaria pensando para o personagem – ainda mais pensando no que o estúdio vem fazendo com os seus filmes hoje.

Nem acho que seja pela idade – Snipes tem 52 anos, Robert Downey Jr. está prestes a completar os seus 50 e ainda parece ter bastante lenha para queimar como Tony Stark. Mas, sejamos honestos: trazer o ator novamente para o papel de Blade seria quase o equivalente (guardadas as devidas proporções, vejam) a pedir que Lou Ferrigno assumisse novamente a pele verde e as calças roxas rasgadas do Hulk. Não dá mais. Ainda mais depois de Blade: Trinity, o terceiro filme da franquia, uma bomba dirigida por ninguém menos do que David S.Goyer – roteirista dos filmes do Batman dirigidos por Christopher Nolan e também de O Homem de Aço, Batman v Superman, Liga da Justiça e porra toda da DC Comics nos cinemas. Isso sem falar na tenebrosa série televisiva da Spike TV, que teve apenas 12 episódios e, graças a Odin, uma única temporada.

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O rapper Sticky Fingaz, que estrela a esquecível série de TV do Blade

Com Blade, a Marvel deve começar do zero. Se, para fazer o seu filme do Capitão América, o estúdio não precisou se inspirar no filme de 1990 estrelado por Matt Salinger, não haveria necessidade alguma de prestar tributo a Snipes.

Quer dizer, veja. Melhor repensar esta frase. Talvez até que o ator merecesse, de fato, uma homenagem carinhosa, talvez uma ponta como um vampirão superpoderoso, enfim. Porque se hoje temos todo este frisson em torno dos heróis das HQs nos cinemas, com a Marvel alardeando os seus Vingadores, Guardiões da Galáxia e Homens-Formiga para todos os lados, enquanto a DC contra-ataca com Flash, Aquaman e Lanterna Verde e a Fox amplia de maneira megalomaníaca a a sua série dos X-Men, é tudo graças ao miserável do Blade.

Depois de Batman Eternamente (1995) e Batman & Robin (1997), as carnavalescas versões de Joel Schumacher para o Homem-Morcego nas telonas, muito antes de Nolan sonhar em ser beatificado pelos fãs, parecia que Hollywood não estava assim tão empolgada com este papo de filmes de super-heróis. A crítica estava a pleno vapor, destilando veneno. O público não respondeu. O cenário era péssimo.

Mas a Marvel sempre teve um sonho, desde os seus primórdios, que era levar aquele bando de personagens para os cinemas. E, desde os anos 1970, com Stan Lee atuando como garoto-propaganda em suas rodadas de negociação com os estúdios, vinham tentando fazer acontecer. Ok, em 1986 eles conseguiram levar Howard, O Pato para as telonas mas, vamos combinar, isso é assunto pra outro dia. Porque, combinemos, o patinho mal conseguiu fazer cócegas nas ambições da Casa das Ideias. Foi algo muito fora da curva. O seu primeiro grande acerto, aquele que mudaria a dinâmica das coisas, veio em 1998, quando a New Line topou rodar a estranha jornada de um sujeito meio-homem, meio-vampiro, caçador implacável de criaturas da noite.

Não foi lá um risco muito grande, cá entre nós. Foi até meio calculado. Afinal, Blade, criação de terror de Marv Wolfman e Gene Colan, sempre foi um personagem B na Marvel, bem mais underground, relegado ao circuito de histórias sombrias e macabras das revistas de terror e com pouca interação com o “elenco principal”, os campeões de vendas mutantes ou aracnídeos. Não seria, portanto, lá um grande problema para nenhuma das partes se o filme fosse mal. Não havia um compromisso que teria, por exemplo, caso o personagem fosse um dos blockbusters da editora naquele experimento. Não ia ser um ícone da cultura pop feito o Batman de anos antes. Seria só...o Blade.

O caso é que o Blade deu certo, muito certo, arrecadando mais de US$ 130 milhões em todo o mundo (pense que uma produção milionária e com centenas de vezes mais de efeitos especiais como Os Vingadores fez seus US$ 620 milhões em 2012). Um filme de inspiração B para um personagem B que deu tão certo que ficou na cabeça do estúdio e gerou uma primeira continuação...dirigida por ninguém menos do que Guillermo Del Toro.

Só que, antes desta continuação, em 2000, o sucesso de Blade foi a mola propulsora para que a Fox aproveitasse o momento de fragilidade financeira da Marvel, naquele esquema de pedir falência, e fechasse de vez para o lançamento do primeiro X-Men, de Bryan Singer. Goste você ou não, foi a partir daí que as películas de heróis deslancharam de vez e os executivos enfim entenderam o potencial da coisa. Sem Blade, não teria havido coragem para o primeiro X-Men. E sem os X-Men, não haveria o primeiro Homem-Aranha de Sam Raimi. E por aí vai. Robert Downey Jr. deve pelo menos um brinde de seu uísque mais caro a Wesley Snipes, afinal.

“Eu estaria aberto a fazê-lo”, afirmou Snipes para a MTV a respeito de Blade 4, durante o trabalho de divulgação de Os Mercenários 3. “Sabe, acho que deixamos algumas pontas soltas e existe espaço para que possamos trabalhar. Eu adoraria voltar ao uniforme e fazer algumas coisas que eu aprendi como fazer e que eu não sabia na época. Creio que estamos melhores na arte de contar este tipo de história agora”.

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Blade e Justiceiro: qual será o destino deles nas mãos do Marvel Studios?

Exatamente, Wesley. E justamente por isso é que a Marvel tem que começar do zero. Porque eles agora conseguem contar uma história de Blade que não conseguiriam contar antes. E sabem que não precisam contar esta história numa superprodução cinematográfica, mas talvez numa série de TV. Depois de experimentar com Demolidor, Punho de Ferro, Luke Cage e Jessica Jones no Netflix, quem sabe eles não ousem e deem uma chance ainda mais violenta aos seus Marvel Knights, incluindo Blade na jogada com o Justiceiro e o Motoqueiro Fantasma?

“Uma vez que este personagens voltam para o portfólio da Marvel, não queremos fazer nada com eles agora”, explicou Kevin Feige, o todo-poderoso dos Marvel Studios. “Queremos fazer a coisa certa no tempo certo”.

Este é um mundo de novas possibilidades, Mr.Snipes. Viva com isso.