Apostando na nostalgia, Renascimento da DC é só mais do mesmo | JUDAO.com.br

DC Universe: Rebirth, publicado nesta quarta (25), fica bem longe de todo o potencial que tinha

SPOILER! Relâmpago. Se desse pra definir em uma só palavra o Universo DC dos quadrinhos, com todos seus acertos, erros, confusões e cronologias, a palavra seria essa. Um relâmpago. Que rompe o céu noturno, e liga todos os fatos e acontecimentos a um personagem-chave em tudo isso: o Flash.

DC Universe: Rebirth #1, HQ de 80 páginas publicada na madrugada desta quarta (25), também entra nessa conta. Uma história polêmica, que prometia trazer o renascimento dos gibis da DC com um resgate dos elementos do passado, mas apontando para o futuro e resgatando uma das mais queridas versões do Corredor Escarlate.

Porém, pra entender o presente, precisamos olhar pro passado.

Lá atrás, quando os primeiros super-heróis surgiram nas revistas Action Comics e Detective Comics, não havia essa coisa de cronologia. Cada roteiro encerrava quase sempre que em si mesmo, tal qual uma historinha da Turma da Mônica. A maioria daqueles heróis foi esquecido, e então nos anos 1950 veio toda uma nova geração da DC, mas, basicamente, a fórmula continuou a mesma. Até que, nos anos 1960, surgiu a ideia de universo e cronologia coesos.

Ao mesmo tempo, veio o desejo de revisitar aquelas velhas histórias, da chamada Era de Ouro. E, claro, tudo começou com o Flash: Barry Allen, o Corredor Escarlate daquela época, a Era de Prata, encontrou Jay Garrick, a versão do passado. Pra justificar, criaram o conceito de que eles viviam em Terras diferentes.

Foi como se tivessem aberto a Caixa de Pandora. Em pouco tempo, os personagens dos anos 50/60 estavam encontrando diversos outros das décadas de 30 e 40, que tinham envelhecido e desenvolvido uma cronologia própria. Depois, vieram outras Terras, mais versões diferentes, mais histórias, mais cronologias, mais confusão. No final da década de 1970, o Universo DC era algo inacessível para quem já não era iniciado.

Crise

Em 1985 apareceu a chance de arrumar tudo isso: a Crise nas Infinitas Terras, o maior crossover da história e que apagou toda essa confusão. Mundos viveram, mundos morreram e a DC passou a contar com uma única Terra, uma única cronologia. E, como ironia do destino, Barry Allen morreu no meio de toda aquela treta.

No novo UDC que surgiu também teve um novo Flash: Wally West, ex-Kid Flash, que representou toda essa nova fase da editora. Junto com ele, veio uma nova geração de heróis, que refletiam esse novo mundo. Teve gente que torceu o nariz, como as críticas ao fato do Superman matar (e morrer), mas foi uma atitude que recolocou a DC no mapa por muitos anos. Só que a estratégia também foi perdendo o gás.

Em 2011, depois de várias tentativas de arrumar o prumo (o próprio Homem de Aço, por exemplo, teve TRÊS novas origens em um pouco mais de dez anos ), a Time-Warner reorganizou a DC Comics dentro da DC Entertainment, nomeou Diane Nelson (a mulher responsável por fazer Harry Potter virar muito dinheiro) como presidente e deu a ordem: os quadrinhos precisavam vender mais. Assim, escalaram Dan Didio, Jim Lee e Geoff Johns para promover um grande reboot na cronologia, chamado de Os Novos 52.

Tudo, mais uma vez, “provocado” pelo Flash: Barry Allen, que tinha retornado do mundo dos mortos pouco antes, foi o responsável por, sem querer, iniciar as mudanças cronológicas na saga Ponto de Ignição.

Surge o novo Universo DC

Surge o novo Universo DC

Tudo o que havia sido contado nas décadas anteriores foi jogado fora, iniciando do zero um Universo DC com super-heróis jovens, solteiros, com novas histórias e, em diversos casos, até novas personalidades – tudo não pra atrair o leitor tradicional de gibis, mas a garotada que, agora, tá lendo mangá, livros para jovens adultos ou tá curtindo videogames/filmes. Inicialmente, deu certo. As vendas explodiram, o mercado de quadrinhos como um todo encontrou um crescimento que não era visto há décadas e tudo mais. Mas a nova energia acabou rapidamente, muito porque boa parte das HQs publicadas não era tão boa assim.

Veio então a primeira tentativa de encontrar um meio-termo. Com o relançamento chamado DC You, feito ano passado, a editora tentou focar na cronologia coesa e nos títulos interligados, passando a contar, inclusive aquelas histórias lembradas pelos leitores das antigas. Ao mesmo tempo em que resgataram o Superman pré-reboot e trouxeram uma versão dos antigos Novos Titãs, tentaram dar um novo rumo a outros personagens tradicionais. O Batman passou a ser James Gordon, que usava uma armadura; o Superman perdeu boa parte dos poderes e ficou andando por aí de calça jeans; Hal Jordan perdeu o anel de Lanterna Verde, usando então uma manopla e um capuz...

Não preciso nem explicar que o DC You falhou miseravelmente.

Sem alternativas, foi daí que veio a ideia do Rebirth, inspirado nas HQs Lanterna Verde: Renascimento e Flash: Renascimento. Uma proposta de resgatar elementos do passado, ao mesmo tempo que apontando pro futuro.

E é aí que chegamos nesta quarta-feira, 25 de maio de 2016.

Renascendo do relâmpago

Novamente o CCO da DC Entertainment e grande mente criativa do Rebirth, Geoff Johns, recorreu ao relâmpago. Dessa vez, ele traz de volta Wally West, o terceiro Flash, para ser o guia dessa nova fase de transformações no Universo DC.

DC-rebirth-1

Por mais que o pessoal da editora nunca afirme isso, o Wally sempre foi a chave da DC, o velocista capaz de saber sobre as mudanças da realidade que sumiu após o reboot de 2011 – cujo retorno poderia representar uma volta para a cronologia anterior, caso Os Novos 52 não dessem certo. Johns faz finalmente o uso dessa chave, mas não com o objetivo de explodir a cronologia atual.

Wally reaparece realmente relembrando de tudo: das histórias da Era de Prata, da Crise nas Infinitas Terras, dos tempos de Flash, das aventuras que viveu. Porém, ele tá preso na Força de Aceleração como um espectro dez anos mais jovem do que era antes (porque, de acordo com ele, algo ou alguém ROUBOU estes dez anos de todo o UDC), vestindo o antigo uniforme de Kid Flash e tentando ser ouvido, pra explicar que um grande inimigo está por vir.

Pelos olhos de Wally, o leitor é relembrado dessa velha DC, desse tempo que não existe mais, enquanto é apresentado ao que está rolando agora nas publicações da editora. O Superman pós-reboot morreu, por exemplo.

O especial também traz críticas às próprias escolhas de Johns, Jim Lee, Dan Didio e da DCE nos últimos anos. A regra dos heróis não poderem mais casar é quebrada com o pedido de casamento do Aquaman para a Mera, por exemplo, enquanto a FAGULHA do amor entre o Arqueiro Verde e a Canário Negro é finalmente reascendida.

No decorrer da HQ, Wally continua tentando se reconectar com pessoas importantes de seu passado, sem sucesso. Quando está prestes a se dissolver e ser integrado à Força de Aceleração, tenta um último contato com o tio Barry. E ele finalmente lembra do sobrinho, puxando-o para dentro deste novo Universo DC.

Kid Flash

E é aqui que acontece um dos dois pontos polêmicos do especial, revelando que não se trata de uma reformulação do reboot, mas sim uma “adaptação”. A presença de Wally é automaticamente incorporada ao novo Universo DC, que se “corrige” para acertar esse erro, esse paradoxo. Automaticamente passam a existir dois Wally West: um que é negro, filho de Daniel West, um dos irmãos da Iris West (a clássica namorada do Barry), e que existe já há algum tempo nos Novos 52; o outro é branco, ruivo, igual a versão original, filho do outro irmão da Iris, Rudy, e que estava esquecido por algum motivo. Ambos primos e nomeados em homenagem a um tataravô chamado Wallace West.

Pra piorar, assim que é reincorporado ao Universo DC, Wally passa a ter que se esforçar pra não ESQUECER toda a cronologia anterior. Como diriam antigamente, foi uma EMENDA pior que o SONETO.

No final, o especial ainda traz um teaser, um LINK do Universo DC com Watchmen, com o Batman encontrando o BROCHE do Comediante... Isso, com outras pistas no decorrer da revista e o epílogo que vem a seguir, dá a entender que o Dr. Manhattan criado por Alan Moore teria relação com essas mudanças todas, ou mesmo com o perigo que Wally veio avisar.

Por tudo isso, o que DC Universe: Rebirth #1 faz é dialogar com o fã das antigas, com aquele cara que sente falta do Universo DC que lia antes. O retorno do Wally, por mais que, nas palavras do Johns, tente representar quem tá chegando agora ao UDC, na verdade representa a tentativa de fazer com que o leitor da VELHA GUARDA se sinta em casa novamente, com alguns móveis atualizados e uma TV de LED no lugar do tubão, mas ainda sendo a mesma casa. Nesse sentido, o gibi deu certo.

RebirthNão à toa, a DC divulgou essa história do Wally em previews, justamente pra reforçar o apelo com esse cara e também com os donos e balconistas de comic shops, atores importantes nesse processo e que, normalmente, refletem a opinião desse leitor da VELHA GUARDA.

Porém, de nada adianta todo esse esforço se não é entregue uma história boa, consistente. O roteiro de Johns fica o tempo todo apelando pra nostalgia, pro “tá tudo bem agora”, enquanto tenta rapidamente pincelar os momentos atuais dos principais personagens da editora, apenas avisando que “um grande perigo tá vindo”. É fraco.

Tenho dúvidas se um leitor novato, que nunca leu nada da DC antes ou só teve contato com alguns gibis dos Novos 52, sentirá alguma coisa ao ler DC Universe: Rebirth #1. Afinal, o que o nome Wally West diz pra ele? Como sentir nostalgia de algo que nunca viveu?

Esse sentimento é intensificado pela arte, assinada por Gary Frank, Ethan Van Sciver, Ivan Reis e Phil Jimenez. A escolha deles não foi aleatória: os quatro continuam a linhagem do traço clássico da editora, aquela de George Pérez e José Luis Garcia-Lopez. Porém, eles estão apenas no automático, entregando algo clássico, sem inovar, e com referências ao passado.

O fato é que, com a aproximação desse cara das antigas, as vendas da DC vão subir no começo do Rebirth. Porém, isso é pouco. A editora precisa entregar logo boas histórias, enredos que justifiquem tanta atenção, algo que está prometido para os especiais “Rebirth” e as novas revistas menais. E precisa ser mais do que ver os Titãs clássicos com o Kid Flash ou a Mera e o Aquaman casando.

Caso contrário, a editora pode acabar se vendo na mesma situação de 2010 e começo de 2011, quando parecia presa a um número cada vez mais minguado de leitores.

“Se alguém não gostar [do especial], pode me mandar pelo correio na Warner Bros., pra mim, que eu mando um cheque. Eu literalmente irei pagar pela postagem e pela revista”, disse Geoff Johns ao ComicBook.com, apostando justamente nesse fator nostalgia.

Cara, cê aceita edições digitais? :/