A versão de Jon Bernthal para o anti-herói da Marvel é apenas a mais recente de uma tradição que começou em 1989
Uma coisa os fãs de quadrinhos não podem negar sobre a segunda temporada de Demolidor: a atuação de Jon Bernthal como o vigilante homicida favorito (?) de Nova York está sensacional; psicótica, sombria e cheia de sofrimento, tudo na medida certa. Ele é o quarto a interpretar Frank Castle.
Talvez apenas o Homem-Aranha se iguale ao Justiceiro em número de diferentes versões no cinema/TV — e isso se a gente for considerar, além de Tobey Maguire, Andrew Garfield e o vindouro Tom Holland, também Nicholas Hammond, o Peter Parker da série do final dos anos 1970.
Tudo começou em 1989, muito antes da AURORA dos filmes baseados em histórias em quadrinhos, com O Justiceiro. No papel principal, ninguém menos do que o grandalhão Dolph Lundgren, aqui de cabelos pretos bem diferentes do loiro platinado de sua época como Ivan Drago.
Com um orçamento apertadíssimo de US$ 11 milhões, bem longe das cifras milionárias da Marvel de hoje em dia, este primeiro Justiceiro teve que reproduzir Nova York lá em Sidney, na Austrália, pra tentar controlar os custos. No fim das contas, temos um filme que, como adaptação dos gibis, fracassa miseravelmente. Muito pouco (ou quase nada, para ser mais preciso) lembra as HQs de Frank Castle – que, aqui, é um ex-policial cuja família foi atacada pela máfia e que todo mundo achava que tinha morrido junto. Mas não. Escondido NOS ESGOTOS, ele começa uma missão secreta contra os criminosos da cidade, chamando a atenção da Yakuza e até tirando da aposentadoria o bandidão Gianni Franco, que promete unir as famílias de malvadões da cidade.
É, como eu disse, não tem quase nada de Frank Castle aqui. Mas Dolph Lundgren, no seu melhor estilo Justiceiro sexy de roupa de couro a la Stallone Cobra, protagoniza uma história que é puro filme de ação dos anos 1980, com um resultado divertidíssimo. As cenas de ADRENALINA são ao mesmo tempo exageradas e geniais, misturando Máfia italiana e ninjas na medida certa. Canastríssimo, Lundgren entrega uma série de diálogos forçados que são dignos de nota. “Como você chama 125 assassinatos em cinco anos, Frank?”, pergunta o detetive vivido por Louis Gossett Jr., sempre à sua procura. “Eu chamo de um bom começo”, devolve o Justiceiro, rosnando. Fala se não é espetacularmente tosco? :D
Nunca lançado oficialmente nos cinemas dos EUA, este Justiceiro de 1989 não tem nem a icônica caveira no peito – lembrada apenas na ponta das muitas faquinhas que ele deixa como assinatura. O roteirista, Boaz Yakin (Truque de Mestre), já fez questão de deixar claro em diversas ocasiões que a caveira estava em seu script original – no caso, representada por uma pintura feita com spray na camiseta do herói. Mas, segundo ele, a pressão do produtor e do diretor fez com que ela sumisse. Não que fosse ajudar em muita coisa, vamos combinar... ;)
O Justiceiro voltaria aos cinemas somente em 2004, num reboot com rigorosamente o mesmo nome: The Punisher. Aqui, no entanto, o papo foi outro. Afinal, estamos falando de uma produção de Avi Arad, um sujeito já bem mais escolado no universo da Casa das Ideias depois de Blade, Homem-Aranha, X-Men, Demolidor, Hulk...
Thomas Jane, segundo consta, sempre foi a escolha do produtor para o papel de Frank Castle. Só que Arad teve que ser bastante insistente, já que o ator não aceitou de primeira. Mas quando viu uma arte do sensacional capista Tim Bradstreet, opa, aí Thomas Jane mudou de ideia. Além de ler uma porrada de quadrinhos do matador (e se tornar, como confessou mais tarde, fã de suas histórias), Jane treinou durante cerca de seis meses com os SEALs, a tropa de elite da Marinha americana — e da qual o próprio Frank Castle fez parte, aliás.
Essencialmente uma história de origem, este Justiceiro de 2004 mistura dois momentos clássicos do sujeito nos gibis: aqueles instantes pós-perda da família que pudemos ver em Justiceiro: Ano Um, do trio Dan Abnett, Andy Lanning e Dale Eaglesham (1994), e talvez aquela que seja a melhor HQ de Frank Castle até hoje, a brilhante Bem-Vindo de Volta, Frank (2000), publicada sob o selo Marvel Knights. Por sinal, tem MUITO da minissérie de Garth Ennis e Steve Dillon, a dupla de Preacher, neste filme – das piadinhas de humor discutível (mas bastante sanguinolento) às aparições de coadjuvantes como o grandalhão Russo e os vizinhos que não desconfiam das atividades de Castle mas que acabam se tornando sua “família disfuncional”, Dave (Ben Foster), Bumpo (John Pinette) e Joan (Rebecca Romijn).
O Justiceiro de Thomas Jane não é um filme ruim. É bem divertido até, se a gente colocar na balança os seus altos e baixos, além de bastante fiel ao personagem original. O único ponto delicado aqui é que, assim como no filme anterior de 1989, o roteiro se apoia em uma ideia equivocada: a de dar um rosto para os assassinos da família de Frank Castle. No caso deste filme, Frank está trabalhando como agente infiltrado do FBI e acaba que em uma missão o jovem Bobby Saint é morto. O lance é que Bob é filho de Howard Saint (John Travolta), chefão do crime que resolve se vingar e passa fogo em todos os ENTES QUERIDOS do cara durante uma festança em família.
Eis meu ponto: o mais legal do Justiceiro é justamente o fato de que a família dele foi morta num tiroteio entre gangues. Fim. Ele não sabe direito quem estava lá. E isso não importa. Porque a vingança dele passa a não ser contra um cara em específico. Mas sim contra todos os bandidos do mundo. Quando você dá rosto para quem matou sua esposa e seus filhos, a história não é mais uma MISSÃO e sim apenas (?) VINGANÇA. O Justiceiro mata todo mundo “que merece”. Sem preconceitos. Fim.
De qualquer forma, parece que Avi Arad tinha gostado do resultado – tanto é que um segundo Justiceiro com Thomas Jane esteve em discussão dentro da Lionsgate durante muito tempo. Jonathan Hensleigh, diretor do primeiro, chegou inclusive a ter uma primeira versão do roteiro finalizada, com o Retalho como vilão e tudo mais. John Dahl (Cartas na Mesa) e Walter Hill (O Último Matador) foram considerados como diretores em algum ponto do processo, mas a coisa entrou naquele espiral de ir e voltar tantas vezes, roteiro escrito e reescrito, cortes no orçamento para tentar fazer caber. No final, depois de ler uma versão com a assinatura de Kurt Sutter (Sons of Anarchy), Jane ficou puto e saiu de cena. Num papo com o AICN, ele chegou a declarar que não iria “perder meses da minha vida suando por um filme no qual simplesmente não acredito. Amo os caras da Marvel e desejo o melhor pra eles”.
Não seria, no entanto, a última vez que Thomas Jane encarnaria Frank Castle – em 2012, ele estrelaria Dirty Laundry, fanfilm produzido por Adi Shankar (aquele mesmo do curta mais “sério” dos Power Rangers).
De qualquer maneira, em 2007, o projeto enfim caminhou, agora com a diretora Lexi Alexander no comando das operações. De primeira, a diretora tinha simplesmente desencanado e dito um grande “não, valeu” para a proposta. Mas aí ela foi ler os gibis adultos de Frank Castle, da linha MAX, e resolveu pensar outra vez.
Teve a garantia da Lionsgate de que poderia dar um visual diferente para a história, que não precisaria ser necessariamente uma “continuação” e topou, trazendo outro ator para o papel, Ray Stevenson. Pelo menos em termos visuais, até o momento, tinha sido a escolha mais próxima do visual clássico de Frank Castle nos gibis. Foram lá, colocaram a assinatura de Marvel Knights e seguiram em frente com o que é, na prática, MAIS UM reboot do personagem.
Optando por um título diferente dos anteriores, O Justiceiro: Em Zona de Guerra (Punisher: War Zone), Lexi também acertou ao evitar contar mais uma vez uma história de origem. Aqui, Castle já é o Justiceiro há cinco anos – e acaba enfrentando a ameaça do desfigurado chefão do crime que passa a ser conhecido como Retalho (Dominic West).
A história tem alguns elementos da fase Ennis/Dillon, como a presença do detetive “meio” covarde Martin Soap, forçado a participar da Força Tarefa que vai caçar o Justiceiro – uma iniciativa meramente para satisfazer a opinião pública, da porta pra fora, já que a polícia de Nova York tem grande simpatia pelo matador de criminosos, no fim das contas. Mas, em termos gerais, o filme é muito mais uma homenagem aos anos 1980/1990, com a primeira aparição do Microchip (Wayne Knight), clássico coadjuvante de Castle, especialista em armas e tecnologia que é o parceiro e fornecedor oficial do cara.
As discussões de Alexander com a Lionsgate na realização do filme foram muitas e, já que a diretora não tem mesmo muitas papas na língua, algumas delas se tornaram até públicas, com seu nome sendo garantido como “eliminado” do projeto em algum momento. Tudo resolvido, o filme saiu e, olha, não é nem de longe tão ruim como muita gente pinta. Tem ótimas cenas de ação, diálogos inteligentes, uma dose de humor... Talvez um pouquinho menos de sentimentalismo lá pelo meio do caminho, quando o Justiceiro começa a se sentir culpado e resolve abandonar a carreira de combate ao crime, pudesse ajudar.
Anos depois, no entanto, a diretora chegou a dizer que adoraria ter trabalhado mais com a Marvel e menos com a Lionsgate no filme. “Não queria ter feito um filme da Marvel deste jeito, porque 99% das sugestões deles a respeito eram MUITO melhores que as do estúdio e eu estava mais em sintonia com eles, no fim”.
Lexi, que nos últimos meses dirigiu episódios de Arrow e Supergirl, talvez esteja bastante empolgada com as notícias de que, depois da segunda temporada do Demolidor, Marvel AND Netflix estariam interessados num spin-off do Justiceiro.