O anúncio do Escalador de Paredes no Universo Marvel nos Cinemas representa também um duro golpe numa disputa de bastidores
Madrugada de 10 de Fevereiro de 2015, no Brasil. Ainda 9 de fevereiro de 2015 em Culver City, sede da Sony Pictures, e em Burbank, sede da Disney. Foi quando e onde Avi Arad, o ex-todo-poderoso da Marvel Studios e, até então, o executivo por trás dos filmes do Homem-Aranha, teve a sua maior derrota.
O Amigão da Vizinhança agora terá novos rumos, vai seguir em frente como parte do Universo Marvel dos Cinemas – e justamente nas mãos daquele que deve ser o maior desafeto de Arad, o atual-todo-poderoso da Marvel Studios: Kevin Feige.
O que se imagina é que Feige, que conversou com a Sony para costurar o novo acordo entre Marvel e Sony, exigiu que Avi Arad não participasse dessa história toda, ao contrário do que aconteceu em todas as adaptações aracnídeas até hoje. Resquícios das picuinhas internas do passado da Marvel? Talvez. Mas também é provável que Feige saiba que, pro Homem-Aranha voltar a dar certo nos cinemas, não precisa do velho estilo da Marvel Studios, aquele representado por Avi Arad e seu ego. O que o Escalador de Paredes precisa, na real, é do a Marvel Studios faz hoje, aquele que fez antigas franquias B, como Homem de Ferro e Guardiões da Galáxia, se transformarem em mega sucessos internacionais.
Novo jeito e velho jeito? É, pois é. Tá aí uma história que vale a pena ser contada, até para entender exatamente o que essa derrota significa — que, além de tudo, representa o fim definitivo de uma fase que tirou a Casa das Ideias do fundo do poço e a colocou no posto de uma das empresas mais influenciadoras da cultura pop atual.
O relacionamento de Avi Arad com a Marvel começou ainda nos anos 90. Nessa época, a Marvel já tinha uma parceria com a ToyBiz, que tinha como sócios Ike Permuller e o próprio Arad. A fabricante de brinquedos fez um acordo com a Casa das Ideias em 1993, fundando a Marvel Films, com Arad sendo escolhido para ser o primeiro CEO. Já em 1996, depois que o braço de animação da empresa foi vendido para a Fox, a ToyBiz e a Marvel Entertainment Group (MEG) criaram a Marvel Studios que conhecemos hoje. Arad continuou no controle da nova empresa, ao lado de Jerry Calabrese, então presidente do MEG.
Como você sabe, a Casa das Ideias encontrou o fundo do poço em meados da mesma década de 90, principalmente por conta da implosão do mercado especulativo de quadrinhos, que focava mais na quantidade do que a qualidade — e na valorização depois dos gibis de um tempo, o que jamais viria acontecer, já que nada ali poderia virar raridade. Ou opção de compra, de tão ruim que era...
As vendas, obvio, caíram drasticamente. A Marvel sentiu muito essa porrada, principalmente por ser um grupo quase que inteiramente focado no mercado editorial, ter uma distribuidora própria e pelo fato do então dono da Marvel Entertainment Group, Ronald Perelman, ter feito financiamentos de risco usando como seguro as próprias ações do grupo. As contas e as dívidas continuavam a vencer todos os meses, mas o faturamento não acompanhava mais. Em dezembro de 1996, a Casa das Ideias pediu concordata (uma forma mais suave de falência).
Depois de toda a treta jurídica, que acabou sendo vencida pela ToyBiz, Arad percebu que o maior ativo da Marvel eram seus personagens e botou na cabeça que licenciar os direitos de adaptação daqueles personagens para os grandes estúdios ajudaria a pagar as contas. Assim, Blade foi para a New Line, enquanto X-Men, Demolidor e o Quarteto Fantástico foram parar nas mãos da Fox.
Com as coisas mais calmas e o surgimento da Marvel Enterprises, em 1998, a linha de quadrinhos precisava reencontrar um rumo – o que foi feito com a ajuda de Arad, Perelman, além do publisher Bill Jemas e do então editor-chefe Bob Harras. Só que ainda faltava um detalhe para resolver todos os problemas financeiros, pela cabeça de Arad: os direitos do Homem-Aranha.
O Homem-Aranha era, sem dúvida alguma, o maior sucesso da Marvel nos quadrinhos e na televisão, por conta das séries animadas. Era uma franquia que, indo pra um estúdio de cinema, poderia render um bom lucro.
Porém, em 1985, os direitos de adaptação do Amigão da Vizinhança já tinham sido vendidos para a Cannon Group, famosa por fazer filmes com orçamento apertado e a toque de caixa, tipo aquele longa-metragem do He-Man. Na época, pagaram US$ 225 mil, mais uma porcentagem da bilheteria, para ter um prazo de 5 anos pra fazer o filme.
Foi uma cagada atrás da outra que acabou culminando num acordo maluco envolvendo Arad, Sony, MGM e os direitos do Homem-Aranha e James Bond (mais detalhes dessa história você encontra aqui) ficando nos lugares que estão hoje. Os ganhos da Marvel seriam maiores do que no contrato com a Fox e, o principal, as duas empresas seriam sócias no licenciamento de brinquedos e colecionáveis referentes à franquia dos cinemas.
Quando os filmes baseados em super-heróis da Marvel finalmente começaram a sair – incluindo Homem-Aranha, Avi Arad era o produtor executivo em todos. Era o processo de revitalização da Casa das Ideias dando certo em sua plenitude.
É nessa época que Kevin Feige aparece nessa história. Lauren Shuler Donner, produtora dos filmes do X-Men, convidou o cara pra ser produtor associado, por conta do seu “enciclopédico conhecimento do Universo Marvel”. Assim começou uma longa ligação com a Marvel Studios e não demorou para o próprio Arad colocar Feige como o segundo em comando na divisão.
Só que, nessa época, a Marvel Studios nada mais era do que a dona da bola que a alugava pros outros jogarem – e ficava de longe, meio que como o bandeirinha, sem curtir muito o jogo. Começou a surgir dentro da empresa o desejo de produzir diretamente os filmes, buscando financiamento e levando pra tela grande aqueles personagens que não estavam licenciados para ninguém. Foi aí que começou a grande treta entre Arad e Feige.
Ninguém sabe, exatamente, o que aconteceu nos bastidores. O que é público é que em 2006 a Marvel conseguiu o dinheiro que precisava e costurou acordos de distribuição com Paramount e Universal para, respectivamente, Homem de Ferro e O Incrível Hulk. No ano seguinte, Arad saiu e Feige foi apontado como presidente da Marvel Studios.
Há duas versões para isso, nenhuma com todas as respostas. A primeira, contada em um artigo da Bloomberg e que ouviu gente envolvida no processo (inclusive os dois), diz que Arad deixou a Marvel Studios por discordar da estratégia de produzir filmes próprios, deixando o caminho para Feige assumir a presidência. Só que o próprio Avi nega isso. “Nossos parceiros financeiros [que bancaram os primeiros filmes] contaram com a minha reputação. Eu tive que trabalhar muito duro para combater os incrédulos. Eles acreditaram em mim e sem Homem de Ferro esse artigo nunca teria sido escrito”, respondeu o executivo numa entrevista ao Daily Mars. “Isso soa para você como alguém que tenha discordado da estratégia de ‘vamos fazer nossos próprios filmes’? Eu perdoo Kevin por seguir ordens e ficar com o crédito, mas eles não tinham alternativa”.
O fato é que houve uma ruptura entre os dois lados. A Marvel Studios passou a emplacar um sucesso atrás do outro, como todo mundo sabe, enquanto Avi criou a Arad Productions e continuou intimamente ligado aos filmes do Homem-Aranha. De uma forma não muito clara, com toda a certeza ligada à resolução do conflito com a MGM nos anos 90, Arad se manteve no papel de homem forte dos filmes aracnídeos na Sony, conseguindo um contrato de produção independente com a Marvel. Mais do que isso: continuou como voz ativa, seja direcionando internamente o caminho dos filmes do Aranha ou dando entrevistas e mais entrevistas quando as produções eram lançadas.
Dois acontecimentos exemplificam esse comportamento. O primeiro é a presença do Venom em Homem-Aranha 3, um erro assumido pelo próprio produtor em entrevista EXCLUSIVA ao JUDÃO em 2012, mostrando o quanto a visão dele influenciou os filmes do herói para o bem e também para o mal.
O segundo exemplo dá a dimensão do tamanho do ego dele, ao menos quando falamos do Aranha. No ano passado, pra anunciar o então-futuro-filme do Sexteto Sinistro, a equipe de assessoria de imprensa da Sony passou o press-release pra aprovação de todos os executivos via e-mail. A versão original colocava que “o filme, que será produzido por Matt Tolmach e Avi Arad, chegará aos cinemas em 11 de novembro de 2016”. Arad não gostou. “A ordem para o Sexteto Sinistro, com o Matt em primeiro e eu em segundo não fica bem pra mim. Eu acho que precisa de mais discussão. Não dispara ainda”, respondeu ele para Jean Guerin, VP de Relações com a Mídia da Sony Pictures. Quando o texto finalmente chegou aos jornalistas, afirmava que o longa seria produzido por Avi Arad e Matt Tolmach, como você pode ver aqui.
Foi logo depois disso que as coisas azedaram dentro da Sony. O resultado de O Espetacular Homem-Aranha 2: A Ameaça de Electro não foi bom, a produção do Sexteto desandou, os resultados financeiros pioraram, veio o #SonyHack, vazamento de um papo antigo com a Marvel, o desejo de muita gente na internet pra ver esse acordo dando certo novamente e...
Chegamos no anúncio dessa semana. E lá tem, como produtor, o nome do Kevin Feige primeiro, seguido pelo da Amy Pascal, justamente uma das mais queimadas pelo Hack. Avi Arad? Está fora.
A Variety, porém, afirma que uma fonte ligada ao cara disse que “Avi tem 66 anos. Ele é movido a criatividade e ele tem encontrado essa criatividade em outros lugares. Ele não precisa desse dinheiro”.
Como dissemos aqui, muito provavelmente ele terá algum tipo de influência nessa história — mas única e exclusivamente pelo lado da Sony. E se, somente se, for algo REALMENTE necessário.
Depois de pouco mais de duas décadas, acabou.
Obrigado por tudo Avi, só que é hora de seguir em frente. Acredito que há vida para você no “pós-Homem-Aranha”, até porque você já está envolvido com produções como as adaptações de Uncharted, Metal Gear Solid e Ghost in the Shell, entre outras — incluindo até um filme com alguma nova criação do Stan Lee.
Mas tenha certeza também que há uma bela e longa vida para o Homem-Aranha no “pós-Avi Arad”. Your turn, Feige. ;)