Brian Michael Bendis tá saindo da Marvel e indo pra DC

Estamos diante daquela que talvez seja uma das notícias mais inesperadas do mercado americano de quadrinhos, ainda mais por se tratar de um sujeito que praticamente se tornou sinônimo da Casa das Ideias nos últimos anos

Bastou um único tweet pra colocar os fãs de quadrinhos em polvorosa numa terça-feira que parecia muito com qualquer uma outra que já antecedeu uma quarta, aquela da feijoada. O recadinho, postado de maneira absolutamente displicente pela DC Comics, como se não fosse lá grande coisa, dizia apenas que eles estavam “muito empolgados para começar a trabalhar com Brian Michael Bendis”, com uma imagem / comunicado revelando um acordo de exclusividade com o roteirista, “multianual e multifacetado”.

Na última vez que eu olhei... Sim, exato, o MÊS CORRENTE é o de Novembro e não há absolutamente nenhum tipo de data comemorativa relacionada a mentira ou aos TOLOS, como eles diriam lá.

“Mal posso esperar para fazermos alguma coisa juntos, amigo”, complementou o todo-poderoso Geoff Johns, também no Twitter. “Isso é real. Eu amo todos vocês. Mudanças são boas”, complementou o próprio Bendis. “Mudanças são saudáveis. Estou queimando com ideias e inspirações. Mais detalhes a seguir”.

A Marvel, claro, se manifestou também, afirmando que já sabia que o escritor não renovaria seu acordo de exclusividade com eles (que foi renovado pela última vez em 2015). “Brian é um grande parceiro e contribuiu com histórias e personagens incríveis pro Universo Marvel ao longo dos anos”, disse a editora. “Apreciamos a sua criatividade e seu profissionalismo e desejamos muita sorte pra ele em seus projetos futuros”.

Ainda não se sabem detalhes nem sobre quais projetos ele vai tocar na DC, nem a partir de quando – e muito menos sobre o que vai acontecer com os projetos que ele, pelo menos até esse dia 07 de Novembro de 2017, tocava na Casa das Ideias — Invincible Iron Man, Spider-Man (aquele com o Miles), Jessica Jones, Defenders e a já anunciada minissérie Punisher: End of Days. Além disso, ele tem uma série de títulos autorais rolando dentro do selo Icon, como Powers e United States of Murder, ambos com Michael Avon Oeming, e Scarlet, parceria com Alex Maleev que inclusive tá em negociação pra virar série original no Cinemax.

Por falar em TV, não dá pra esquecer de seu papel como produtor/consultor em filmes e séries da Marvel, incluindo a da Jessica Jones e o VINDOURO longa-metragem animado do Homem-Aranha que a Sony lança em 2018, que terá Miles Morales como protagonista.

Brian Michael Bendis

Sacou o tamanho da coisa toda? Claro, este movimento é normal neste mercado, inevitavelmente vemos idas e vindas de roteiristas e desenhistas. Mas o lance é que AQUI estamos falando, sem exagero, do fim de uma era. Foram 17 anos de relacionamento do Bendis com a Marvel. Não é exagero algum dizer que, nos últimos anos, Brian Michael Bendis se tornou o principal garoto-propaganda da casa do Homem-Aranha. Muitíssimo mais do que qualquer Joe Quesada e, sacrilégios à parte, tanto quanto um Stan Lee da vida.

Embora tenha começado a carreira como ilustrador, foi obviamente como roteirista que este nativo de Cleveland fez a fama. Depois de uma breve passagem pela Caliber Comics, foi na Image que encontrou sua grande chance com Jinx, uma versão noir do clássico faroeste Três Homens em Conflito, de Sergio Leone. Escreveu ainda a dupla de policiais Sam & Twitch e lançou o seu aclamado Powers – até que, por meio do amigo David Mack, conheceu Joe Quesada, que na época cuidava do selo Marvel Knights, e foi parar na Casa das Ideias. Um de seus primeiros desafios? A versão ultimate, uma reinvenção para o século XXI, de um dos medalhões da casa: o Homem-Aranha.

Começaria ali, no ano 2000, uma trajetória que marcaria os rumos da Marvel não apenas dentro dos quadrinhos — porque foi justamente o seu Peter Parker, por exemplo, que inspirou grande parte das adaptações do Cabeça de Teia nas animações e nas versões cinematográficas. Mais moderno, mais contemporâneo mas, ainda assim, extremamente respeitoso ao conceito criado por Stan Lee e Steve Ditko. À frente do gibi do Demolidor, fez uma das versões definitivas do personagem, ao lado do ilustrador Alex Maleev, criando um Homem Sem Medo tão lembrado quanto aquele escrito por Frank Miller.

Dali, partiu para criar e desenvolver Jessica Jones, em Alias e, então, pelos idos de 2004, assumiu uma bucha sem tamanho: a recriação dos Vingadores, aquele que deveria ser o maior grupo de heróis da editora e que andava apagadão, esquecido, meio sem graça. Bendis encheu de referências aos clássicos aqui, trouxe outros heróis mais badalados ali (como o Aranha e o Wolverine), deu mais graça e carisma aos velhos integrantes, criou um bocado de diálogos ágeis e inteligentes pra embasar as cenas em que os personagens NÃO estão sendo super-heróis e, num passe de mágica, o título principal e seus derivados se tornaram os maiores sucessos da nova Marvel. E adivinha só qual filme bebe UM MONTE da passagem dele pela equipe?

Foi Bendis que finalmente entendeu o Ciclope e o tornou um revolucionário e ícone da rebeldia mutante, criando um dos maiores CISMAS que os títulos X já viram; foi Bendis que aproveitou o charme de Robert Downey Jr. para dar mais jogo de cintura à sua contraparte nos gibis; foi Bendis que pegou os Guardiões da Galáxia recauchutados por Dan Abnett e Andy Lanning em 2008 e, além de dar continuidade à sua revitalização, os catapultou para o centro do Universo Marvel, criando laços com o restante da comunidade super-heróica e ajudando a criar o clima de uma certa adaptação cinematográfica, não sei se vocês lembram bem qual é.

Bendis se tornou símbolo da Marvel. Em termos comparativos, dá até pra dizer, deixando os cargos de lado, que seria o mesmo que o Geoff Johns decidir ir trabalhar na Marvel.

No fim das contas, Gail Simone, em entrevista ao Newsarama, define muito bem este momento: “É difícil imaginar a Marvel sem Brian, mas é delicioso imaginar a DC com ele. Esta é uma das notícias mais empolgantes dos quadrinhos em muitos anos”.

Sou obrigado a concordar com a ela. É um Bendis fora da zona de conforto, começando do zero exatamente como foi com o Ultimate Homem-Aranha, 17 anos atrás, sangue nozóio pra mostrar serviço com uma caixinha nova de brinquedos. Só que agora esta é uma versão com muito mais experiência, que tem muito mais bagagem. Pensem nas possibilidades.

Depois de tudo que eles fez pelos Vingadores, é inevitável imaginar que ele poderia muito bem desembarcar na Liga da Justiça. Ou talvez nos Titãs, alinhando com o lançamento da nova série live-action baseada no grupo? E toda a sua pegada com vigilantes urbanos, Demolidor e toda aquela galera, pensa no que poderia acontecer se ele pegasse pra escrever o Arqueiro Verde? Ou o Asa Noturna? Quiçá até aquele sujeito vestido de morcego em Gotham City? Seus diálogos caberiam muito bem até pra dupla Besouro Azul / Gladiador Dourado. E isso se a gente não pensar no potencial pra criar NOVOS e empolgantes personagens, como a JJ e o Miles...

Definitivamente, essa é uma PUTA notícia. Pra DC pelo menos. ;)

BÔNUS TRACK: Na verdade, Brian Michael Bendis já publicou uma história pela DC, acredite se quiser. Foi em junho de 2000, uma trama curta no gibi Batman Chronicles #21. Era basicamente uma reinvenção do filme Cidadão Kane, só que com Bruce Wayne no papel de protagonista. O título da história? Citizen Wayne. ¯\_(ツ)_/¯