ComiXology: nem toda ideia é à prova de balas | JUDAO.com.br

Criada em 2007, plataforma foi inovadora na venda de HQs digitais e apontava um caminho que, alguns diziam, podia matar o gibi impresso. Só que a compra pela Amazon pode ter dado uma freada nesse futuro promissor — que, ao que tudo indica, eles tão querendo retomar!

ICQ com a AOL. MySpace com a News Corp. Geocities com o Yahoo!... São diversos os exemplos de empresas inovadoras em seus setores e com ótimas ideias que foram compradas por grandes conglomerados e se tornaram incapazes de fazer aquilo que as tinha tornado inovadoras em primeiro lugar: entender o que as pessoas querem. E, pelo jeito, a lista um dia pode ser acrescida do nome da ComiXology, plataforma de venda de HQs digitais que foi comprada pela Amazon no ano passado.

Quando ninguém falava em quadrinhos digitais, no já distante 2007, a empresa foi fundada. Em 2009, antes mesmo do lançamento do primeiro iPad, eles perceberam que todo mundo um dia poderia querer comprar e ler gibis em qualquer lugar – e lançaram o primeiro app para smartphones pensando com esse fim. Quando o tablet da Apple saiu, no ano seguinte, eles estavam lá, na primeira fila.

O ComiXology fez os quadrinhos digitais serem vistos, comentados, comprados. As editoras perceberam que ali era um dos caminhos para estancar a fuga de leitores que estavam enfrentando. Em 2011, a DC aproveitou o reboot para lançar os títulos digitais no mesmo dia que os físicos. Pouco tempo depois, a Marvel e as outras editoras acompanharam a decisão. Em 2012, tirando games, o que mais se comprou nos iPads do MUNDO foram quadrinhos. E isso tudo sem contar as HQs independentes e de editoras menores, como The Walking Dead, que lidera as vendas do aplicativo mais ou menos desde sempre. No geral, passaram a marca das 100 milhões de publicações vendidas pela plataforma.

Já em 2013, as editoras venderam US$ 90 milhões pelo ComiXology ou por apps próprios, que utilizam a tecnologia dos caras. Crescimento de 29% em relação ao ano anterior – enquanto a indústria dos gibis, como um todo, cresceu 8%. Nessa época, anunciaram com sorriso nos olhos: haviam passado a marca de 200 milhões em vendas. Em apenas 12 meses os caras venderam igual a tudo que tinham feito nos primeiros CINCO anos.

E aí chegamos em Janeiro de 2015. As editoras dos EUA continuam felizes com as vendas físicas – afinal, cresceram mais 4% no último ano, ganham 21% a mais do que há cinco anos... Só que o ComiXology nunca anunciou ter passado da barreira dos 300 milhões de edições vendidas e agora está mandando e-mail para os assinantes, como se estivesse com uma cara triste, perguntando: “Por que você não tem comprado quadrinhos nos últimos tempos?”.

É sério: eles estão fazendo uma pesquisa, pedindo “ajuda pra fazer um ComiXology melhor”. Tem aquelas perguntas de onde você ouviu falar, principal razão pra ter uma conta por lá e aí vem: “se você não comprou nenhum gibi com a gente, alguma dessas razões explica?” Entre as opções, “Eu não gosto mais de quadrinhos”, “Não tem nada que valha a pena comprar”, “prefiro gibi físico”, “gosto de quadrinhos digitais, mas são muito caros” e “não compro mais mais porque a compra in-app foi removida”.

Há também a opção “outros” e, se alguém responder “Amazon” por ali, talvez responda exatamente o que eles querem saber.

Worst. App. Ever.

Worst. App. Ever.

Um dos grandes diferenciais do ComiXology era, desde o lançamento, transformar o smartphone ou tablet em uma verdadeira comic shop. De forma fácil e prática você via os títulos lançados na semana, a separação por editoras, coisas antigas que eles haviam adicionado, promoções... Era, de certa forma, o substituto digital do tiozinho do balcão, aquele que fica te indicando as novas paradas. Isso a qualquer hora, de qualquer lugar.

Só que isso custava uma grana. A Apple abocanha 30% de todas as vendas feitas dentro dos apps. Eles têm as justificativas deles, claro, sendo a principal delas deixar que os desenvolvedores não se preocupem com nada além do próprio desenvolvimento – deixando essa coisa de distribuição, cuidado com a plataforma de apps e tudo mais com o pessoal de Cupertino. Hoje são mais de 800 milhões de usuários na iTunes Store, algo que não deve ser muito barato manter.

Houve também dentro da própria ComiXology um erro estratégico. Foi quando a empresa, por não entender as políticas da própria Apple, começou a limar por conta própria gibis da venda dentro do app, como a edição 12 de Saga. Pouco depois, a própria Apple pediu que fossem retiradas outras 56 HQs da plataforma.

Para uma empresa pequena, entrar nesse jogo faz parte – por mais que, nesse caso, eles não produzam nada, só revendam com uma margem pra eles. Só que no caso da Amazon, nessa birra entre corporações, eles têm algo a provar: que não precisam da Apple. Por que então fazer o seu novo parceiro dar dinheiro pros discípulos de Steve Jobs? Por que também ficar se preocupando com o que eles vão aprovar ou não? Com isso na cabeça, no mesmo mês da compra da empresa (ou seja, em abril do ano passado), os novos donos mandaram cortar as vendas via app, exatamente como no caso do aplicativo do Kindle. Pior: obrigaram todo mundo a baixar um novo aplicativo, com a biblioteca zerada.

Isso trouxe um grande impacto: não podemos mais ver e comprar, de qualquer hora e qualquer lugar, as novidades das editoras. Agora é obrigadório ou a ir até um computador, digitar www.ComiXology.com; logar, escolher o que quer, comprar, voltar ao tablet, abrir o app e, aí sim, baixar a HQ – ou fazer todo esse processo do navegador da própria bagaça. Essencialmente, é o mesmo processo necessário pra se baixar uma HQ pirata e colocá-la no seu aparato.

Isso quando, antes, bastava escolher, confirmar a compra e BOOM, já estava baixando.

Num mundo onde ~pesquisadores de e-commerce alegam que você precisa “diminuir telas” (ou seja, fazer o coitado do comprador abrir MENOS páginas antes de comprar) pra não desistir, o que dizer de um sistema que te obriga a usar OUTRA COISA pra comprar? Pois é.

Novo app... CUÉN!

Novo app... CUÉN!

Nem tudo foi tão catastrófico assim. Os aplicativos das editoras, criados a partir da tecnologia da ComiXology, continuam com vendas “in-app”. Legal. Mas aí mata aquela coisa legal, de ter um lugar só com todas as editoras, todos os gibis. Sem falar que, nesse caso, a ComiXology não só divide uma grana com a Apple, mas paga mais pras próprias publishers.

Enquanto isso, alternativas já estão surgindo. A Marvel lançou um serviço próprio de assinaturas, tipo um Netflix dos quadrinhos AND chamado Marvel Digital Comics Unlimited, e dizem que também está desenvolvendo um aplicativo próprio ao estilo do ComiXology. A iVerse, principal concorrente, firmou acordos com a própria Casa das Ideias e a DC.

O Comichron, principal site no acompanhamento das vendas de quadrinhos nos EUA, não fechou ainda as estimativas para o mercado digital em 2014, mas dá pra imaginar que ou elas caíram, ou cresceram menos que os novos donos gostariam. Resta, então, jogar um microfone lá do alto da sede da Amazon em Seattle e tentar entender o comportamento dos leitores. Algo que no passado era tão fácil, mas que agora vai precisar ser tabulado, analisado, catalogado, apresentado em reuniões...

Ninguém perguntou pros ex-funcionários de MySpace e Geocities, mas, se tivessem, eles agora estariam mandando um sonoro “TOLDJA!”