David Bowie vai ganhar cinebiografia, mas sem o apoio da família. Precisa? | JUDAO.com.br

Filme estrelado por Johnny Flynn vai abordar a viagem que o músico fez aos EUA em 1971 e que serviu de inspiração para a criação de Ziggy Stardust… só que provavelmente sem as músicas originais do cara na trilha. Mas talvez isso não seja necessário.

Olha, a gente já cantou esta bola BEM AQUI, mas não custa relembrar: depois da grana absurda que fez Bohemian Rhapsody, a cinebiografia musical financeiramente mais bem-sucedida da história, com este tanto de indicações (ainda que questionáveis) a uma série de prêmios, a tendência é que as tramas da vida real sobre rock stars se transformem nos novos filmes inspirados em gibis e tenhamos um bocado de estúdios correndo atrás dos seus pra faturar uma graninha.

Absolutamente teatral e com uma incrível veia naturalmente cinematográfica, o camaleão David Bowie seria uma escolha natural para um projeto destes — que, obviamente, já está em andamento.

A Film Constellation, empresa inglesa fundada em 2016 e especializada em negociar direitos de projetos “visionários” com mercados globais, já está negociando a venda de Stardust, produção da Salon Pictures (do elogiado documentário McQueen e da cinebiografia Churchill) que tem roteiro do novato Christopher Bell e direção do jornalista e cineasta Gabriel Range (do falso documentário A Morte de George W. Bush , que investigaria uma suposta morta ficcional do presidente americano em 2007).

No papel de Bowie, uma escolha bastante interessante: Johnny Flynn. Além de ator (protagonista da série Lovesick, do Netflix, e o jovem Albert Einstein em Genius, do canal National Geographic), o cara também é músico, atualmente vocalista da banda de folk-rock Johnny Flynn & The Sussex Wit. O elenco já tem também confirmados Jena Malone (a Johanna Mason de Jogos Vorazes) como a primeira esposa de Bowie, Angie; e Marc Maron (o Sam Sylvia de GLOW) como o assessor de imprensa da gravadora do músico.

A ideia da história, no entanto, não é ser uma biografia completa, como tentou fazer Bohemian Rhapsody com o Queen, cobrindo o período antes da fama, ralação na estrada, ápice, aquela história. Na verdade, a história de Stardust pretende ser meio que na linha “um momento no tempo”, tipo o que rolou com Sete Dias com Marilyn (2011), no qual Michelle Williams vive a diva cinematográfica durante a sua estadia em Londres para gravar um filme. No caso do filme do Bowie, também teremos o período de uma viagem, quando o astro visitou os Estados Unidos pela primeira vez, em 1971, então inspirando-se para a criação de Ziggy Stardust.

Tudo parece, até o momento, bastante promissor... mas sabe quem aparentemente quer se manter distante deste papo todo? O filho de Bowie, o também cineasta Duncan Jones (que fez a adaptação para os cinemas de Warcraft).

“Olha, eu estou bem certo de que ninguém garantiu os direitos autorais para usar as músicas do meu pai em QUALQUER biografia... Eu saberia”, afirmou Duncan, em uma série de tweets sobre o assunto. “Eu não estou dizendo que este filme não vai acontecer. Eu honestamente não saberia dizer. O que estou dizendo é que, até o momento, este filme não vai ter nenhuma música do meu pai. E não consigo imaginar isso mudando até lá”.

A conversa gerou uma série de perguntas dos INTERNAUTAS a respeito do assunto, incluindo um questionamento frequente: “pô, se você é diretor de cinema e filho do homem, não chegou a pensar em VOCÊ dirigir um filme sobre ele?” Duncan descarta a possibilidade completamente, afirmando que justamente por ser cria do músico, sua perspectiva seria subjetiva e pessoal DEMAIS (você sabia que Bryan May e Cia são produtores de Bohemian Rhapsody? Pois é). Mas ele tem uma ideia: “se o Neil Gaiman quisesse escrever alguma coisa usando os personagens do meu pai e Peter Ramsey (de Homem-Aranha no Aranhaverso) e seu time quisessem transformar isso num longa animado, eu faria com que todo mundo no meu caminho prestasse atenção e consideraria a ideia fortemente”.

Filho não apenas de David Bowie mas também da Angie que será retratada em Stardust, ele diz que este projeto dos sonhos com Gaiman & Ramsey ele faria questão de ver de longe, saindo da frente para que eles tivessem liberdade total e torcendo do começo ao fim. Mas já sobre o filme que REALMENTE está acontecendo, ele tem apenas um aviso aos fãs: “se você quer ver uma biografia de um artista sem a sua música ou sem a benção da família, é escolha do público”.

Olha só, a ideia que ele deu, envolvendo o Gaiman e com a turma do Aranhaverso, é MUITO maravilhosa e eu toparia fácil uma parada assim. Da mesma forma que uma versão para os cinemas de Lazarus, a peça que ele escreveu pouco antes de falecer, ao lado de Enda Walsh, e que foi estrelada por Michael C. Hall, o Dexter da série seria mais do que bem-vinda, por exemplo.

Mas... digamos que esta não seria a primeira vez que um filme SOBRE o Bowie é lançado sem a aprovação da família ou, no caso, do próprio cantor. Duas palavras pra vocês: Velvet Goldmine. A produção de Todd Haynes, lançada em 1998, traz Jonathan Rhys Meyers como o rock star Brian Slade, figura andrógina e sexualmente fluida que é CLARAMENTE inspirada em David Bowie. Já o Curt Wild interpretado por Ewan McGregor é uma mistura de Iggy Pop e Lou Reed, enquanto a Mandy vivida por Toni Collette é obviamente a Angie.

Inicialmente, Bowie não quis saber de muita conversa e chegou a ameaçar processar os responsáveis pelo filme, que acabaram tendo que distanciar a história daquela do homem real, tornando-a ainda mais diferente do que deveria ser um retrato do relacionamento que o camaleão teve tanto com Reed quanto com Pop nas décadas de 1970 e 1980. Mas digamos que quando Brian Slade passa a gradualmente assumir a sua persona de palco, Maxwell Demon, líder da banda Venus in Furs, fica difícil dissociar isso de Bowie-Ziggy Stardust-Spiders From Mars, né?

Velvet Goldmine

De qualquer maneira, as notícias a respeito de Stardust dão conta de que o filme vai seguir, em termos de trilha, a mesma pegada de O Garoto de Liverpool (Nowhere Boy), filme de 2009 que conta a juventude de John Lennon. Yoko Ono liberou a utilização apenas e tão somente de UMA música de Lennon, Mother. Sabe o que a diretora Sam Taylor-Johnson (Cinquenta Tons de Cinza) fez?

Além de rechear a trama com canções de outros artistas da mesma época, para ajudar a contextualizar, tipo Jerry Lee Lewis, Elvis e Buddy Holly, as músicas da primeira banda de John, The Quarrymen, foram interpretadas pelo próprio protagonista, Aaron Johnson (aka Kick-Ass e Mercúrio) e uma banda profissional.

Já que Johnny Flynn é músico, além de ator, e pra facilitar ainda tem sua própria banda, nada mais simples do que colocá-lo para fazer covers de Bowie e ainda comprar os direitos de canções do rock americano do começo dos anos 70, para fazer a trilha da visita de um britânico aos EUA.

No fim, e no fundo o Duncan sabe muito bem disso, o que importa é termos um bom filme. Que não tenha medo de mostrar todos os lados possíveis do homem por trás da lenda, né? E, vamos combinar, Bohemian Rhapsody tá aí pra nos provar que nem sempre ter a aprovação da família/representantes legais e o direito de usar as versões originais das músicas garante a qualidade de muita coisa, né? ¯\_(ツ)_/¯