Estreia oficialmente a Black Crown, nova casa da editora Shelly Bond | JUDAO.com.br

Selo da IDW comandado por um dos maiores nomes da DC Comics nas últimas duas décadas chega com quadrinhos autorais com uma pegada rock n’ roll

Em abril do ano passado, a gente se perguntou aqui no JUDÃO qual seria o futuro da Vertigo. Era justamente o momento da conturbada saída de Shelly Bond, a editora-assistente que tinha mais de duas décadas de casa e que “não teve espaço” em uma reestruturação que começara anos antes, com o desligamento da editora executiva Karen Berger, a mente que mudou os gibis da DC e foi responsável por títulos icônicos como Hellblazer, Monstro do Pântano e Sandman. Isso pra ficar só nos mais conhecidos.

Em 2009, surgiu a DC Entertainment, Diane Nelson entrou em cena e tudo mudou. Veio o reboot, personagens como Monstro do Pântano e John Constantine foram parar no Universo DC principal, sucessos como DMZ, 100 Balas, Fábulas e Y: O Último Homem foram encerrados. Berger viu tudo que construiu se esvaziando, perdeu poder nitidamente e pulou fora. A bomba ficou pra Shelly, pressionada pelas tais franquias que poderiam virar filme, série de TV, a pacotão completo. Tentou um grande relançamento, que não deu lá muito certo, desenhou o novo selo, Young Animal, ao lado do escritor/músico Gerard Way... só que ela não resistiu.

As mudanças mandaram a editora pra rua e seu cargo simplesmente desapareceu – e reacendeu entre os fãs uma discussão acalorada sobre a saída de duas das mulheres mais importantes dos quadrinhos mainstream, enquanto a mesma editora mantinha em suas fileiras o editor sênior Eddie Berganza, com um histórico de assédio e abuso (incluindo um bastante público, que rolou durante a WonderCon, em 2012).

Em setembro, Karen Berger mostrou que estava dando a volta por cima e passou a integrar o time da Image Comics (aka “o sucessor espiritual da Vertigo”), editando Surgeon X, título adulto sobre uma cirurgiã vigilante. Faltava só uma peça para que o ciclo se completasse e ela se encaixa partir deste mês, quando a IDW Publishing lança oficialmente a sua própria Vertigo, o selo Black Crown, a cargo de ninguém menos do que Shelly Bond. Portanto, agora temos DUAS Vertigos fora da Vertigo.

“Depois que saí da DC, tive meu primeiro verão de folga desde os anos 80 e realmente gostei”, conta ela, em entrevista ao THR. “Passei muito tempo em família, fui a muitas convenções, porque eu amo quadrinhos e ainda queria ver o que tava rolando. Foi muito legal estar do outro lado, ver sob outra perspectiva. E aí eu queria demais começar meu próprio selo. Eu sabia que não ia deixar as HQs”.

Mas o namoro entre ela e a IDW começou exatamente no dia em que ela saiu da DC. “Recebi um e-mail do Chris Ryall [na época editor-chefe, agora CCO da IDW] – não o conhecia, mas tenho amigos que trabalharam com ele, uma assistente minha trabalhou com ele, eu tinha ouvido que ele era um cara legal. Ele dizia que, se eu fosse ficar no mundo dos quadrinhos, era pra eu entrar em contato. Respondi imediatamente dizendo que ia tirar um tempo pra mim, mas quando eu voltasse, ele seria o primeiro a receber meu currículo”. E foi o que aconteceu. Eles conversaram e, por mais que Shelly tenha falado com outras empresas, ela botou fé que a IDW era a casa certa para o Black Crown.

Shelly Bond descreve Black Crown como gibis com uma artilharia rock n’ roll. “São títulos que existem no cruzamento entre HQs e caos. Eles são quadrinhos que são inteligentes e frenéticos; profundos, escuros e dementes, com trilhas sonoras incríveis”.

O primeiro título sai esta semana: Kid Lobotomy, com roteiro de ninguém menos do que o britânico Peter Milligan, com arte de Tess Fowler. Para o Newsarama, Bond faz uma declaração que é bastante ousada: “Este é o trabalho da vida do Milligan”. Pensando na carreira de um sujeito que escreveu coisas como Shade, o Homem Mutável, além de aclamadas passagens por Hellblazer e X-Force / X-Statix, sinal de que tem coisa boa aí. “O título inaugural de um selo tem uma missão bem séria: cravar o tom da linha que vem por aí ao mesmo tempo em que mantém a sua visão singular”, diz ela. “E ninguém faz um mito com tanta loucura quanto Peter Milligan”.

Kid Lobotomyé sobre o filho de um famoso magnata do ramo dos hotéis, chamado Kid – que, depois de passar por uma lobotomia para “acalmar” sua natureza rebelde, agora cuida de seu próprio hotel. Bastante perigoso, aliás. “Kid Lobotomy é tipo uma pistola laser de propano neon com uma broca apontada para a minha cabeça”, descreve a editora, com uma daquelas frases divertidas que, apesar de fazer pouco sentido, deixam a gente com bastante vontade de ler a bagaça.

O segundo gibi do selo sai na próxima quarta, dia 25 de Outubro: Black Crown Quarterly, uma antologia de 48 páginas que vai sempre ter uma história recorrente de 10 páginas, escrita por Rob Davis e ambientada no tal Black Crown Pub, local que deve servir como ponto de encontro para as outras histórias que se seguem, dando a impressão de uma espécie de universo compartilhado. Ou algo assim. “O Quarterly é a caixa de areia na qual os criadores se misturam e se corrompem – além de roubar os brinquedos uns dos outros”. Os próximos meses prometem ainda títulos da dupla Tini Howard e Gilbert Hernandez; em janeiro, chega uma criação ainda sem título do escritor e jornalista David Barnett (que já experimentou quadrinhos sob o codinome Sax) e do ilustrador Martin Simmonds (Punks Not Dead).

Mas a Black Crown não vai ser apenas um espaço para que os antigos nomes consagrados deem as caras com novos projetos, ainda que isso seja muito do caralho. “Quero trazer muitas novas vozes ferozes. Uma das minhas coisas favoritas é buscar um veterano experiente e combiná-lo com alguém que é um pouco mais novo. É uma coisa fascinante de assistir, porque se eles são o talento certo para colaborar, você vê a magia acontecer na página, ambos estão imbuindo coisas novas um para o outro e, como editora, é uma das minhas maiores alegrias”, afirma ela.

Deu pra sacar, portanto, que Shelly Bond está nitidamente empolgadíssima. E com razão. “Vivemos o melhor momento para se estar nos gibis, tem tanto talento aí fora, a indústria tá elétrica. Tem uma vibração diferente rolando e a Black Crown vai pegar esta energia e moldar em uma linha incrível de HQs pra explodir a sua mente”. Ela completa dizendo que quer trazer para os leitores o tipo de história que a cativou quando começou a ler estas paradas – gibis que dava pra curtir numa sentada de leitura e ainda emprestar pra um amigo e reler quando quiser. “Quero que as revistas da Black Crown sejam uma jornada de arte e design com comentários afiados, entrevistas, páginas de mensagens dos leitores. Nosso foco é qualidade. Se você confiou nos meus instintos editoriais nos últimos 25 anos, cai dentro”.

Bom ver alguém com tanto talento com tamanho sangue nos olhos pra fazer diferente. E este tipo de tesão só nos faz perguntar MAIS uma vez: qual o futuro da Vertigo? Your move, DCE.