A Experiência de uma Comic Con: Os Painéis | JUDAO.com.br

Parte 04 – Conteúdo não é só uma vontade do público, mas uma NECESSIDADE de um evento como esses

San Diego Comic-Con, Julho de 2014: 34 salas e espaços, todos com uma média de 10 paineis e exibições de conteúdo por dia, o que dá mais de 300 eventos diários. New York Comic Con, Outubro de 2014: 13 salas, cada um com uma média de 8 paineis e conteúdos diários – total de 104 atrações por dia. É muita coisa para ver e ouvir, indo muito além dos estandes e lojas.

Quando a Comic Con Experience foi anunciada, prometendo trazer para o público brasileiro a “experiência de uma Comic Con”, a questão que ficou em nossas cabeças sempre foi se os organizadores conseguiriam replicar uma programação tão vasta e completa por aqui, ainda que guardadas as devidas proporções, e se cada um desses painéis teria conteúdo relevante e interessante. A resposta já veio, faltando menos de um ano para a segunda edição do evento.

Tirando a área business — que é bastante interessante, diga-se, mas fechada para o público em geral — o que tivemos de espaço para paineis eram dois palcos. O principal, Thunder, o Hall H da CCXP, com dois mil lugares (inicialmente eram só 900!), e o Ultra, com as Master Classes e outras atrações menores, além de 400 lugares. No total, foram 62 atrações espalhadas pelos quatro dias do evento.

Não foi, claro, por falta de esforço. A organização sonhou alto. Esteve, por exemplo, próxima da Disney e da LucasFilm, tentando trazer conteúdos inéditos de Star Wars: O Despertar da Força e dos filmes da Marvel, além de convidados especiais — a ideia da LucasFilm era ter trazido alguém e, olha só, até mesmo o Stan Lee correu o risco de aparecer por aqui.

A conversa com a Paramount envolveu a vinda de Arnold Schwarzenegger e Emilia Clarke para apresentar o primeiro trailer de Exterminador do Futuro: Gênesis. A Sony cogitou por alguns momentos trazer Genndy Tartakovsky pra apresentar algum material de Hotel Transilvânia 2, enquanto a Fox Brasil fez de UM TUDO pra conseguir algo além de menos de 1seg do logo do Quarteto Fantástico. “Nós tentamos. Uma foto deles juntos, um vídeo, alguma coisa! Mas não liberaram. Não sei o que estão fazendo com esse filme...”, nos disse uma pessoa ligada ao estúdio.

Arnold Schwarzenegger mandando um recado pra galera antes do trailer de Exterminador do Futuro: Gênesis

Arnold Schwarzenegger mandando um recado pra galera antes do trailer de Exterminador do Futuro: Gênesis

Em partes, toda essa dificuldade foi gerada justamente pelo Brasil nunca ter recebido um evento nesses moldes – o que tínhamos, no máximo, eram AnimeFriends da vida, ou algo no nível Brasil Comic Con – e também por ser justamente a primeira CCXP. Custa caro trazer um convidado famoso, é um esforço enorme garantir um conteúdo exclusivo – principalmente para os escritórios brasileiros dessas grandes corporações. As verbas de marketing são menores do que você imagina e, bom, ninguém quer correr riscos.

Isso fez com que, por exemplo, o painel mais concorrido de todos — da Marvel Studios — fosse uma espécie de Omeleteve, ao vivo, comentando o que eles esperam dos próximos filmes da Casa das Ideias e respondendo “qual filme eles acham mais foda”. O público, que ficou mais de 4 horas na fila para entrar no auditório Thunder (fora aqueles que passaram a madrugada na fila, pra garantir um lugar logo no começo do dia) pode acompanhar, de conteúdo do estúdio, um vídeo com retrospectiva dos filmes da Marvel até hoje, teaser de Avengers – Infinity War e o trailer estendido de Vingadores – A Era de Ultron — nada que já não tivéssemos visto online.

Em compensação, a Disney trouxe a pré-estreia de Operação Big Hero (que já está há várias semanas em cartaz, nos EUA), a presença de Jim Morris, presidente da Pixar, que exibiu o curta Lava e trechos de alguns dos novos filmes do estúdio; a Fox mostrou trechos inéditos de Kingsman – Serviço Secreto e levou até o palco Thunder os Pinguins de Madagascar, além de “ois!” de Benedict Cumberbatch e John Malcovich; um “oi!” também veio de Arnold Schwarzenegger, num vídeo gravado às pressas, pra apresentar o trailer do novo Exterminador do Futuro, que havia sido liberado na página oficial do filme no Facebook algumas horas antes, além de uns 15mins de Projeto Almanaque, com a presença dos produtores Andrew Form e Brad Fuller; e a Warner exibiu com alguns dias de antecedência O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos e trouxe Richard Armitage, o Thorin Escudo-de-Carvalho.

(Tudo, aliás, devidamente legendado AO VIVO em dois telões menores, patrocinados, resolvendo um problema enorme pra um evento desses onde todo mundo basicamente fala inglês e poucos entendem. Uma ideia ÓTIMA. Mas, faltou uma fila organizada e um único microfone pra galera fazer perguntas...)

Isso já bastou pra que pessoas dormissem na fila (pra um filme que poderia ser visto tranquilamente menos de uma semana depois? Ok...) e, o principal, fossem à LOUCURA quando, por exemplo, a Fox e a Paramount mostraram seus lineups do passado e futuro, ou Schwarzenegger e Benedict Cumberbatch apareceram na telona. É empolgante, arrepia só de lembrar quem esteve por lá.

Por outro lado, a organização também se mexeu, fazendo o possível para que empresas parceiras trouxessem estandes bacanas (o que nem sempre significa um painel legal, basta ver a Paramount, que não teve presença nenhuma no show floor), além de trazer, por exemplo, Jason Momoa, Sean Astin, Rebecca Mader e Edgar Vivar. Os estandes, as fotos e os autógrafos ajudaram a encher o cofrinho, diminuindo os prejuízos que um primeiro evento desse tipo causam.

Nosso amigo Christiano Rubin tentando fornecer o anel pro Sean Astin (DSCLP)

Nosso amigo Christiano Rubim tentando fornecer o anel pro Sean Astin (DSCLP)

Essa equação levou a dois problemas. O primeiro infelizmente criado pela própria cultura brasileira. Enquanto lá fora se vai até uma Comic Con pelo pacote completo, aqui se vai a um evento do tipo por causa dos nomes famosos no banner de divulgação. Lá, os ingressos se esgotam MESES antes de qualquer atração ser confirmada. Aqui, evitam gastar o dinheiro antes de saber quem é que poderão ver de perto. “Acho que um ponto fraco foram as atrações”, reclamou Felipe Ishaiy. “As principais, o Gus Fring (Giancarlo Esposito) e Kirk Hammett cancelaram a presença e eles não conseguiram repor à altura. O Jason Momoa morreu há três anos na Guerra dos Tronos, quer dizer, isso tem de melhorar”, disse, esquecendo absolutamente que, por exemplo Momoa é só o Aquaman dos cinemas.

O segundo problema é mais prático pra uma uma Comic Con: a falta de coisas pra se fazer. Em uma SDCC ou NYCC, sempre (SEMPRE!) vai estar rolando o painel de uma grande editora de quadrinhos, de uma editora menor, algo focado em títulos independentes ou quadrinistas de sucesso, um game, uma série de TV, uma animação, um workshop, um painel de fãs, encontros com jornalistas, sessões de autógrafos (grátis!) em estandes de canais de TV ou estúdios, diversas lojinhas e, como já dissemos anteriormente, a possibilidade de sair e voltar depois. Se uma fila está longa, é só partir pra outra, ou esperar alguma coisa que te interesse. Não dá tempo de pensar, não é sequer necessário.

Até por isso, não era incomum encontrar gente sentada pelos cantos do São Paulo Expo, descansando e, claro, matando tempo; encarando horas e horas de fila, simplesmente porque aquela ali era a única atração que os interessava; ou mesmo desistindo de um ou dois dias do seu ingresso que permitia a entrada em todos os quatro. “Já vi tudo aqui, vou voltar pra quê?” comentava, na van que levava a galera até o metrô, um cara que tentava vender por R$ 100 o seu ingresso para o dia seguinte.

Família ê!

Família ê!

Uma Comic Con brasileira tem que entender que, sim, as pessoas querem ver seus ídolos gringos mas, assim como Game of Thrones está para a cultura pop dos EUA, produções como O Negócio, Psi, Sessão de Terapia, Dupla Identidade, Confissões de Adolescente, Mundo da Lua, Os Normais e até AVENIDA BRASIL, por exemplo, estão para a cultura pop brasileira. É importante investir na diversidade de atrações, explorar mais o que o pessoal está fazendo de interessante na TV paga e aberta, além de games e quadrinhos independentes. Não são apenas os Irmãos Piologo, o pessoal do Porta dos Fundos, Lino Faciioli e Gabriel Bá e Fábio Moon que podem compor uma programação de um evento desses aqui no Brasil.

Também faltou uma atenção especial para as crianças. De toda a programação, basicamente o evento só trazia Chaves (que, convenhamos, é praquela criançada maior de dezoito! ;D), Mauricio de Sousa e O Irmão do Jorel (nova animação nacional do Cartoon Network) para esse público. No show floor, o máximo que se tinha era um espaço inflável do Cartoon Network, de onde saíam personagens pra dançar. E... Só.

O resultado era claro: crianças não eram tão comuns de se ver assim no pavilhão. E, apesar de tudo, uma convenção dessas é feita TAMBÉM pra família, pros pais e filhos curtirem TUDO, juntos.

Sentado, na terceira fileira do painel da Paramount... (Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

Sentado, na terceira fileira do painel da Paramount, sem palco. . . (Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

É um desafio enorme para os organizadores expandir a programação de painéis. O São Paulo Expo, antigo Imigrantes, é um centro de exposições, e não de eventos. Ou seja, tem um grande pavilhão, mas poucas salas para debates, encontros, conferências e mesmo apoio – são cinco, no total. É uma limitação clara de espaço. “Se eles quiserem trazer nomes grandes no futuro, vão ter de alguma estrutura. Isso aqui não dá”, nos confidenciou um pessoa ligada a um dos estúdios que importou gente dos EUA pra um painel.

Até mesmo o palco principal, o Thunder, foi construído a partir de uma estrutura móvel. A acústica não era das melhores (era quase impossível compreender o que era dito no fundão, já que as caixas ficavam na frente), não havia banheiros, os telões podiam ser muito difíceis de se enxergar (seja pela necessidade de legendas, seja pela localização da sua cadeira) e não havia um palco, propriamente dito, dificultando BASTANTE a visualização das coisas.

Os organizadores têm um contrato de três anos com o São Paulo Expo, que já está promovendo uma ampliação, algo que deve fornecer as salas necessárias para a convenção. O problema é se a Comic Con Experience crescer mais rápido que o local.

E, pelo que pudemos perceber nesses primeiros quatro dias... ;)