Nossa opinião (com spoilers!) da polêmica toda sobre ~aquela cena do terceiro episódio da quarta temporada
Antes de tudo, um aviso: texto com SPOILERS do terceiro episódio da quarta temporada Game of Thrones, Breaker of Chains.
Para todos os efeitos, o episódio mais recente da série estava indo quase no caminho do filler quando aconteceu algo chocante em cena. Não, ninguém morreu (dessa vez), mas Cersei Lannister foi estuprada em cena ao lado do corpo de seu filho morto dentro do septo de Baelor por seu irmão/amante Jaime. Depois disso, a internet explodiu.
GoT não foi a primeira série (ou filme, ou livro, ou whatever) a mostrar estupro, mas sempre a violência está ligada a algum fator narrativo importante, como o arco dos personagens, que faz aquele acontecimento chocante ser importante, como já aconteceu em Mad Man, por exemplo. O maior problema de tudo aqui, além da brutalidade do ato em si, foi ele ter sido desnecessário.
“Por que?”, você pergunta. Pelo fato de que a tal cena não existe no livro e já é o segundo estupro inventado da série televisiva. No romance, Jaime não está na capital quando Joffrey morre e nem se tem notícias dele. Ao chegar, ele encontra a irmã no septo e, embora ela diga que não é uma boa ideia, que é pecado e que alguém pode aparecer, eles fazem sexo ali mesmo. Ela não chega a impor resistência, Martin deixa claro na descrição que a Cersei quer.
O ponto fundamental nem é esse, mas é o tom. O sexo dos dois nesta parte não é um ato amoroso ou de paixão. Embora tórrido, ele parece um ato doloroso, triste, de dois amantes sobrecarregados por seus pesares próprios e individuais. Para todos os efeitos, é o ponto em que o leitor percebe, assim também como os personagens, que Jaime e Cersei não são mais um casal e que não se amam mais, embora ainda tentem forçar esse relacionamento.
O estupro no último capítulo foi a forma nada sutil e francamente ofensiva que os produtores tentaram usar para mostrar esse afastamento, esse abismo entre Cersei e Jaime, só que, no processo, deram tiros nos próprios pés, nos personagens, na narrativa e nas mulheres como um todo. Foi um erro gigantesco por ir contra todo o desenvolvimento de Jaime, por exemplo.
Desde a temporada passada – e também ao longo do terceiro e quarto livro da série – Jaime embarca numa estrada de redenção relutante que aos poucos o tornaram um dos personagens favoritos dos fãs. Após perder a sua mão, ele percebe que não quer ser o Regicida, que se deixou levar pela vaidade e pelas vontades do pai até aquele momento e que agora ele não vai mais aceitar ser isso. Ele quer ser o maior chefe da Guarda Real e proteger seu filho Tommen. Enfim, ele quer recuperar a sua honra. Ele quer ser um mocinho.
Mocinhos não estupram.
O próprio ato é contraditório com os valores do personagem: ao longo dos livros e guerras, ele despreza estupradores. Ele odeia Robert por estuprar Cersei constantemente. Quando é capturado, diz que prefere morrer a ser estuprado e salva Brienne de um estupro coletivo. Por que picas esse cara que salvou uma quase desconhecida chegaria em casa e estupraria a própria irmã, que ele ama? Simplesmente não faz o menor sentido.
Outro erro enorme é a repetição: o seriado já fez isso no seu primeiríssimo episódio. Daenerys é mostrada como uma mulher frágil e completamente apavorada ao ser despida aos prantos e colocada de quatro por Khal Drogo, quando no livro é completamente diferente. No livro, ela coloca os dedos do Khal dentro dela e já assume uma faísca da força e iniciativa que virão a marcar a personagem. Ela vê suas núpcias não como perda, mas como sua transformação definitiva de garota pra mulher, uma passagem que se confirma mais tarde com o nascimento dos dragões. Ela está nervosa, sim, mas de forma alguma suas núpcias são um estupro.
Poucos fãs deram grande atenção à isso na época porque parecia fazer sentido com o que os produtores do programa queriam mostrar: uma Dany ainda frágil, perdida e temerosa nas mãos de um bárbaro desconhecido e começar seu desenvolvimento daí. Embora fosse problemático, não era intragável. Este novo estupro como twist narrativo, porém, é, intragável, desnecessário e sem sentido.
Com a grande repercussão, o diretor do episódio, Alex Graves, se pronunciou ao Hollywood Reporter: “Eu nunca fico empolgado ao filmar uma cena de sexo forçado. Pra mim, todo o ponto era ter o Joffrey deitado lá, vendo toda a coisa. David Benioff e Dan Weiss adoraram isso. Ele [Joffrey] é o primogênito dos dois, ele é o pecado dos dois. Ele é a luxúria, o amor, tudo dos dois. Se ele se foi, o que vai acontecer? Jaime está tentando se forçar ao máximo a acreditar que ainda está apaixonado por Cersei. Ele não consegue admitir que foi traumatizado pela sua família e que foi forçado por toda sua vida a ser alguém que ele não quer ser. O que ele é, mas quer negar, é um bom cavaleiro, como Brienne”.
Toda a parte que ele fala sobre Jaime é verdade e pode ser percebida na mesma cena, com sexo consensual, do livro. Então porque diabos um estupro? Talvez, os produtores tiveram a ideia de mostrar ela resistente e ele reticente, e a coisa perdeu a mão e ficou mil vezes pior em vídeo. Talvez a ideia era claramente a de um estupro como forma de mostrar quão deteriorada está a relação dos dois. Talvez, foi por puro marketing de que tamanha violência ia repercutir nas internets, o que de fato aconteceu, principalmente com desabafos irritados e notas chamativas, para atrair mil cliques.
Mas fato é que tanto Graves quando os produtores deixaram a peteca cair feio ao tomarem essa decisão. Como diabos um estupro vai dialogar com tudo o que vier depois? Mais alterações terão que ser feitas na relação Jaime/Cersei, porque não fica tudo ok entre duas pessoas depois de um trauma como esse. Como fica Jaime e sua redenção? Será que querem nos dizer que apesar de todo o arco de desenvolvimento do personagem, que no fundo ele ainda é um monstro?
Até Martin tirou o corpo fora com uma postagem em seu blog.
Enfim, foi uma cena mal executada e de mau gosto, independente das intenções. Porém, não podemos crucificar a obra como um todo, os personagens nem o autor. Se é pra botar culpa, que demos nomes aos bois: Dan Weiss e David Benioff. A série já tem reduzido um bocado na quantidade de cenas de sexo desnecessárias e nós esperamos que não tenhamos mais que ver estupros desnecessários.
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