Joanne é Lady Gaga e é pop, mas não como você conhece | JUDAO.com.br

Em seu novo álbum, repleto de produtores estrelados, a cantora deixa as máscaras e disfarces de lado e mostra uma Lady beeeeeem menos Gaga

Os fãs mais fiéis da Lady Gaga conhecem bem o pedido que vem sendo recorrente desde o lançamento de Artpop, em 2013: “Mother Monster, por favor, volte para o pop!”. Fato é que o álbum é considerado experimental demais, eletrônico demais, complexo demais... e, bom, pop de menos. Não tem nada que possa sequer ser comparado com Bad Romance, Poker Face, Paparazzi ou algum de seus grudentos hits blockbuster do começo da carreira. Era uma Lady Gaga no auge de seus exageros, de suas pirações, de sua megalomania, de suas PLUMAS e PAETÊS.

Bom, para quem é devoto desta solicitação, tenho duas notícias: Joanne, quinto disco de estúdio da cantora, não é Artpop nem de longe. O que o antecessor tinha de grandioso e maníaco este tem de centrado, contido, quase intimista. Só que aí vem a notícia que talvez não seja muito boa – porque esta também não é a Lady Gaga de Bad Romance, Poker Face e Paparazzi. Joanne não traz perucas extravagantes, figurinos pontiagudos e nem mesmo vestidos feitos de carne crua. Nada de clipes-evento ou entradas triunfais. O álbum é Lady Gaga de camiseta e shortinho jeans, pouca maquiagem, chamando um monte de amigos pra compor com ela enquanto abre o coração e fala sobre a própria vida. Em resumo, Joanne é um disco bem menos Gaga e bem mais Stefani.

Só que ainda é um bom disco de música pop. Aliás, para ser totalmente honesto, é um ÓTIMO disco de música pop. E grande parte da culpa de Joanne ter saído do jeito que saiu é de Tony Bennett, o veterano com quem ela gravou Cheek to Cheek (2014), álbum de standards do jazz no qual Gaga descobriu que podia cantar. Assim mesmo, sabe, de verdade, sem rodeios, sem precisar se cobrir de efeitos especiais, sem personagens. Lady Gaga podia ser uma cantora com uma PUTA voz. E foi isso que ela fez, foi lá e cantou.

Lady Gaga

E aí descobriu que podia ser muitas Gagas, de múltiplos talentos diferentes: a Gaga que fez série de TV e ganhou Globo de Ouro, a Gaga que concorreu ao Oscar, a Gaga que cantou o hino dos EUA no Super Bowl, a Gaga que encarou de vez o desafio de ser atriz em Hollywood. Logo, assim que a mamãe dos monstrinhos resolveu voltar ao mundo da música, o que lhe restava fazer? Algo que ainda não tinha feito: ser ela mesma. De volta ao básico. Tá bom, o básico da Lady Gaga não é exatamente um básico qualquer. Mas, ainda assim...

Esqueça Artpop. Em Joanne, Lady Gaga volta ao básico para ser ela mesma. Pra ser mais a Stefani.

Tá bom, Joanne (que, além do nome do meio de Gaga, é também o nome de uma tia, poeta e pintora, que morreu precocemente aos 19 anos) tem algum tipo de participação, maior ou menor, de nomes do calibre de Mark Ronson (o estrelado produtor de Amy Winehouse e parceiro de Bruno Mars), Beck, Giorgio Moroder, RedOne, Diane Warren, Nile Rodgers (Chic), Bloodpop, Josh Homme (QOSTA), Hillary Lindsey e Kevin Parker (Tame Impala). Tem até um dueto com Florence Welch, do Florence and the Machine. Puta elenco de superstars. Tudo isso é bem legal. Mas, de coração, FODA-SE. Com carinho, mas FODA-SE. S2

Este é um disco no qual Gaga é a protagonista. Ou melhor: a voz de Gaga é a protagonista suprema. Nada se sobressai à sua interpretação, muitas vezes mais intensa e emocionada do que estávamos de fato acostumados a ver ou ouvir. Apesar de dançantes, o single Perfect Illusion e a faixa de abertura Diamond Heart já têm um quê diferente. Uma pegada meio rock, reparem bem, mais visceral, mais orgânica, que parece permear todo o disco. Mas elas não são os melhores momentos aqui e tampouco podem ser exatamente consideradas representantes diretas do restante das faixas.

Vamos começar a falar de Joanne a partir de A-Yo, talvez, a segunda canção, simplesmente deliciosa, daquele tipo que dá vontade de dançar junto (eu provavelmente estou dançando enquanto escrevo isso, mas não posso confirmar). Só que não entenda “dançar” como “pista de dança, neon e glitter”. Numa pegada que parece até meio um cruzamento de indie e country, ela sugere calor e fumaça, num clima meio beira de estrada sexy mas bem mais rústico. Tão sexy quanto a guitarra de Homme na vibrante John Wayne, na qual Lady Gaga declara abertamente a sua predileção por homens mais selvagens, barbados, motocicleta e cerveja. Em ambas, dá pra ouvir claramente a cantora arriscando interpretar de um jeito mais forte, mais rasgado, mais rebelde. Funciona e muito bem. Aquele chapéu cor de rosa de cowboy na capa do disco, definitivamente, não era por acaso. ;)

E enquanto não dá simplesmente pra ignorar Come to Mama, com seu jeitão de trilha sonora de filme adolescente do John Hughes nos anos 80 (sério, coloque pra ouvir, feche os olhos e depois me diga se algo como Os Gonnies não vai aparecer na sua cabeça), aí a gente pode ir rigorosamente para o ooooutro espectro da coisa. Na faixa autointitulada, Gaga faz a sua homenagem para a tia que tanto a influenciou, dizendo “heaven is not ready for you” para depois engatar “where do you think you’re going?”. E em Million Reasons, que muita gente já assume ser sobre seu ex-noivo Taylor Kinney, ela fala sobre a separação de um casal que se aproxima, por mais que eles estejam tentando fazer de todas as formas dar certo – ou pelo menos ela esteja, né. Os versos “I try to make the worst seem better” e “Every heartbreak makes it hard to keep the faith” são de arrebentar o coração.

Ambas são baladas, ambas são lindas. E ambas têm a cantora cantando de peito aberto, explorando e esbanjando emoção a cada nota, a cada INFLEXÃO de voz. É uma Gaga violão e voz, piano e voz, trovadora de primeira linha, mezzo Elvis Costello, mezzo Elton John. Boa mistura, aliás.

Chega a ser curioso que estejamos em um ano no qual as divas pop resolveram, quase que todas de uma vez, sair das suas respectivas zonas de conforto. Rihanna saiu do óbvio, Beyoncé mostrou a que veio num disco-manifesto, até a Britney quis arriscar e provar que era mais do que a eterna “princesinha do pop”. Cada uma a seu modo, incluindo aí a própria Gaga, elas se deram bem. Talvez não tenham agradado todos aqueles fiéis seguidores das antigas, isso é uma verdade. Mas provaram o que precisavam/queriam.

Madonna... pois é, Rainha. Agora estamos esperando a sua cartada. ;)