Com nova formação, banda comandada por Dave Mustaine lança o ótimo Dystopia, disco de inéditas que faz a gente esquecer a escorregada que foi Super Collider
Ó só, antes de qualquer coisa, vamos tirar um elefante branco da sala: chamar o vocalista e guitarrista Dave Mustaine de “líder” do Megadeth é muito DOURAR A PÍLULA. Não. Mustaine é o DONO do Megadeth. Aliás, pra ser mais preciso, Mustaine É o Megadeth. A bola é dele e ele tira do campinho quando quiser. Se Mustaine assim decidir, o Megadeth acaba e ponto final, podem chorar, podem espernear, podem chamar o Procon ou o Papa.
É bom ter isso claríssimo em mente para entender, de uma vez, que as formações do Megadeth mudam pra caramba. E vão continuar mudando. Se Mustaine se encher, manda o cara embora e pronto. E como o chefão mesmo admite que não é exatamente a pessoa mais fácil do mundo pra trabalhar, pedidos de demissão vão continuar sendo frequentes. Nem mesmo seu amigo eterno, o irmão do coração David Ellefson, tem o cargo de baixista garantido caso Mustaine coloque na cabeça que quer outro sujeito nas quatro cordas.
Tá bom, as saídas de Chris Broderick (guitarra) e Shawn Drover (bateria) foram sentidas, claro, ambos eram ótimos músicos. Mas é compreensível – e inteligentíssimo, diga-se – o movimento que Mustaine fez na hora de selecionar seus substitutos. Para a bateria, escolheu Chris Adler, do Lamb of God, uma das bandas mais prestigiadas do cenário moderno do metal americano, conseguindo aí atrair a atenção de uma parcela mais jovem de headbangers. E para a guitarra, como vocês bem sabem, trouxe Kiko Loureiro, o brasileiro do Angra, verdadeiro superstar não apenas por aqui (mercado importantíssimo para o metal, em especial no que diz respeito aos shows) mas também no Japão e em parte da Europa que ainda consome o tal metal melódico/power metal. Ambas jogadas de mestre. Ambos músicos excepcionais, ambos bastante populares em seus nichos específicos.
O resultado da seleção? Dystopia, um álbum tão bom quanto o excelente Endgame (2010), que já tinha sido o melhor disco do Megadeth em uma década. Ao ouvir Dystopia, temos a certeza de que Super Collider, o controverso álbum de 2013, foi apenas um “acidente de percurso”. E detalhe que não achei Collider assim tããããããããão ruim – mas, definitivamente, ele estava longe, mas MUITO longe, da curva criativa ascendente que Mustaine vinha experimentando desde The System Has Failed (2004). O novo álbum coloca a mais produtiva das quatro bandas do chamado Big Four do thrash metal americano (ao lado de Metallica, Slayer e Anthrax) de novo nos trilhos.
Dystopia, a exemplo de Endgame, é mais pesado, mais violento, mais sombrio, com muito mais guitarras. É fiel ao thrash metal, mas não é apenas thrash metal. Bebe das raízes mas não depende delas. É metal contemporâneo, moderno, sem soar velho ou datado – e também sem depender de maneirismos e modernismos forçados. A capa entrega um pouco dos temas do disco, uma visão obscura e distópica (ah, vá) de futuro no qual a humanidade vai estar sob controle, sendo vigiada tecnologicamente a cada passo que dá. Se a gente comparar com o conteúdo de Super Collider, vai perceber que Mustaine ficou um pouco mais pessimista sobre o mundo. Musicalmente, bom, ainda bem, né. ;)
O grande protagonista de Dystopia é mesmo a guitarra. Tá bom, a batera de Adler é forte e corpulenta: escutem Fatal Illusion e Lying in State, duas das músicas mais fortes, intensas e espinhosas do disco. Pra quem reclamou que a bolacha anterior tinha ficado “pop demais”, toma aí duas cacetadas das boas para bater cabeça. Mas não vamos nos enganar: não é algo que lembre nem remotamente o que ele faz no Lamb of God, em termos de fúria e agressividade. Aqui, temos um Adler mais contido e conciso, que faz o que patrão manda e completa bem a cozinha com Ellefson.
Do lado do Kiko, no entanto, o espaço é farto e variado não apenas para que ele brilhe em composição e interpretação, mas também para que coloque sangue nos olhos de Mustaine e o poderoso chefão também resolva fazer a sua própria guitarra ganhar tonalidades diferentes. A coisa já fica visível com The Threat is Real e a faixa-título, que abre os trabalhos. Tem algo de diferente ali, sabe? E algo muito positivo. Ainda bem.
Que tal o lindo e delicado violão no começo da instrumental Conquer or Die? E a levada meio grooveada de The Emperor? Inesperado... e muito legal também. O ápice, no entanto, se dá em Post American World – que tem direito até a um interlúdio com um melancólico dedilhar de violão para depois desembocar numa dobradinha de guitarra entre Mustaine e Kiko que deve ser um tesão de ver ao vivo. Aliás, eu sempre costumo dizer que um disco recém-lançado só pode ser considerado realmente bom quando você fica pensando o quanto aquelas músicas seriam incríveis sendo interpretadas num palco. Dystopia acerta na mosca neste sentido.
Como bônus, Mustaine optou por seguir a tradição e mais uma vez fez uma boa escolha de releitura, entregando um cover potente de Foreign Policy, faixa da banda punk californiana Fear. Rápido e direto ao ponto.
Olha só, sei lá quanto tempo o Kiko vai durar no Megadeth até que o Mustaine resolva dizer “você não vai com a minha cara?” (viram o que eu fiz aqui?). Pelo resultado obtido em Dystopia, o fã de música que vive em mim diz que a dobradinha Mustaine-Loureiro podia durar bastante. Mas o crítico imediatamente responde: “verdade. Mas é o Megadeth, né. Melhor não se apegar muito aos integrantes da formação. Vai que...?”.
Vamos, então, curtindo aí um disco de cada vez. ;)