Civil War II começa esta semana e promete incentivar toda uma discussão válida para o mundo real, esse mesmo em que vivemos
Cada passo seu é vigiado. Seus posts no Facebook, Twitter, Instagram e em qualquer outra rede social são acompanhados 24 horas, sete dias por semana, por algoritmos mega avançados. Grandes cidades investem em sistemas interligados de segurança, monitorando ruas com câmeras o tempo todo. Policiais saem por aí vigiados, com câmeras no uniforme, na viatura, GPS... Há o monitoramento de aviões, helicópteros, análise de áreas de risco e de pessoas que podem ser alvo de algum ataque – ou que podem tentar realizá-lo. Numa grande central, especialistas avaliam todas essas informações, de olho em sistemas que, a partir de uma variável, vão informar que um problema é eminente.
Em maior ou menor grau, o parágrafo anterior representa a realidade da segurança pública em diversos lugares do mundo. Até mesmo no Brasil parte disso está sendo colocado em prática neste momento, ou há planejamento para fazê-lo nos próximos anos. Na prática, são atitudes que permitem, com alto grau de precisão, determinar que uma tragédia está para acontecer. Que um crime será cometido. É um Minority Report, só que da vida real.
Até que ponto é válido abrir mão de nossas liberdades individuais para o monitoramento da segurança pública? Até que ponto as forças policiais podem tomar atitudes e prender pessoas se crimes ainda não foram cometidos? Dúvidas justas, e que serão a TÔNICA da ficção. No caso, de Civil War II, crossover da Marvel Comics que teve o primeiro especial publicado no último sábado (7) no Free Comic Book Day – e que efetivamente começa com a edição 0, que sai dia 18.
“A responsabilidade das pessoas é o tema aqui”, explicou o roteirista Brian Michael Bendis no último retiro criativo da Marvel, que definiu os rumos do crossover, e foi coberto pelo Daily News. “Da forma como os policiais estão atuando na frente da câmera, até o jeito que as pessoas conversam umas com as outras online”.
Agora, como esse conceito maior, do mundo real, pode influenciar uma batalha entre super-heróis, uma “Guerra Civil II”, um título que faz referência ao crossover que dividiu os personagens da Casa das Ideias por conta da Lei de Registro dos Super-Humanos? Bendis poderia recorrer à tecnologia, com um Reed Richards ou Tony Stark descobrindo uma tecnologia avançada que, melhor que na vida real, conseguisse cruzar todas as variantes e dados pra, em segundos, identificar um crime antes dele acontecer. Só que o roteirista preferiu ir num lado um pouco mais polêmico – e que aí sim lembra um pouco o conto/filme/série Minority Report.
“Seria uma merda pra mim apenas copiar Minority Report, de qualquer maneira”, disse Bendis em entrevista ao Daily Beast. “Da premissa e em todo o caminho até o fim, é bem diferente de Minority Report”.
Dá pra entender um pouco a escolha de Bendis: além de tentar personificar toda a polêmica em uma pessoa pra ajudar a contar a história A NÍVEL DE super-heróis, isso também serve para manter o foco da Casa das Ideias nos inumanos em detrimento aos mutantes, apesar de parte da história deverá focar na disputa entre esses dois grandes grupos de superpoderosos.
Tudo começa quando o inumano Ulysses, que tem o poder de ter visões de grandes catástrofes do futuro, é descoberto. No especial do Free Comic Book Day, ele é levado pelos Inumanos para a A-Force, a versão feminina dos Vingadores, que estão ao lado de Máquina de Combate e do Pantera Negra. A intenção é entender os poderes de Ulysses e, bom, logo de cara ele prevê a chegada de Thanos, que vem pra Terra pegar o Cubo Cósmico.
Sabendo previamente o que vai acontecer, A-Force, Pantera e Máquina de Combate rumam para a fortaleza militar na qual o Cubo está sendo guardando. Quando o vilão chega, o combate começa – terminando com uma pequena vitória contra o Titã Louco, mas com Rhodey e a Mulher-Hulk gravemente feridos. Pra saber o que vem depois, só lendo a edição 0.
Porém, dá pra saber que esse fato acontece em um Universo Marvel já com diversas fissuras. E nem falo da Guerra Civil original, afinal tudo meio que se resolveu com a revogação da Lei de Registro de Super-Humanos e com a chamada Nova Era Heroica. Não, não é isso.
Nos últimos meses, foi descoberto que a SHIELD desenvolveu um projeto bem polêmico, contado no crossover Avengers: Standoff!. A organização começou a capturar criminosos, que eram presos em uma cidade secreta e fechada em um campo de força chamada Pleasant Hill. Lá, um equipamento criado pela versão humanoide justamente do Cubo Cósmico, chamada Kubik, fazia uma espécie de lavagem cerebral dos presos, transformando-os em pacatos cidadãos da cidade.
O plano deu merda, obviamente. Primeiro, heróis como Rick Jones e o Comandante Steve Rogers (sem poderes e com 90 anos de idade, após o Soro do Super-Soldado em seu corpo ser neutralizado) descobrem o que está acontecendo, e depois alguns presos como o Barão Zemo conseguem se libertar do controle mental, soltando todos os outros presos. Claro que tudo foi resolvido e, tirando um pequeno grupo de heróis, a crise foi mantida sob sigilo. Ainda assim, representou um grande desgaste.
O que vem a seguir em Civil War II é a divisão final. Após os acontecimentos da edição 0 e os graves ferimentos do Rhodey, a Carol Danvers, a Miss Marvel, vai assumir que é preciso sim agir a partir das visões de Ulysses. Mas não esperando o caos acontecer, como foi feito contra o Thanos, e sim agindo previamente. Uma pessoa vai matar a outra? Precisa ser presa antes de cometer o crime, e não ficar esperando ela pegar a arma e apontar. Outros heróis vão se alinhar à ela nessa posição, como Steve Rogers (agora novamente jovem e atuando como Capitão América, após os eventos de Standoff!), Peter Parker (imagina se Pete pudesse ter previsto a morte da Gwen? Tio Ben? Então...), Mulher-Hulk, Soldado Invernal e Gavião Arqueiro, entre outros.
Porém, pro Tony Stark, não pode existir punição sem crime. Afinal, será que as visões são 100% corretas? É justo prender alguém por algo que ela nunca pensou em fazer? Se o futuro não é imutável, não é justo dar alguém a chance de não cometer esse crime? Com essa visão, o Homem de Ferro terá aliados como Pantera Negra, Sam Wilson, Luke Cage, Thor (Jane Foster, se você não sabe) e o Senhor das Estrelas, entre outros.
Mas nem todo mundo terminará o crossover no lado que começou, promete Bendis. “Um punhado [vai trocar de lado]. Quando apresentamos a ideia sobre a HQ para o núcleo de criadores no retiro da Marvel, quase todos queriam que seus personagens fossem aqueles que mudassem de lado, como Peter Parker fez na primeira vez, porque é a coisa mais sexy que você pode fazer”. Porém, os quadrinistas foram olhando pras próprias histórias que estavam contando nas revistas mensais, e definindo o lado de cada um. “No final, o placar foi equilibrado, o que é bom”.
Quando também falamos sobre punição e prevenção de crimes, fatalmente isso cai na discussão racial. Afinal, um policial muitas vezes se vale dos próprios preconceitos para avaliar se uma situação é ou não de risco, por mais que não admita isso. Bendis também levará isso em conta na história que será contada. “Isso fica muito na minha cabeça como ser humano, não apenas como escritor. Eu sou pai de uma família multirracial e toda vez que vejo imagens de um policial imobilizando uma jovem garota afro-americana numa festa da piscina ou algo assim, eu fico arrepiado”, disse Bendis, que tem dois filhos adotados: um americano negro e um etíope, além de dois filhos biológicos. “Eu sou um grande fã da polícia e escrevo HQs especificamente para glorificar os trabalhos da polícia. Mas, ao mesmo tempo, eu também escrevo sobre a corrupção da polícia porque isso me incomoda muito. Quantas vezes, ano após ano, pessoas são filmadas ao abusar de sua autoridade? Isso me deixa maluco”.
O roteirista continuou, explicando como todo esse conceito leva à Civil War II.“Isso mostra um problema sistêmico que me incomoda muito. Quando alguém vem até uma pessoa que se sente da mesma maneira que eu, diz ‘veja, essa pessoa vai roubar esse banco na quinta-feira, meio-dia’. Uma coisa é ir até o banco pra esperar pra ver o que acontece. Outra é ir na casa dela e prendê-la. Esse fenômeno nos deu uma grande oportunidade para examinar o que isso significa e o que é bom ou mau. Do ponto de vista da Carol, ela pensa como ‘você está me dizendo que o mundo continua girando no final do dia e todo mundo está bem? Eu não ligo’. Isso é o que pensa um monte de gente. Se isso nos mantém a salvo, beleza. Sem nenhum julgamento, quis colocar esses dois lados do argumento na revista”.
No final, a grande questão que o crossover propõe é: devemos proteger o futuro ou mudar o futuro? Uma pergunta para escolhermos sim um lado em Civil War II, mas também na vida. São questões que, cada vez mais, vão surgir no nosso dia a dia.
E aí, qual é o seu lado?
Civil War II terá um total de oito edições (de 0 a 7), todas com roteiro de Bendis e arte de Olivier Coipel (no 0) e David Marquez (nas outras). A edição #0 funcionará justamente como ponto de entrada para novos leitores ou quem não está tão antenado no atual Universo Marvel. Fora isso, haverá diversos tie-ins, abordando os desmembramentos da saga para diversos personagens da editora, como Deadpool, Homem-Aranha, Nova, Inumanos e Novos Vingadores.