Volume inicial da série que dá continuação à iniciativa Rebirth e vai integrar os personagens de Watchmen ao Universo DC funciona bem e deixa o leitor REALMENTE esperando o que vem por aí
Olha só, vamos tirar de vez um elefante branco da sala: se você é do Time Alan Moore e acha que Watchmen é um daqueles TOMOS sagrados da Nona Arte, que jamais deveria ser sequer tocada, que a DC devia queimar no fogo do inferno por ter ousado fazer Before Watchmen, acredite em mim: fique longe de Doomsday Clock.
Estamos falando de uma série acabou de ser lançada e que, enfim, vai colocar as pecinhas da seminal obra de 1986 dentro do Universo DC, um movimento que vem sendo ensaiado desde que Rebirth começou – e cujas sementes foram plantadas em The Button, crossover no qual Flash e Batman investigam o símbolo do Comediante que misteriosamente apareceu durante o especial DC Universe Rebirth e, num passe de mágica, descobrimos que o Dr.Manhattan é o responsável pela zona cronológica que rolou desde o renascimento/reboot, “comendo” alguns anos da vida dos personagens, sumindo com outros da existência, enfim.
Da mesma forma que a DC foi lá e pegou Constantine e Monstro do Pântano da caixa de brinquedos da Vertigo e juntou com seus super-heróis, a ideia é que Ozymandias e sua turma façam parte, de alguma forma, do mundinho da Mulher-Maravilha e Superman. Como isso vai se dar DE FATO a gente só vai saber daqui um ano, quando Doomsday Clock chega ao final e o restante da cronologia atual da editora o alcançar, conforme promessa do roteirista Geoff Johns, que nos apresenta as peças deste INTRINCADO tabuleiro de xadrez de maneira inteligente, sutil, sem pressa – e nitidamente respeitando pra caralho o trabalho original de Moore.
Para quem se acostumou à arte de Gibbons para estes personagens, Gary Frank é dono de um traço que não deixa nada a dever. Apesar de um pouco menos “limpo” do que Gibbons, Frank é tão dinâmico quanto, com cenas de ação bastante ágeis e, principalmente, um trabalho maravilhoso de expressões faciais. Seus olhares, bocas e traços no rosto dizem tanto quanto os balões de texto do escritor.
Doomsday Clock se passa em 1992, oito anos depois do plano brilhante de Ozymandias, um ESTRATAGEMA que obviamente não deu certo. O enorme bucetão matou mais de 3 milhões de pessoas, deixou outras tantas traumatizadas, e o mundo não se uniu. Pelo contrário, aliás. O mundo então vive à beira de uma guerra nuclear, com os EUA querendo mostrar seu poderio depois que a Rússia invade a Polônia e se ergue contra o império do outro lado do oceano.
O presidente dos EUA, Redford, um sujeitinho medíocre que só se preocupa em jogar golfe, não fala com a imprensa e nem dá qualquer declaração a respeito da situação... até que resolve encerrar todos os órgãos de mídia possíveis. CNN, BBC, vai tudo pra casa do caralho. Sobra apenas a NNN, National News Network, cujo logo se parece estranhamente com o da SS nazista.
Neste sentido, Johns faz um trabalho bem próximo ao de Moore, que era bastante crítico ao ambiente político da época, e tão cheio de pequenas referências quanto – do âncora da NNN, William F. Buckley Jr., comentarista político e escritor conservador, ao livro de cabeceira de um determinado personagem, Walden II, sobre uma sociedade utópica no qual se discutem assuntos como liberdade de expressão e comunismo, nada parece estar deslocado, ser uma escolha ao acaso.
Ozymandias, agora o homem mais procurado do planeta depois que o diário de Rorschach veio à público, está frustrado com a derrota. Ao mesmo tempo em que luta contra um câncer, o cérebro mais brilhante do mundo parece um tanto bipolar, lutando contra uma raiva que nunca lhe foi assim tão comum, já que sua mente analítica sempre lhe ofereceu a resposta mais fria e direta possível, sem envolvimento de emoção. Mesmo assim, ele tem OUTRO plano. E isso envolve encontrar ninguém menos do que o Doutor Manhattan.
Para tanto, ele liberta da cadeia um casal de novos personagens, os vilões Mime e Marionette, que prometem ser de alguma forma essenciais para seu novo “plano infalível” — eles são inspirados em Punch e Jewelee, personagens da Charlton Comics criados por Steve Ditko e Dave Kaler antes da editora ser “absorvida” pela DC. O casal apareceu apenas uma vez, em Captain Atom #85, originalmente uma dupla de TITEREIROS que ganhava a vida com marionetes em Coney Island até encontrar uma caixa de armamentos alienígenas.
Olha aí o Geoff Johns mostrando que aprendeu direitinho a fazer o jogo do Alan Moore, reinterpretando clássicos obscuros das HQs véias, vejam vocês!
Ao final de Doomsday Clock, fica claro que Johns está construindo a dicotomia que tanto prometeu: a história de dois deuses. Um deles é um alienígena de poderes além da compreensão que resolveu se tornar humano, abraçar seus defeitos e problemas. O outro é um humano que ganha poderes além da compreensão e que se afasta cada vez mais da humanidade. E somente um poderia ser capaz de causar pesadelos ao outro.
Começou bem, Johns. MUITO BEM. Tamos aqui esperando o próximo tique do relógio.