Um ótimo exemplo do que é uma boa direção, um bom roteiro, um bom filme e um ótimo entretenimento
Podia se chamar “The Cellar”, ou “Valencia”, como chegou a ser em momentos distintos da produção, ou qualquer outro título legal que você pudesse pensar pra história de uma mulher que acorda, após um acidente, dentro de um bunker de onde não pode sair por conta de algum ataque de alguma coisa. Não faria diferença nenhuma. Rua Cloverfield, 10 não é uma sequência do filme de 2008 e, tirando o título e uma ou outra referência bem indireta e os ARGs, não teria sequer relação — e isso talvez seja a coisa mais importante que você precise saber, se não a única, antes de assistir ao filme.
Na verdade, não tivesse esse nome, Rua Cloverfield, 10 seria provavelmente só mais um desses filmes independentes que estreiam em festivais legais como o de Sundance, Fantastic Fest e SXSW e que a gente só consegue assistir se tiver sorte. Foi um grande risco fazer o que a Bad Robot fez, transformando um roteiro aleatório (e, originalmente, ruim de doer) em algo não só mais acessível como de enorme expectativa.
Mas aí chegamos em uma outra coisa importante que é bom você saber: Rua Cloverfield, 10 é, acima de tudo, um ótimo filme. :)
São pouco mais de 1h30, três personagens e uma única locação. É um filme simples, uma história simples, mas absolutamente longe de ser simplista — e aqui devemos todos os créditos a Dan Trachtenberg que extraiu o máximo de tudo o que tinha em mãos, a ponto de que, se eu dissesse que “tirou leite de pedra”, poderia até afirmar que foi literalmente.
É uma história tão bem contada que não precisa te explicar absolutamente nada pra que você consiga entender absolutamente tudo — ou, pelo menos, tudo o que precisa ser entendido. Nada escapa. Tudo acontece por uma razão que você conhece.
O som, por exemplo. É com o barulho ensurdecedor do acidente, das portas sendo fechadas e abertas, que você é levado pra dentro do bunker, pra dentro do clima do filme. “Prestamos muita atenção ouvindo cada espaço e ambientes”, disse em entrevista ao JUDÃO, realizada em Nova York, o diretor. “É pra ser claustrofóbico mas, ao mesmo tempo, você quer que seja empolgante, você precisa querer estar naquele lugar, então dar a cada sala do bunker uma identidade sonora foi muito importante pra gente”, contou, bastante empolgado, afirmando ainda que, embora boa parte do sons tenha sido ou melhorado, aumentado ou adicionado na pós-produção, o som das portas era assustador daquele jeito dentro do set. :)
Aliás, não é só o som que faz isso, o design do set também. Veja, assim como a Michelle, nós somos jogados no meio daquela história. Coisas aconteceram antes e o que vem depois não é necessariamente importante, é preciso entender onde estamos. E é com pôsteres, livros, cartas, fotos e o que mais enxergar em cada uma das cenas do filme — e, claro, ângulos e luzes oferecidas pelo diretor — que você consegue se localizar no meio de todo aquele caos, além de te oferecer peças suficientes pra fechar possíveis buracos no quebra-cabeças que você monta na sua cabeça.
A tagline do filme diz que “monstros se revelam de várias formas”. É uma maneira de ligar os dois filmes que tem Cloverfield no título até agora, claro, mas ela é uma frase verdadeira — e uma dessas formas de monstros se revelarem na atuação de John Goodman. Ele tem essa cara de que poderia ser o melhor pai ou avô do mundo, mas seu Howard é completamente fodido mentalmente, o que faz dele humano. Cheio de camadas e extremamente profundo, Howard é mais do que vilão, pervertido ou o que mais você pensar dele durante o filme — e, acredite, você vai pensar MUITA coisa sobre ele. “Ele acha que tá fazendo o bem”, disse o ator ao JUDÃO. “Ele acha que sabe mais do que todo mundo, é um egomaníaco com problemas de insegurança”.
Mas o grande destaque mesmo é a Mary Elizabeth Winstead, que, confesso, jamais prestei muita atenção além de Grindhouse e Scott Pilgrim. É apenas em um momento que o que ela fala importa pra história. Em todo o resto, bastam apenas aquelas olhos enormes dela. Você a acompanha olhando pra absolutamente tudo, o tempo todo pensando, planejando, tentando encontrar uma saída. Mesmo quando ela “aceita” seu destino, ela jamais deixa de questionar aquela situação.
Michelle ainda é um ser humano bem resolvido. Uma personagem que não é definida durante a história, baseado em tudo o que acontece com ela. Ela é a mesma, do início ao fim, por mais que tenha que conviver com seus próprios problemas.
São duas escalações que acertam em CHEIO nas necessidades dos personagens mas, principalmente, nas necessidades do filme, que poderia ser bastante diferente se não fossem essas duas atuações — especialmente no caso da Michelle que, além de tudo, foge dos clichês e tropos dos personagens femininos.
Dizer que Emmett, o personagem de John Gallagher Jr., é um simples escada nessa história talvez seja um exagero, mas é essencialmente o que ele faz em Rua Cloverfield, 10: concorda tanto com o Howard quanto a Michelle quando eles precisam de alguém. Sozinho, é absolutamente descartável. Não atrapalha o filme, mas também não ajuda...
O problema do filme acaba ficando quase todo no terceiro ato, quando enfim saímos do bunker e Rua Cloverfield, 10 fica mais genérico. Michelle ainda grita, tão desacreditada quanto a gente, um “come on!”, ecoando nossos pensamentos de que tudo aquilo está realmente acontecendo.
É uma perda de foco que, enquanto talvez sirva como um alívio pra muita gente, saber o que é que tá realmente acontecendo, não serve TOTALMENTE como um bom fim para a história da Michelle, uma mulher que, essencialmente, foge dos seus problemas. Existe sim um bom desfecho praquela jornada, que independe do filme de ação que se torna aqueles últimos minutos... e talvez fosse o caso de ter ficado só com essa parte. :)
De qualquer modo, não é nada que atrapalhe ou jogue tudo o que aconteceu até ali no lixo. Rua Cloverfield, 10 é, novamente, um ótimo filme, que pode servir de exemplo pra quem quiser, um dia, explicar o que é um bom filme, o que é um bom roteiro, uma boa direção, um bom entretenimento. Até um bom marketing, se quiser.
É pra ficar de olho nesse Dan Trachtenberg. :)