Em Vingadores: Era de Ultron, Joss Whedon erra a mão em alguns pontos cruciais — mas acerta quando resolve dar mais destaque e profundidade às pessoas por baixo das armaduras, roupas e peles coloridas
Sete anos e dez filmes depois, o melhor da Marvel nos cinemas é Capitão América 2: Soldado Invernal. “Você acha melhor até do que Vingadores?”, costumam treplicar. E aí... putz, não, não dá. Vingadores é uma coisa maior, filme-evento, um negócio diferente, um acontecimento. Outra pegada.
Chega então Vingadores: Era de Ultron, a segunda aventura dos Maiores Heróis da Terra todos reunidos e assim: é bem divertido. Não tenha dúvidas de que ele vai garantir o bom uso da sua grana no ingresso e no baldão de pipoca (especialmente se o ingresso for pra versão 2D do filme, já que a versão 3D é absolutamente inútil). Forçando um pouco, fazendo meio como a bola do pênalti do Romário na final de 94, dá até pra dizer que é tão divertido quanto o primeiro... Mas por uma única razão: Joss Whedon acertou em cheio em um ponto primordial que não teve tempo pra trabalhar há três anos e que, em Era de Ultron, vira a cereja do bolo. E cereja de verdade, não aquelas de chuchu, não.
“Eu acho que o melhor efeito especial é se preocupar com um personagem”, disse certa vez Brad Bird, diretor do sensacional Os Incríveis, o melhor filme do Quarteto Fantástico já feito. “Um monte de filmes parecem se esquecer disso, disparando bolas de fogo para todos os lados e se perguntando porque elas não têm impacto, não importa quão grandes ou barulhentas elas sejam. Mas a verdade é que as bolas de fogo não serão empolgantes de fato de você não se importar com a pessoa que está fugindo dela”. Verdade, Brad, verdade. E quem conhece o trabalho de Joss Whedon sabe que ele concorda em gênero, número e grau.
Em Vingadores, Whedon conseguiu o que parecia impossível simplesmente por se dedicar a personagens, construindo a necessidade da presença deles naquele supergrupo através de um único objetivo, sem deixar que um Tony Stark parecesse mais importante que um Clint Barton. E é justamente o Gavião Arqueiro o grande trunfo de Vingadores: Era de Ultron. É, ele mesmo, o carinha do arco e flecha.
Paul Bettany está fantástico, perfeito como o Visão, não apenas visualmente mas também em interpretação, deliciosamente um canastrão robótico de capa, como todo fã do sintozóide sempre sonhou. Mas a flecha já tinha acertado o exato meio do alvo com o pequeno e letal Clint.
São dele as melhores cenas. As melhores sacadas. As melhores falas. Os momentos mais emocionantes de preocupação com civis. É ele quem melhor interage com os irmãos Maximoff, servindo meio que como um mentor para os garotos, colocando-os em ação junto do time quando necessário. Se não fosse por Clint Barton, praticamente não haveria filme para a dupla.
Além disso, justamente por ser o sujeito mais humano do time, mais até que a Viúva — que recebeu um treinamento absolutamente fora da curva para se tornar uma espécie de supersoldado da Rússia, provavelmente aquele mesmo recebido pela Dottie em Agent Carter — é ele quem traz a humanidade para o filme, em uma sequência brilhante que pega você de surpresa (e que tem, de alguma forma, relação direta com a versão ultimate do herói).
E, nessa brincadeira, Whedon deita e rola.
Vemos os super-heróis despidos de suas máscaras e uniformes, questionando suas escolhas, encarando o fato de que não existe espaço para suas vidas pessoais em uma jornada de combate às forças do mal. E é aqui que, por exemplo, a química entre Bruce Banner e Natasha Romanoff funciona de verdade. É neste momento que aquilo que parecia uma baita forçada de barra ganha algum sentido e você diz “mas olha, hein?”. E você tem toda a vontade de abraçar Clint Barton e dizer: “cara, como eu queria ser seu amigo”.
É nesta mesma sequência, aliás, que fica absurdamente claro e nítido que o clima de Guerra Civil está devidamente instaurado, para quem quiser ver. O time fica todo desestruturado. E quando Nick Fury dá as caras novamente e Stark se abre com o antigo amigo, você entende de primeira o que aquele discurso quer dizer — e no que pode acabar.
Infelizmente, porém, se não fosse este acerto cirúrgico que ajuda a elevar a nota final do filme, putz, Vingadores: Era de Ultron poderia facilmente ser colocado junto dos filmes do Thor, um tantinho acima de Homem de Ferro 2, no ranking de “melhores produções do Universo Cinematográfico da Marvel nos cinemas”. São filmes bacanas, são legais, a gente curte assistir. Mas depois de Capitão América 2 e Guardiões da Galáxia, porra, a gente vai exigir um pouco mais de você, Marvel.
Assistindo APENAS aos três trailers divulgados, você pode perceber que eles vão e voltam por três sequências: uma é naquele lugar frio, com o “castelo”, a floresta; outra é a treta do Hulk com o Homem de Ferro, na África; outra é a perseguição e porradaria em Seul; passamos pelo Ulysses Klaw, e um país no Leste Europeu, com toda aquela galera nas ruas e a já “necessária” última luta, com todos os Vingadores em formação de círculo.
Pois bem. O que acontece no frio, na neve, domina boa parte da sequência de abertura do filme, com os Vingadores invadindo uma base da HYDRA liderada pelo Barão Von Strucker para recuperar o cetro de Loki. É logo nos primeiros quinze minutos que rola aquela imagem, sensacional, de todos saltando à frente ao mesmo tempo, em câmera lenta, criando uma cena típica de uma splash page de gibi. Não sobrou nada de novo pra gente curtir. O Capitão jogando a moto no jipe dos caras, a Viúva Negra acalmando o Hulk, até as piadinhas, tudo, tudo. NADA surpreende. E detalhe: era uma cena que tinha tudo para superar totalmente a abertura do primeiro filme, com o Loki invadindo a base da SHIELD, que não é nada de mais, nada de surpreendente. Mas não consegue. Quando muito, acertam na piadinha recorrente do Capitão América se incomodando com os palavrões. Mas é pouco. Merecia mais.
A luta entre o Hulk e Tony Stark trajando a armadura Hulkbuster, então? Aí sim, né? Botou pra foder? Não. Nada. Você já tinha visto cada frame antes. Cada soco na cara, cada bicuda, cada rosnado do Hulk. Deveria ser um dos pontos altos do filme. Mas passa batido, como se nada tivesse acontecido.
Vamos agora pro final do filme, então, vai. Os Vingadores em um distante país europeu, cercados por uma tropa de robôs Ultron, lutando todos ao mesmo tempo, Feiticeira Escarlate e Mercúrio já no time. Adivinha: tudo de mais bacana que poderia rolar ali está nos trailers. Todo o jogo foi entregue antes. Nem o clímax da sequência, o momento “ai, caralho!”, é tão “ai, caralho” assim. Acontece, você sente, mas logo segue em frente. Comparar isso com o que rolou na Batalha de Nova York, putz, chega a ser covardia. Tudo meio coreografado demais, para tentar gerar momentos que, congelados, serão iguais aos dos gibis.
Mesmo o clima do filme é bem diferente daquela coisa sombria que os trailers prometiam. “There are no strings on me”, dizia o Ultron, ameaçador, que medo... Pô. O vilão é bacana, o James Ultron está ótimo, faz excelentes monólogos vilanescos típicos dos bad guys mais malucos e egocêntricos. Mas, porra, ele não é assim tão cruel e sanguinário quanto se esperava. Ele é até engraçadinho. Melodramático. Em dois de seus momentos finais, com a Feiticeira Escarlate e o Visão, dá até pra sentir pena do camarada. Sério.
A Disney perdeu completamente a mão no marketing. Criou todo um hype, mas a troco do quê? Foi o inverso proporcional do que a Warner fez com Batman VS. Superman. Num mundo em que existem teasers DE trailers, talvez este seja o melhor momento pra todo mundo sentar, juntinho, de mãos dadas, e conversar sobre o que é exatamente um trailer. Um meio termo entre a DC e a Marvel talvez seja uma boa definição, pra começar.
Pra quem duvidava disso, Vingadores: Era de Ultron é a constatação de que a Marvel não é à prova de balas. De que ela pode errar SIM. De que até um cara como Joss Whedon precisa de um respiro de vez em quando. E de que, caralhos, menos é mais, não?
Agora, aqueles miseráveis dos Irmãos Russo, que fizeram quase um mini-Vingadores com Capitão América 2, dosando de maneira inteligente o Sentinela da Liberdade, a Viúva, o Falcão, o Soldado Invernal, terão um teste de fogo com uma espécie de Vingadores 2.5 em Em Capitão 3, aquele da Guerra Civil, juntando esta galera toda aí e mais Homem de Ferro, Gavião Arqueiro, talvez o Pantera Negra, o Homem-Aranha... Pra mim, faz todo o sentido que eles ganhem a chance de registrar o pega pra capar que vai rolar com Thanos a partir do terceiro filme.
Valeu por tudo, Whedon. E obrigado por deixar pingando na área a bola de que o Gavião Arqueiro merece um filme-solo, inspirado na série do Matt Fraction talvez. Ou melhor: uma série, juntando ali com o Demolidor, Punho de Ferro, Jessica Jones e Luke Cage. Tem dinheiro aí, hein? Depois passo minha conta.
PS. Sim, tem uma cena depois dos créditos animados — ou, se preferir, no meio dos créditos. Esta foi exibida para a imprensa. E é legal, até. Bem rápida. Puro fanservice. Mas legal. A tal cena que em teoria estaria depois dos créditos finais e que vem tomando conta das redes sociais nos últimos dias (vocês sabem do que estamos falando!) não chegou a ser exibida, no entanto. Não sabemos ainda se ela é real, estamos apurando com nossas fontes mais confiáveis (embora tudo leve a crer que não seja). Mas o mesmo aconteceu com os Guardiões da Galáxia (a cena do Howard) e com o Homem de Ferro (a cena da Iniciativa Vingadores) nas exibições para a imprensa... Então, vamos esperar essa quinta-feira pra ter certeza. ;D
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