Quadrinista fala sobre a fórmula de 3 páginas, 2 personagens e 1 final surpresa que permeia a sua premiada e elogiada antologia – já lançada nos EUA e que está prestes a ganhar sua segunda edição
A ideia era ser apenas um projeto relâmpago entre os muitos que o paulista Felipe Cagno, 30 e poucos anos, uma mistura de quadrinista e cineasta, gosta de tocar ao mesmo tempo em sua vida. O ano era 2013. Ele voltava do FIQ em 2013, onde tinha lançado oficialmente o encadernado de fantasia Lost Kids: Buscando Samarkand, bancado via financiamento coletivo. Era a sua primeira experiência como roteirista de gibis.
“A recepção não poderia ter sido melhor, em especial dos vários artistas que eu tanto admirava e estavam presentes no evento”, conta Felipe, num papo com o JUDÃO. “Muitos deles sinalizaram que seria interessante uma possível parceria. Como não sei desenhar absolutamente nada e fico encantado com tanta arte boa no mundo, a minha vontade foi de trabalhar com todos os artistas de uma vez só e ao mesmo tempo. O que só seria possível através de uma antologia de curtas histórias”.
Nascia aí a semente do primeiro volume 321: Fast Comics. Felipe logo começou a pensar numa linha editorial que reunisse as histórias em um volume único sem influenciar nos gêneros. “Aí, me lembrei de um exercício de câmera que eu fiz no mestrado de cinema chamado 321. A ideia era produzir um curta-metragem com três páginas de roteiro, dois personagens e uma locação”.
Como a locação dentro de uma HQ não é um problema logístico como no cinema, ele resolveu mudar o significado do 1. “Até num esforço para me obrigar a crescer como escritor, pensei como seria legal se todas as histórias terminassem surpreendendo o leitor”. Ou seja: 3 páginas, 2 personagens, 1 final surpresa.
Todos os roteiros ficaram a cargo de Cagno, que não se prendeu a um tipo único tipo de ambientação e escreveu histórias contemporâneas – mas também arriscou caminhar pelo Velho Oeste, ficção científica, drama, comédia e até steampunk. Entre os artistas, estavam nomes como Geraldo Borges (Aquaman, Lanterna Verde), Thony Silas (Batman Beyond), Vitor Cafaggi (Valente), Cris Peter (Casanova), Mario Cau (Terapia) e Marcelo Maiolo (Teen Titans).
E, num passe de mágica, o que era pra ser um projeto simples e rápido para acompanhar os lançamentos mais “ousados” tomou conta da vida de Felipe. “O sucesso foi tanto que acabou se tornando o meu principal lançamento do ano, me abriu portas com editoras, artistas, agências, e até me trouxe um troféu Angelo Agostini de Melhor Roteirista de 2014”, revela.
Empolgado com o resultado, Felipe resolveu arriscar e meter as caras no mercado americano. Ao descobrir que a plataforma de quadrinhos digitais comiXology tem um programa de lançamentos para HQs independentes, o autor traduziu 321 e mandou pra eles. Deu certo. Lá estava a antologia disponível para o público internacional também. Mas... por que não arriscar um tantinho mais? Afinal, surgiu uma oportunidade profissional que o faria passar três meses nos EUA. Logo... “Por que não arriscar uma campanha no Kickstarter e correr atrás de lançar o livro em formato impresso?”.
Ele conta que foi a campanha de financiamento coletivo mais difícil que fez, até por não estar em seu próprio território de conforto. “Mas deu certo e o projeto foi financiado, até com margem para eu conseguir bancar minhas despesas de viagem”, respira aliviado. Além de passar pela Megacon em Orlando e pelo TCAF em Toronto, acabou tendo a chance de fazer um rápido lançamento do 321: Fast Comics em Chicago durante a C2E2, justamente a convite do pessoal do comiXology.
“A recepção foi muito legal, eu distribuí diversos exemplares do 321 em inglês para as principais editoras norte-americanas e alguns dos maiores nomes dos quadrinhos”, conta. “Pelo menos ao vivo, quando eu entregava o material, todos se impressionavam com a qualidade gráfica e da arte dos nossos artistas brasileiros”.
O lançamento oficial, no entanto, vai rolar na Special Edition da New York Comic Con que acontece nos próximos dias 6 e 7 de Junho. “Vou ter uma mesa no Artists’ Alley deles, espero que a recepção seja boa!”.
Já o segundo volume de 321: Fast Comics, atualmente no Catarse aguardando o financiamento para sair do papel (ou entrar, na verdade), é algo que Felipe descreve como o projeto mais ousado que já produziu na vida. São mais de 60 artistas convidados, entre desenhistas e roteiristas – sim, desta vez não é apenas Felipe quem escreve -, e um aumento significativo na quantidade de histórias e páginas. “O primeiro volume vinha com 21 histórias, dessa vez, estaremos com 31 delas”.
Entre os roteiristas, estão nomes como Raphael Fernandes (Apagão), Gustavo Borges (Morte Crens) e Paco Steinberg (Fora Bullying!). Já a respeito dos desenhistas, caras do calibre de Ivan Reis, Joe Prado, Frank Martin, Klebs Junior, Rod Reis, Will Sideralman e Sam Hart. “Eu também quis mesclar artistas dos mais variados gêneros e estilos, não só aqueles de comics americanos. Então chamei o Pedro Mauro, Rogério Coelho, Brão, Bira Dantas, Fábio Coala, Alex Shibao...”.
O concurso para selecionar três das histórias que serão publicadas no volume 2 é uma das grandes novidades. “Estamos dando oportunidade a artistas que queiram participar do 321 para serem publicados e receberem prêmios em dinheiro. São R$ 1.500 em prêmios para as três melhores histórias e as três melhores pin-ups”. Todas as informações e regras podem ser encontradas neste link.
Além do 321: Fast Comics Vol. 2, o Felipe se meteu a fazer mais coisas – incluindo mais dois lançamentos em quadrinhos previstos para esse ano. “Um é um western pós-apocalíptico chamado The Few and Cursed, em parceria com o artista Fabiano Neves e Dinei Ribeiro, e outro projeto que está sendo estudado com o Gustavo Borges”.
Além disso, o autor também quer voltar a trabalhar com cinema, sua grande paixão. “Continuo na pós-produção do meu longa-metragem Bala Sem Nome com a Paola Oliveira, Leopoldo Pacheco, Sérgio Marone e Guta Ruiz no elenco”, revela, a respeito do thriller de suspense rodado em dez dias e também financiado com a ajuda do Catarse. “O problema é que no Brasil, para cinema, tudo é lento, tudo é difícil, tudo tem seu tempo. A nossa meta é finalizar o filme até o final do ano”.