Na base do por favor não vamos conseguir mudar muita coisa.
OBRAS DO ACASO A igualdade de direitos e o respeito às diferenças são os grandes assuntos dos últimos anos. Não existe mais dúvidas sobre isso.
Seja no Oscar e seu mea culpa sobre a ausência de negros entre seus indicados ou a revolta popular contra o Quintandinha e sua desastrada estratégia de contenção de crise.
Seja no novo Star Wars e sua encantadora dupla de protagonistas ou na pluralidade festejada nas séries do Netflix. O mundo está em estado de transformação. E não tem mais volta.
Ou tem?
O cinismo da internet, sempre tão rápido e disposto a apontar problemas no outro, também não gosta do rumo que as coisas estão tomando. E — mesmo descontando aqueles irracionais motivados por religião, política ou graves frustrações — sempre tem alguém para falar o inconfundível “o mundo tá muito chato”.
A última edição do Oscar é o exemplo perfeito. Muita gente reprovou a festa, justificando um suposto exagero na vontade de limpar a barra da Academia. Um infelizmente-cada-vez-mais-difícil-de-ler blogueiro chegou a falar de “fanatismo PC (politicamente correto)”.
Esse mesmo blogueiro outro dia fez um post lamentando “a patrulha do politicamente cuspindo ódio nas redes sociais” que impediria hoje a existência de populares programas de humor dos anos 80 e 90. Programas que, é claro, usavam de homofobia, misoginia, machismo e outros saudáveis artifícios para fazer rir o então jovem jornalista.
Não é preciso fazer muita pesquisa para ouvir de todos os lados — inclusive de pessoas inteligentes e informadas como o blogueiro supracitado — comentários desse tipo. Um inconformismo com a mudança, uma preocupação com o exagero, uma indignação com o patrulhamento.
E o receio sobre a sociedade que nos tornaremos com tanta gente apontando os preconceitos alheios.
Eu pergunto então: EMPIRICAMENTE, qual é o exemplo que essas pessoas lutam tão bravamente para fugir? Onde está essa sociedade que não tolera o racismo, o machismo, a homofobia ou a intolerância e que, por isso, deu errado?
Qual é o momento histórico em que as pessoas eram infelizes por não poder fazer piada na internet ofendendo minorias? Em que época se viveu frustrado por não se poder mais fazer propaganda de cerveja objetificando as mulheres?
Qual é a profundo estrago causado por uma cerimônia do Oscar em que os vencedores aproveitam a audiência de muitos milhões de pessoas para discursar pelo meio ambiente, pela diversidade, pela igualdade de direitos?
Baseado em que está o medo dos cínicos?
Sinceramente não entendo esse saudosismo exemplificado no começo do texto pelo blogueiro, mas observável à exaustão por aí. Observe a sociedade que nos tornamos após toda uma existência de livre e solta opressão. Você está satisfeito com ela?
Não nego, é claro, que certos exageros sejam cometidos ocasionalmente. E entendo que casos de linchamento — virtual ou não — devam ser discutidos. Porém, precisamos entender que na base do por favor não vamos conseguir mudar muita coisa.
Só mudaremos o mundo de verdade adotando uma postura de zero tolerância com a opressão.
Vamos errar muito até conseguir expurgar da nossa alma os conceitos deturpados que repetimos automaticamente desde sempre. Não estou aqui me eximindo de culpa. Agradeço cada porrada que ajuda a matar o pequeno opressor que insiste em sobreviver dentro de mim.
Mas fiquem tranquilos, caros machões old school preocupados com sua liberdade de consumo. O box dos Trapalhões em DVD sempre vai estar ali para você. Mas saiba que vocês, cada vez mais, não passarão.
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