Estivemos no Rio de Janeiro, entrevistamos elenco e diretores e assistimos às onze histórias diferentes que, forçadas a serem contadas juntas, acabam não funcionando do jeito que deveriam
Rio, Eu Te Amo não é uma declaração de amor ao Rio de Janeiro. O título pega aqueles que nunca assistiram a Paris, Eu Te Amo e Nova York, Eu Te Amo de surpresa, eu sei. Mas, pelas regras da franquia, cada história deve ter até sete minutos, protagonizada por no máximo dois personagens que vivem algum tipo de história de amor, gravada em dois dias e editada em no máximo sete.
Regras da franquia. Em Paris e Nova York, talvez, o amor fosse um pouco mais verdadeiro. Depois dos dois filmes, os produtores perceberam que era extremamente vantajoso vender licenças para quem quisesse. Além do Rio, Jerusalem e Shanghai já estão na lista — e outras várias cidades aparecem com um coração no mapinha do site oficial da franquia, como por exemplo, Tbilisi, capital da Georgia, cuja versão estreou no início desse ano, com Malcolm McDowell e Ron Perlman no elenco. TBILISI, cara. É negócio, puro e simples.
Falando em negócios, Rio, Eu Te Amo vai ter de enfrentar duas barreiras MUITO grandes. A primeira é São Paulo. Por natureza, existe todo aquele mimimi com os cariocas (que o todo o Brasil tem com Argentinos, não adianta reclamar de paulista). Serão poucas salas de cinema em que o filme vai estrear e o público daqui pode acabar não aceitando muito bem essa coisa de “Rio, Eu Te Amo”, independente do que se vê no filme. A outra é, claro, é um possível lançamento internacional (alguns países da Europa e Ásia já compraram os direitos de distribuição do filme, mas aqueles QUE IMPORTAM, monetariamente falando, não).
E aí chegamos no primeiro, e provavelmente maior, problema desse filme.
Existe aquela trepada só pelo sexo, gozou, acabou, tá tudo bem. Existem os amigos com benefícios! Existe o amor, mesmo, paixão, que deixa a gente completamente lelé, fora de órbita. E existe aquela puta de Copacabana, linda, que diz tudo o que você quer ouvir, faz tudo o que você quiser mas, óbvio, tá ali só pelo dinheiro. Rio, Eu Te Amo podia ter tentado entrar em qualquer uma das outras relações, mas foi direto pra última. Repito: o amor poderia ser mais verdadeiro. Ou talvez pudesse existir amor, de fato. Só amor.
Cheio de números e uma esperança de um enorme lucro para a cidade, Sérgio Sá Leitão, da RioFilme, deixou a história bem clara, caso restasse alguma dúvida: “Além de promover a cidade, o filme também é um investimento alto”, disse, durante a coletiva de lançamento do filme no Rio de Janeiro. E, aí, o que se vê é uma cidade branca, rica e dentro do ar condicionado e que, em alguns dos segmentos, nem sequer se aproveita do Rio de Janeiro. Um contexto não muito interessante...
O segmento de Paolo Sorrentino, por exemplo, é divertidíssimo, bizarro, absurdo. Mas estrelado por gringos, numa praia que só não digo que é particular pela presença de uns quatro adolescentes que não necessariamente serviram pra alguma coisa. O do John Torturro... Bom, nesse eu dormi. É chato. PRA CARALHO. E se passa dentro de uma casa. Quem não me garante que eles não gravaram isso em Los Angeles? Barcelona? Tbilisi?
O de Andrucha Waddington, com Fernanda Montenegro e Eduardo Sterblitch, por exemplo, mostra uma moradora de rua que ama tanto aquela cidade que decidiu morar... nela. Não numa casa dentro da cidade. Na própria cidade. Como o próprio diretor contou durante a coletiva, aquele personagem existe e, pesquisando, perceberam que existem VÁRIAS pessoas que, como a Dona Fulana, simplesmente resolveram mandar o sistema pra puta que pariu e seguir o que bem entendem. É uma história divertida, legal, até emocionante. Mas no contexto, percebe-se que faltou algo a mais.
José Padilha, porém, talvez tenha levado esse algo a mais muito a sério. Num segmento claramente feito às pressas, em resumo, ele manda o Rio tomar no cu — nada mais Padilhesco. Faz até sentido. O personagem de Wagner Moura voa de asa-delta, vê o Cristo lá em cima, braços abertos sempre a esperar, e o bicho pegando lá no asfalto. “Cidade Maravilhosa é o caralho. Boa Olimpíada”. Mais uma vez, o contexto...
Há, claro, aqueles que fizeram seu trabalho direitinho. O coreano Im Sang-Soo, que inventou um garçom vampiro (Tonico Pereira) que mora no Vidigal (única presença de um Morro no filme) e é apaixonado por uma puta (Roberta Rodrigues), é um deles. Outro é Carlos Saldanha, que apesar de explodir as mentes do universo com o tanto de clichês em Rio, usou o Teatro Municipal como pano de fundo da história de amor entre dois bailarinos (Rodrigo Santoro e Bruna Linzmeyer). Fernando Meirelles também, com Copacabana e Vincent Cassel, contou a sua história de amor no Rio de Janeiro, com olhares e ouvidos diferentes.
Guillermo Arriaga também contou uma história, do seu jeito — e é a única, de todas, protagonizada por um negro. E não só um negro: um fodido, que se mete numas roubadas imensas por amor. Destoa bastante de tudo o que se vê nos outros dez segmentos, mas é um dos mais interessantes, no tal do contexto.
E então, lá pro final, surge a história escrita e dirigida pela Libanesa Nadine Labaki. Ela não só conseguiu entender o Rio de Janeiro, como o Brasil, melhor que muita gente. “Eu não sei de onde eu tirei as referências! Eu simplesmente... Senti!”, disse a diretora, em entrevista exclusiva ao JUDÃO. Na história, batizada de “O Milagre”, dois gringos realizam o sonho de uma criança, que apanha do irmão, drogado. O sonho é uma bola de futebol.
É lindo pensar que foi uma mulher que mal conhecia o país que melhor conseguiu contar uma história de amor tendo um lugar específico como cenário.
http://youtu.be/2_Pb7SqPd4U&list=UUlj_QMGW8wLzvsSdAUfJbAg
Rio, Eu Te Amo ainda teve uma história usada pra ligar cada um dos segmentos com outro que foi um erro. Nem tanto pela história em si — o taxista (Michel Melamed) cuja mulher (Claudia Abreu) o deixou há três anos –, mas o uso. Desnecessário ligar cada segmento com outro, embora eu ENTENDA a ideia dos produtores, tendo o público médio do Brasil como alvo; e é um comercial enorme de todas as marcas patrocinadoras. Não chega a ser (tão) ridículo como aconteceu com A Busca, mas o Brasil ainda precisa aprender a fazer product placement — e entender que isso não é um comercial de um produto. :)
Enfim. Nenhum dos filmes da franquia Cities of Love foi feito pra explodir bilheterias. E não sei se algum deles tenha sido feito como propaganda. O fato é que Rio, Eu Te Amo se perdeu na hora de tentar vender a Cidade Maravilhosa e contar uma história — e, com esse título, vai ser ainda mais complicado encontrar seu rumo.
Faltou, a Rio, Eu Te Amo, tentar ser mais cultura pop do que cinema de arte — tanto no produto final quanto (e especialmente) na divulgação. Um milhão e sei lá o que de likes em fanpage, hoje, não diz nada. E, principalmente, não faz a bilheteria de nenhum filme.
E mais do que ruim ou bom, Rio, Eu Te Amo deveria ser emocionante. E tirando alguns dos segmentos especificamente, não é. E seja lá qual for o resultado do filme, eu estive lá e posso dizer que, pelo menos, o Rio de Janeiro continua lindo. ;)