A tão esperada morte não foi broxante por conta de quem foi o falecido mas sim porque Os Simpsons é que é, hoje, broxante — o que Family Guy só ajudou a mostrar, ao homenagear a família de Springfield
SPOILER! Há quase um ano, o produtor Al Jean confirmou: um personagem importante morreria em Os Simpsons. Morreria de vez, pra sempre, da mesma forma que rolou com Maude Flanders. Na lousa, Bart já avisou que não era Homer Simpson, caso alguém realmente pensasse nisso (além da Lisa).
Depois de tanto tempo, tal PERECIMENTO aconteceu nos EUA no último domingo, 28 de Setembro, no episódio Clown in the Dumps, o primeiro da nova temporada da série. Uma morte que deixou um grande “meh” em muitos dos telespectadores, gerou mimimi na internet e tudo mais... Tudo porque, quem morreu, foi o Hyman Krustofski, o pai do Palhaço Krusty.
A identidade do moribundo nem foi tão inesperada assim. Veja bem: Al Jean, lá atrás, havia revelado que um dublador teria recebido um Emmy por dublar o próprio morto. Como o JUDÃO já havia contado, todos os dubladores principais da série já venceram o Emmy (o único que faltava, Harry Shearer, venceu agora em 2014), além de alguns convidados. Mas aqui vai o truque: a premiação é bem específica ao entregar o troféu, revelando por qual (ou por quais) personagens ESPECIFICAMENTE a pessoa levou o prêmio. Como sabíamos que ninguém mataria, em sã consciência, um dos membros da família, isso deixou três defuntos em potencial: o próprio Hyman Krustofski, Apu e Sideshow Bob.
Bob tem aquele histórico de ótimos episódios perseguindo o Bart, Apu tem uns 888 filhos pra criar... Pois é, sobrou pro velho rabino.
E, veja bem, matá-lo é algo com um tremendo potencial, sim. Você não deve lembrar (e essa é uma das desvantagens de uma série que entra na 26ª temporada), mas a introdução do Krustofski é, até hoje, um dos pontos altos de Os Simpsons. Na terceira temporada, no episódio Like Father, Like Clown, conhecemos as origens de Krusty, vindo de uma tradicional família judia e a luta para se estabelecer como um palhaço de sucesso. Numa paródia do filme O Cantor de Jazz, o episódio uniu humor e drama, com passagens bíblicas e tudo mais. Para dublar Hyman Krustofski, escolheram Jackie Mason, que, veja só, já havia sido rabino, mas largou a religião para ser comediante.
Like Father, Like Clown foi um sucesso, a maior audiência da Fox naquela semana e ainda deu o Emmy para Mason. Um claro exemplo da inovação representada por Os Simpsons naquela época, conseguindo unir animação, humor, sátira e crítica social numa série de horário nobre.
Naquela época, matar o rabino poderia ter gerado outro episódio no mesmo nível ou próximo. Com toda a certeza teríamos Krusty revisitando a origem judaica, os dilemas, a relação com o pai... Seria um acontecimento realmente relevante para os telespectadores, porque o entorno o faria assim. Porém, essa morte veio em 2014. E foi fraca, simples, sem sentido, sem fim. No máximo, rendeu uns risos em alguns momentos.
Nem a questão do medo de perder os pais, algo inerente a todos nós, foi explorado, apesar da tentativa – Lisa passa a ter medo que Homer morra da mesma forma que rolou com o pai do Krusty. De fundo, sabemos no final que esse episódio, especificamente, foi dedicado à memória de Louis Castellaneta, pai de Dan, o dublador do Homer e do próprio Krusty. Um significado que poderia representar mais para todo o enredo, mas que também acaba se perdendo.
Se tudo isso é pouco para significar o caminho que Os Simpsons percorreu entre 1991 e 2014 – ou seja, entre a introdução e morte de Hyman Krustofski – Clown in the Dumps ainda trabalha a decadência do Palhaço Krusty. Um cara amargurado, sem graça, do qual ninguém (nem Bart, seu maior fã) consegue lembrar se uma vez na vida teve um bom momento. Parece que está no ar até hoje simplesmente por comodismo, pelo dinheiro, pela convenção.
Family Guy, a série que todo mundo compara com Os Simpsons não só pelo formato da família, mas também em relação a quem é melhor, quem é mais engraçado e por aí vai, supera a família de Springfield no sentido de self awareness. É, aliás, até uma piada da própria série esse sentido de se enxergarem e se criticarem o tempo todo, ou se usarem pra falar de algo fora daquele universo.
No também primeiro episódio da nova temporada, a 13ª, chamado The Simpsons Guy, os Griffin são obrigados a tirar férias de Quahog depois que Peter provoca a raiva do universo com algumas piadas misoginistas numa tira de jornal. Dirigindo sem destindo, eles tem seu carro roubado e acabam parando em Springfield (“De que estado? Não acho que possamos falar isso”).
Desde o momento em que entram no Kwik-e-Mart até voltarem pra casa, muito mais do que um episódio que serve, como diz o Chris logo no começo, “trazer o melhor de cada show, sem mostrar desespero — as prioridades são sempre criativas, e não uma jogada de marketing”, The Simpsons Guy faz o que Os Simpsons talvez devesse fazer de vez enquando: encara seus próprios demônios.
Joga na própria cara a falta de Emmys, dá aquela enfiada de dedo na ferida da treta entre Bob’s Burgers e Cleveland Show, brinca com os “plágios” das séries, a rivalidade ~saudável, os “flashbacks”, Chicken Fights (participação genial do Comic Book Guy), piadas que “deixam blogueiros bravos” e, olha só, até mesmo essa história de que Os Simpsons perderam a graça.
Seth MacFarlane resolveu, do seu jeito, colocar as duas séries em seus devidos lugares. Cada uma a seu jeito, calando a boca de quem critica um ou outro, usando um o outro como exemplo. Pra alguns, aliás, foi uma “demonstração de inferioridade”, uma vez que em praticamente nenhum momento eles tiram uma com a cara d’Os Simpsons diretamente (como fizeram, por exemplo, com Bob’s Burgers). Não é. Trata-se de uma homenagem, um “vocês são foda, nós gostamos muito de vocês, nos inspiramos mesmo, mas seguimos nossa vida do nosso jeito”.
E essa é outra mensagem de Clown in the Dumbs. Ninguém fica por tanto tempo ~no auge sem, no mínimo, ter algum fiapo de talento ou um pouco de conexão com o público. Krusty teve isso, com participações engraçadas em alguns episódios da série – seja involuntariamente ou não. Porém, ninguém lembra disso no contexto daquele universo. É exatamente como a mesmice atual, a falta de criatividade e o comodismo fazem de Os Simpsons apenas mais uma série animada que se vale de alguns factoides para continuar sendo relevante. O passado de inovação e grandes sacadas ficou esquecido. Ninguém se lembra. Parece que sempre foi a mesma coisa. Parece que sempre foi o mesmo palhaço sem graça, um reflexo de si próprio.
Isso fica ainda mais claro quando vemos que a abertura e couch gag (aquela piada do começo, sempre envolvendo o sofá) de Clown in the Dumps, um episódio que deveria ser tão importante, tomou quase 3 minutos, uma eternidade na TV. O motivo? Provavelmente porque o episódio ficou curto. Fora que, no final, ainda enfiaram uma piadinha, “gastando” mais um tempo que sobrou. Pois é.
A morte do rabino Hyman Krustofski foi realmente mais importante do que você imagina. Não só porque o personagem tinha importância – que foi mal aproveitada -, mas porque essa morte revela de vez que uma boa ideia não dura 26 temporadas. Ou 25. Ou 24. Ou 23. Ou 22. Ou 21...